SóProvas


ID
2537746
Banca
IBFC
Órgão
TJ-PE
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto I


                                                     Os outros


      Você não acha estranho que existam os outros? Eu também não achava, até que anteontem, quando tive o que, por falta de nome melhor, chamei de SCA – Súbita Consciência da Alteridade.

      Estava no carro, esperando o farol abrir, e comecei a observar um pedestre, vindo pela calçada. Foi então que, do nada, senti o espasmo filosófico, a fisgada ontológica. Simplesmente entendi, naquele instante, que o pedestre era um outro: via o mundo por seus próprios olhos, sentia um gosto em sua boca, um peso sobre seus ombros, tinha antepassados, medo da morte e achava que as unhas dos pés dele eram absolutamente normais – estranhas eram as minhas e as suas, caro leitor, pois somos os outros da vida dele.

      O farol abriu, o pedestre ficou pra trás, mas eu não conseguia parar de pensar que ele agora estava no quarteirão de cima, aprisionado em seus pensamentos, embalado por sua pele, tão centro do Cosmos e da Criação quanto eu, você e sua tia-avó.

      Sei que o que eu estou dizendo é de uma obviedade tacanha, mas não são essas verdades as mais difíceis de enxergar? A morte, por exemplo. Você sabe, racionalmente, que um dia vai morrer. Mas, cá entre nós: você acredita mesmo que isso seja possível? Claro que não! Afinal, você é você! Se você acabar, acaba tudo e, convenhamos, isso não faz o menor sentido.

      As formigas não são assim. Elas não sabem que existem. E, se alguma consciência elas têm, é de que não são o centro nem do próprio formigueiro. Vi um documentário ontem de noite. Diante de um riacho, as saúvas africanas se metiam na água e formavam uma ponte, com seus próprios corpos, para que as outras passassem. Morriam afogadas, para que o formigueiro sobrevivesse.

      Não, nenhuma compaixão cristã brotou em mim naquele momento, nenhuma solidariedade pela formiga desconhecida. (Deus me livre, ser saúva africana!). O que senti foi uma imensa curiosidade de saber o que o pedestre estava fazendo naquela hora. Estaria vendo o mesmo documentário? Dormindo? Desejando a mulher do próximo? Afinal, ele estava existindo, e continua existindo agora, assim como eu, você, o Bill Clinton, o Moraes Moreira. São sete bilhões de narradores em primeira pessoa soltos por aí, crentes que, se Deus existe, é conosco que virá puxar papo, qualquer dia desses. Sete bilhões de mundinhos. Sete bilhões de chulés. Sete bilhões de irritações, sistemas digestivos, músicas chicletentas que não desgrudam da cabeça e a esperança quase tangível de que, mês que vem, ganharemos na loteria. Até a rainha da Inglaterra, agorinha mesmo, tá lá, minhocando as coisas dela, em inglês, por debaixo da coroa. Não é estranhíssimo?

(PRATA, Antônio. Os outros. In: Meio intelectual, meio de esquerda. São Paulo: Editora 34, 2010. p17-18)

Considere o período abaixo e as afirmativas feitas a respeito das orações e termos que o constituem.


Sete bilhões de irritações, sistemas digestivos, músicas chicletentas que não desgrudam da cabeça e a esperança quase tangível de que, mês que vem, ganharemos na loteria.” (6º§)


I. A oração “que não desgrudam da cabeça”, por seu caráter acessório, pode ser deslocada para outras posições no período sem prejuízo ao sentido inicial.

II. Todos os verbos do período possuem o mesmo sujeito.

III. O trecho “Sete bilhões de irritações, sistemas digestivos, músicas chicletenta” ilustra um exemplo de paralelismo sintático, apesar de se notar a omissão da preposição “de” em parte dele.


Estão corretas as afirmativas:

Alternativas
Comentários
  • LETRA D: apenas III.

    “Sete bilhões de irritações, sistemas digestivos, músicas chicletentas que (sujeito de desgrudam, retoma sete bilhões...) não desgrudam da cabeça e a esperança quase tangível de que, mês que vem, (nós = sujeito desinencial, implícito) ganharemos na loteria.” (6º§)

     

    I. A oração “que não desgrudam da cabeça”, por seu caráter acessório, pode ser deslocada para outras posições no período sem prejuízo ao sentido inicial. ERRADO. É uma oração subordinada adjetiva restritiva que se refere a "sete bilhões de irritações, sistemas...", portanto NÃO pode ser deslocada.

     

    II. Todos os verbos do período possuem o mesmo sujeito. ERRADO. Os dois verbos possuem sujeitos diferentes, conforme exposto acima.

     

    III. O trecho “Sete bilhões de irritações, sistemas digestivos, músicas chicletenta” ilustra um exemplo de paralelismo sintático, apesar de se notar a omissão da preposição “de” em parte dele. CORRETO.

  • d-

    Oração subordinada adjetiva restritiva tem pronome relativo "que" justamente para relacionar ao sintagma anterior que deverá ser caracterizado por essa oração. Se ela for deslocada, estara qualificando o sintagma próximo a ela, em constrate ao inicial. A 2° oração é coordenada com outro sujeito. Para ser o mesmo sujeito, teria que vir com ele omitido e com verbo concordando com sua pluralidade

  • o que não desgrudam da cabeça?

    as musicas, sujeito de desgrudam é "que" que retoma MÚSICAS


    Paralelismo sintático é uma sequência de estruturas sintáticas, como termos e orações, que são semelhantes ou possuem igual valor sintático.

    Sete bilhões DE irritações, DE sistemas digestivos, DE músicas chicletentas --> se não estiver enganado, o termo se repetindo é adjunto adnominal

  • GABARITO: D