SóProvas


ID
2561818
Banca
FCC
Órgão
TST
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

      Há algumas dicotomias que parecem ter a força de atravessar o tempo e se imporem a nós com uma evidência inaudita. Em filosofia, conhecemos várias delas, assim como conhecemos suas maneiras de orientar o pensamento e as ações.

      Tais dicotomias podem operar não apenas como um horizonte normativo pressuposto, mas também como base para a consolidação de certas modalidades de pensamento crítico. No entanto, há momentos em que percebemos a necessidade de questionar as próprias estratégias críticas e suas dicotomias. Pois, ao menos para alguns, elas parecem nos paralisar em vez de nos permitir avançar em direção às transformações que desejamos.

      Um exemplo de dicotomia que tem força evidente no pensamento crítico atual é aquela, herdada de Spinoza, entre paixões tristes e paixões alegres. Paixões tristes diminuem nossa potência de agir, paixões alegres aumentam nossa potência de agir e nossa força para existir. A liberdade estaria ligada à força afirmativa das paixões alegres, assim como a servidão seria a perpetuação do caráter reativo das paixões tristes. Haveria pois aquilo que nos afeta de forma tal que permitiria a nossos corpos desenvolver ou não uma potência de agir e existir que é o exercício mesmo da vida em sua atividade soberana.

      Sem querer aqui fazer o exercício infame e sem sentido de discutir a teoria spinozista dos afetos e sua bela complexidade em uma coluna de jornal, gostaria apenas de sublinhar inicialmente a importância desse entendimento de que a capacidade crítica está ligada diretamente a uma compreensão dos afetos e de seus circuitos. Nada de nossas estratégias contemporâneas de crítica seria possível sem esse passo essencial de Spinoza, recuperado depois por vários outros filósofos que o seguiram.

      No entanto, valeria a pena nos perguntarmos o que aconteceria se insistíssemos que talvez não existam paixões tristes e paixões alegres, que talvez essa dicotomia possa e deva ser abandonada (independentemente do que pensemos ou não de Spinoza).

      É claro que isso inicialmente soa como um exercício ocioso de pensamento. Afinal, a existência da tristeza e da alegria nos parece imediatamente evidente, nós podemos sentir tal diferença e nos esforçamos (ou ao menos deveríamos nos esforçar, se não nos deixássemos vencer pelo ressentimento e pela resignação) para nos afastarmos da primeira e nos aproximarmos da segunda.

      Mas o que aconteceria se habitássemos um mundo no qual não faz mais sentido distinguir entre paixões tristes e alegres? Um mundo no qual existem apenas paixões, com a capacidade de às vezes nos fazerem tristes, às vezes alegres. Ou seja, um mundo no qual as paixões têm uma dinâmica que inclui necessariamente o movimento da alegria à tristeza.

     Pois, se esse for o caso, então talvez sejamos obrigados a concluir que não é possível para nós nos afastarmos do que tenderíamos a chamar de "paixões tristes", pois não há paixão que, em vários momentos, não nos entristeça. Não há afetos que não nos contraiam, não há vida que não se deixe paralisar, que não precise se paralisar por certo tempo, que não se vista com sua própria impotência a fim de recompor sua velocidade. Mais, ainda. Não há vida que não se sirva da doença para se desconstituir e reconstruir.

                                                                      (SAFATLE, Wladimir. Folha de S.Paulo, 23/06/2017)

A tradução de segmento do texto que não prejudica o sentido original é:

Alternativas
Comentários
  • Impotência:  incapacidade  de agir ou mobilizar-se contra algo = imobilismo.

  • ritmo é diferente de velocidade, ou não? Coloquei letra c, por que a letra c está errada?

  • Indique para comentário. 

  • se eu tivesse 4 chances pra acertar essa questao , eu ainda erraria:

    Em 22/01/2018, às 22:05:55, você respondeu a opção E.Certa!

    Em 22/01/2018, às 22:05:37, você respondeu a opção D.Errada!

    Em 22/01/2018, às 22:05:08, você respondeu a opção B.Errada!

    Em 22/01/2018, às 22:04:36, você respondeu a opção C. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

     

     

  • quem já jogou vídeo game, irá se lembrar disto: sabe aquele chefão final extremamente forte e apelão? Foi essa prova da FCC.

     

    Aprendi com o Pestana o seguinte: comparar palavra por palavra, depois o sentido de cada segmento. 

    Outra dica: perceber os verbos...acho que podemos acertar bastante questões desse tipo tendo calma na hora de comparar a semântica de cada verbo.

     

    a) conhecemos suas maneiras de orientar o pensamento e as ações / estamos cientes de que usam artifícios para influenciar o modo como avaliamos argumentos e o modo como reagimos a eles.

     = orientar é diferente de influenciar

     

    b) podem operar não apenas como um horizonte normativo pressuposto / são capazes não somente de induzir a regulamentações que, no futuro, sejam tomadas como pontos de partida

    = operar é bem diferente de induzir.

     

    c) mas também como base para a consolidação de certas modalidades de pensamento crítico / mas também como solo promissor para a instituição de certos modelos de pensamento crítico. 

    = algo que irá consolidar-se já está instituído.

     

    d) a servidão seria a perpetuação do caráter reativo das paixões tristes / a servidão teria potencial de se tornar eterno reflexo daquilo que as paixões tristes chegam a provocar.

    foi a que mais deu trabalho (minha opinião). 

     

    qm possui o caráter reativo? as servidões ou as paixões? são as paixões tristes. No período, apontado pela banca como correto, não encontramos o "caráter reativo das paixões tristes", apenas é afirmado que as paixões tristes provocam algo (e acaba, sem falar o que é).

     

    e) não há vida [...] que não se vista com sua própria impotência a fim de recompor sua velocidade / não há vida que não se valha do imobilismo para reconquistar seu ritmo próprio.

    1 - não há vida; 2 - não se vista com sua própria impotência; 3 - a fim de recompor sua velocidade;

    2 - não há vida, 2 não se valha do imobilismo; 3 - para reconquistar seu ritmo próprio (ou, a fim de reconsquistar seu ritmo próprio);

    Percebem que qnd comparamos os micros segmentos fica até mais fácil?! Todos são perfeitamente cambiáveis. Nas outras alternativas não há como realizar essa perfeita REconstrução.

     

  • ederson junior arrasou!!!!

  • Concordo com Ana Andrade! Ritmo é diferente de velocidade. FCC viajou nessa prova pra taquigrafia, hein?!

  • ERRADA. Orientar é sugerir um caminho, influenciar é conduzir a ele.

    ERRADA. Operar é atuar, proceder de determinado modo, induzir é, como dito, conduzir.

    ERRADA. Houve acréscimo de informação. A ideia de ser promissor não faz parte da oração original.

    ERRADA. No texto, o autor faz uma comparação, a liberdade seria isso e a servidão aquilo. Na sugestão de reescrita, essa comparação é perdida, pois a servidão é apresentada como tendo a possibilidade de representar as paixões tristes, no texto o autor a faz representar.

    ERRADA. Imobilismo e impotência são estados diferentes, sendo aquele uma consequência da evolução desta. Prova disso, isto é, de que impotência não é inércia total, faz o próprio autor nas primeiras linhas do parágrafo terceiro.