SóProvas


ID
2592796
Banca
CONSULPLAN
Órgão
Prefeitura de Sabará - MG
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                            Dona Valentina e sua dor


      Dona Valentina conseguiu cochilar um pouquinho. O relógio marcava quase cinco da manhã quando ela abriu os olhos. Estava ligeiramente feliz. Sonhou com as goiabeiras de sua casa na roça; ela, menina, correndo de pés no chão e brincando com os irmãos que apanhavam goiabas maduras no pé. Goiabas vermelhas, suculentas, sem bichos. O sonho foi tão real que ela acordou com gostinho de goiaba na boca.

      Fazia um pouco de frio porque chovera à noite, chuvinha fina, boba. Porém, dona Valentina era prevenida: levara na sacola a capa e a sombrinha desmilinguida – mas que ainda serviam. A fila crescera durante a madrugada, e o falatório dos que acordaram cedo, como ela, misturava-se com o ronco de dois ou três que ainda dormiam.

      Fila de hospital até que era divertida – pensava ela. O povo conversava pra passar o tempo; cada um contava suas doenças; falavam sobre médicos e remédios; a conversa esticava, e aí vinham os assuntos de família, casos de filhos, maridos, noras e genros. Valia a distração. Mas ruim mesmo era aquela dor nos quadris. Bastou dona Valentina virar-se na almofada que lhe servia de apoio no muro para a fincada voltar. Ui! De novo!

      Dona Valentina já estava acostumada. Afinal, ela e sua dor nas cadeiras já tinham ido e voltado e esperado e retornado e remarcado naquela fila há quase um ano. O hospital ficava longe; precisava pegar o primeiro ônibus, descer no centro; andar até o ponto do segundo ônibus; viajar mais meia hora nele; e andar mais quatro quarteirões. Por isso, no último mês passou a dormir na fila, era mais fácil e mais barato. Ela e sua dor. A almofada velha ajudava; aprendera a encaixá-la de um jeito sob a coxa e a esticar a perna. Nesta posição meio torta e esquisita, a dor também dormia, dava um alívio.

      O funcionário, sonolento, abriu a porta de vidro; deu um “bom dia” quase inaudível e pediu ordem na calçada:

      – Pessoal, respeitem quem chegou primeiro. A fila é deste lado, vamos lá.

      Não demorou muito, e a mocinha sorridente, de uniforme branco, passou distribuindo as senhas. Todos gostavam dela. Alegre, animada, até cumprimentava alguns pelo nome, de tanta convivência. Dona Valentina recebeu a ficha 03, seria uma das primeiras no atendimento. Quem sabe a coisa resolveria desta vez?

      – Senha número três!

      Dona Valentina ergueu-se da cadeira com a ajuda de um rapaz e caminhou até a sala. O doutor – jovem, simpático – cumprimentou-a e pediu que ela se sentasse. Em seguida, correu os olhos pela ficha, fez algumas perguntas sobre a evolução da dor e os remédios que ela tomava. Daí, preencheu uma nova receita, carimbou e assinou:

      – Olha, dona Valentina, vamos mudar a medicação, essa aqui é mais forte. Mas seu caso é mesmo cirúrgico. O problema é que o hospital não tem condições de fazer a cirurgia de imediato. A senhora sabe: muitos pacientes, falta verba, equipamento, dinheiro curto...

      Ela sentiu um aperto no coração. E um pouco de raiva, raivinha, coisa passageira. Mas o doutor era tão simpático, de olheiras, de uniforme amarrotado, que ela sorriu, decepcionada:

      – Posso marcar meu retorno?

      – Claro, claro, fala com a moça da portaria.

      Dona Valentina e sua dor pegaram os dois ônibus de volta. Pelo menos a chuva havia parado, um sol gostoso aquecia seus ombros através da janela. Fazer o quê? – pensava ela. Esperar mais, claro. Quem sabe um dia os poderosos, os políticos, os engravatados davam um jeito no hospital? E agendavam a cirurgia? E ela se livrava da dor? E poderia brincar com os netos, carregá-los no colo, sem a maldita fincada nas costas?

      De noite, dona Valentina se acomodou no velho sofá esburacado para ver a novela – sua distração favorita que a fazia se esquecer da dor. No intervalo, veio a propaganda: crianças sorrindo, jovens se abraçando, pessoas felizes de todo tipo. A voz poderosa do locutor disse à dona Valentina que tudo ia muito bem, que a vida era boa, que o governo era bonzinho, que trabalhava pelo povo acima de tudo. E que a saúde das pessoas, dos mais pobres, era o mais importante! E que para todo mundo ficar sabendo, o governo preferiu usar a dinheirama nas propagandas em vez de comprar remédios ou equipamentos que faltavam no hospital, por exemplo. Questão de prioridade estratégica da área da Comunicação. O resto poderia esperar – como esperavam, dóceis e conformadas, dona Valentina e sua dor.

(FABBRINI, Fernando. Disponível em: http://www.otempo.com.br/opini%C3%A3o/fernando-fabbrini/dona-valentina-e-sua-dor-1.1412175. Acesso em: 16/12/2016.)

Por isso, no último mês passou a dormir na fila, era mais fácil e mais barato.” (4º§) A expressão sublinhada pode ser substituída, sem alteração de sentido, por:

Alternativas
Comentários
  • Apesar de ter acertado, fiquei em dúvida em relação à alternativa B, segundo a gramática, um dos sentidos do Porquanto é " em consequência de", Outro sentido é o de "por isso". Aí teria a opção B e a D como consequência. Confuso

  • Porquanto dá ideia de causa, não de conclusão.

  • porquanto: Indica o motivo ou causa de algo: porque, pois, visto que, dado que, uma vez que, por causa de, por isso que, posto que, pois que, já que, como, em razão de, em virtude de, em consequência de.

    Por isso... seria uma motivo dela dormir na fila.

    Fiquei na dúvida da letra B e D.

  • Galera, não confundam.

    Por isso e Consequentemente -> Ideia de conclusão

    Porquanto -> ideia de causa

    Gabarito D

  • A) Todavia - Adversativa

    B) Porquanto - Causal

    C) Além disso - Aditivo

    D) Consequentemente - Conclusão

  • fiquei na duvida entre 'além disso' e consequentemente e fui na errada haeuahueuae