SóProvas


ID
2359747
Banca
IBADE
Órgão
SEJUDH - MT
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                                      TE

    De todas as coisas pequenas, estava ali a menor de todas que eu já tinha visto. Não porque ela sofresse dessas severas desnutrições africanas - embora passasse fome mas pelo que eu saberia dela depois.

    Teria uns 4 anos de idade, estava inteiramente nua e suja, o nariz catarrento, o cabelo desgrenhado numa massa disforme, liso e sujo. Chorava alto, sentada no chão da sala escura. A casa de taipa tinha três cômodos pequenos. Isso que chamei de sala não passava de um espaço de 2 m por 2 m, sem janelas. Apenas a porta, aberta na parte de cima, jogava alguma luz no ambiente de teto baixo e chão batido.

      Isso aconteceu na semana passada, num distrito de Sertânia, cidade a 350 km de Recife, no sertão de Pernambuco. A mãe e os outros seis filhos ficaram na porta a nos espreitar, os visitantes estranhos. O marido, carregador de estrume, ganhava R$ 20 por semana, o que somava R$ 80 por mês. Essa a renda do casal analfabeto. Nenhum dos sete filhos frequentava a escola. Não havia água encanada. Compravam a R$ 4 o tambor de 24 litros. O choro da menina seguia atrapalhando a conversa.

      - Ei, por que você está chorando? perguntei, enfiando a cabeça no vão da porta. A menina não ouviu, largada no chão.

     - Ei! Vem cá, eu vou te dar um presente - repeti. Ela olhou para mim pela primeira vez. Mas não se mexeu, ainda chorando.

      - Como é o nome dela? - perguntei à mulher.

      - Agente chama ela de Te -disse, banguela.

      -Te? Mas qual o nome dela?-insisti.

      - Agente chama ela de Te, que ela ainda não foi batizada não.

      - Como assim? Ela não tem nome? Não foi registrada no cartório?

      - Não, porque eu ainda não fui atrás de fazer.

     Te. Olhei de novo para a menina. Era a menor coisa do mundo, uma pessoa sem nome. Um nada. “Te” era antes da sílaba - era apenas um fonema, um murmúrio, um gemido. Entendi o choro, o soluço, o grito ininterrupto no meio da sala. A falta de nome impressionava mais do que a falta de todo o resto.

    Te chorava de uma dor, de uma falta avassaladora. Só podia ser. Chorava de solidão, dessa solidão dos abandonados, dos que não contam para nada, dos que mal existem. Ela era o resultado concreto das políticas civilizadas (as econômicas, as sociais) e de todo o nosso comportamento animal: o de ir fazendo sexo e filhos como os bichos egoístas que somos, enfim. 

    Era como se aquele agrupamento humano (uma família?) vivesse num estágio qualquer pré- linguagem, em que nomear as coisas e as pessoas pouco importava. Rousseau diz que o homem pré-histórico não precisava falar para se alimentar. Não foi por causa da comida que surgiu a linguagem. "O fruto não desaparece de nossas mãos”, explica. Por isso não era necessário denominá-lo.

      As primeiras palavras foram pronunciadas para exprimir o que não vemos, os sentimentos, as paixões, o amor, o ódio, a raiva, a comiseração. “Só chamamos as coisas por seus verdadeiros nomes quando as vemos em suas formas verdadeiras.” Só quando Te viu a coisa na minha mão se calou.

      - Ei, Te, olha o que eu tenho para te dar!

    Ela virou-se na minha direção. Fez-se um silêncio na sala. Era uma bala enrolada num papel verde, com letras vermelhas. Então ela se levantou, veio até a porta e pegou o doce, voltou para o mesmo lugar e recomeçou seu lamento.

    Nem a bala serviu de consolo. Era tudo amargura. Só restava chorar, chorar e chorar por essa morte em vida, por essa falta de nome, essa desolação.

FELINTO, Marilene. Te. Folha de S. Paulo, São Paulo, 30 jan. 2001. Brasil, Cotidiano, p. C2. 

Sintaticamente, o segmento destacado está corretamente analisado em:

Alternativas
Comentários
  • a) ??

    b) Sujeito inexistente.

    c) Adjunto adverbial de tempo.

    d)??

    e)Aposto explicativo.

     

    Se eu estiver errado, me corrijam, por favor!

  • a) "estava" - verbo de ligação" + "inteiramente nua e suja" - predicativo do sujeito

    d) "era - verbo de ligação + "uma bala..." - predicativo do sujeito

  •  

     

     

     

     

     

    A locução adverbial resulta da combinação entre:

     

    PREPOSIÇÃO + ARTIGO + ADVÉRBIO

     

     

    LOCUÇÃO ADVERBIAL:               PREPOSIÇÃO  +   ADVÉRBIO

     

                                      

    Ex.   Não enxergava   DE + PERTO                       (ADVÉRBIO)

                                                        

     

     

     

    LOCUÇÃO PREPOSITIVA:          ADVÉRBIO     +   PREPOSIÇÃO

     

                                           

                                                  Ex.      Ela morava    PERTO +  DE  mim.

     

     

     

     

           ATENÇÃO:    NÃO SÃO LOCUÇÕES VERBAIS.

     

                             DOIS VERBOS distintos com duas ORAÇÕES distintas

     

     

    DE NOVO =     LOCUÇÃO ADVERBIAL DE   INTENSIDADE

     

    De novo, de pouco, de todo etc.

    Exemplo: Meus filhos foram viajar de novo.

     

     

    ...............

     

    - Era UMA BALA enrolada num papel verde, com letras vermelhas.

     

    A  oração possui o verbo ser, que é verbo de ligação, apontando, dessa forma, que seu complemento é um PREDICATIVO DO SUJEITO.

     

     

     

     

     

    -  Teria uns 4 anos de idade, estava inteiramente NUA e SUJA."/ PREDICATIVO DO SUJEITO

     

    Como verbo estar é VL então seu complemento é um predicativo do sujeito, sujeito que nesse caso está oculto.

     

     

    MINEMONICO PARA VERBOS DE LIGAÇÃO: CAFES P2 (cafés para dois)

    Continuar

    Andar (em sentido figurado) -> andar triste..

    Ficar

    Estar

    Ser

    Parecer

    Permanecer

     

     

  • lLETRA A

     a)"Teria uns 4 anos de idade, estava inteiramenie NUA e SUJA." / predicativo do sujeito - CORRETA -> VL + ADJETIVO FALANDO DO SUJEITO = PREDICATIVO DO SUJEITO

     b)"Não havia AGUA ENCANADA "/ sujeito - ERRADO -> verbo HAVER no sentido de existir, acontecer, ocorrer não tem sujeito

     c)“Olhei DE NOVO para a menina."/ adjunto adnominal - ERRADO -> para ser ADJUNTO ADNOMINAL tem que estar junto do nome

     d)“Era UMA BALA enrolada num papel verde, com letras vermelhas." / objeto direto - ERRADO -> "era" é VL

     e)"O marido, CARREGADOR DE ESTRUME, ganhava R$ 20 por semana." /vocativo  - ERRADO -> se trata de um APOSTO EXPLICATIVO

  • Confundi

  • A) Predicativo do sujeito = Caracteriza o sujeito oculto "ela"

    B) Havia, sentido de existir = Sujeito inexistente.

    C) A menina SOFRE a ação de ser olhada = Complemento Nominal

    D) "Uma bala" sujeito simples.

    E) Aposto