SóProvas


ID
2600506
Banca
FUNDEP (Gestão de Concursos)
Órgão
CODEMIG
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                           A sociedade do medo

O filósofo Vladimir Safatle afirma que o medo se transformou em um elemento de coesão de uma sociedade refém de um discurso de crise permanente


[...]

No seu Quando as Ruas Queimam: Manifesto pela Emergência, você diz que nossa época vai passar para a história como o momento em que a crise virou uma forma de governo. Você está falando do medo que é gerado pela crise?


Sim, como efeito. É importante entender como o discurso da crise se transformou num modo de gestão social. As crises vêm para não passar. Por exemplo, nós vivemos numa crise global há oito anos. Isso do lado socioeconômico. No que diz respeito aos problemas de segurança, vivemos uma situação de emergência há quinze anos, desde 2001. Ou seja, são situações nas quais vários direitos vão sendo flexibilizados, em que os governos vão tendo a possibilidade de intervir na vida privada dos seus cidadãos em nome de sua própria segurança. É muito mais fácil você gerir uma sociedade em crise. Então, a sociedade em crise é uma sociedade, primeiro, amedrontada; segundo, é uma sociedade aberta a toda forma de intervenção do poder soberano, mesmo aqueles que quebram as regras, quebram as normas constitucionais. Como estamos em uma situação excepcional, essas quebras começam a virar coisa normal. Esses discursos a respeito da luta contra a crise são muito claros no sentido de impedir a sociedade de reagir. Não se reage porque “a situação é de crise”.


E aí entra o medo.


Exatamente. Aí entra um pouco essa maneira de transformar o medo num elemento fundamental da gestão social. Ou seja, o medo produzido, em larga medida, potencializado, administrado, gerenciado. É o gerenciamento do medo como única forma de construir coesão hoje em dia. Nós podemos construir coesão a partir da partilha de ideias; só que, quando a sociedade chega no ponto em que ela desconfia dos ideais que lhe foram apresentados como consensuais, quando desconfia das gramáticas sociais que são responsáveis pela mediação dos conflitos, não resta outra coisa a não ser um tipo de coesão negativa. Não coesão por algo que todos afirmam, mas uma coesão através de algo que todos negam. 


Quando você fala da gestão da crise, quem são os agentes? O poder constituído do Estado, os agentes financeiros, o corpo social?


De fato, o discurso da maneira como eu estava colocando pode dar um pouco a impressão de que há uma espécie de grande sujeito por trás. Eu diria que o que acontece é: nós partilhamos de um modo de existência que, por não conseguir realizar as suas próprias promessas, e também por impedir uma abertura em direção a outros modos de existência, começa a funcionar numa chave de conservação. É importante falar de modos de existência porque isso tira um pouco a figura do sujeito que delibera. 

Então temos, sei lá, o poder do Estado, a burocracia que controla o poder do Estado, o capital financeiro. É inegável que haja de fato projetos de grupos nos modos de gestão social, mas para além disso há uma coisa muito mais brutal: uma forma de racionalidade que se transformou para nós em um elemento quase natural, que faz com que todos comecem a pensar dessa maneira. Essa forma de racionalidade, que acaba operando esses processos de dominação, deixa uma situação mais complexa. Não se trata simplesmente de subverter o poder, mas de pensar de outra maneira, o que é muito mais complicado do que pode parecer.


Quais são os instrumentos de que dispomos pra romper com essa racionalidade, com esse circuito baseado no medo? O que fazer?


Tenho duas colocações a fazer. A primeira é: muitos acreditam que a melhor maneira de se contrapor a circuitos de afetos vinculados ao medo seja constituir outros circuitos vinculados aos afetos que seriam o oposto ao medo – por exemplo, a esperança. Só que aí há uma reflexão muito interessante, de toda uma tradição filosófica, de insistir que o medo e a esperança não são afetos contraditórios – são complementares. O que é o medo a não ser a expectativa de um mal que pode ocorrer? O que é a esperança a não ser a expectativa de um bem que pode ocorrer? Quem tem a expectativa de que um mal ocorra, também espera que esse mal não ocorra. Da mesma maneira, quem tem a expectativa de que um bem ocorra, teme que esse bem não ocorra. Então, a reversão contínua de um polo a outro, da esperança ao medo, é uma constante, porque são dois tipos de afetos ligados a um mesmo modo de experiência temporal. São afetos ligados à projeção de um horizonte de expectativas. Nesse sentido, toda forma de pensar o tempo de maneira simétrica vai produzir resultados simétricos. Então, um outro afeto seria necessariamente um afeto que teria uma outra relação com a ideia de acontecimento.

[...]

Freitas, Almir. Disponível em: <https://goo.gl/qggKy8>. Acesso em: 27 set. 2017 [Fragmento adaptado].

Releia este trecho da entrevista.


“[...] para além disso há uma coisa muito mais brutal: uma forma de racionalidade que se transformou para nós em um elemento quase natural [...]”


Na língua oral, as pontuações são marcadas, principalmente, por pausas, com diversas finalidades distintas.


No caso desse trecho, o autor utilizou os dois-pontos como um recurso estilístico da língua escrita para indicar:

Alternativas
Comentários
  • ✅✅✅
    B



    Dois-pontos é um sinal de pontuação que marca uma ligeira suspensão no ritmo ou na entonação de uma frase não concluída. É usado:


    Antes do discurso direto:

        Foi então que ele disse:
        - Estou cansado de tanta confusão!


    Antes de uma enumeração:

        É preciso comprar: água, leite, arroz, feijão, carne, cebola e couve.
        Para o início das aulas, os alunos precisarão de: lápis, canetas, borracha, apontador, régua, tesoura, cola e caderno.


    Antes de uma citação:

        Como afirmou Descartes: “Penso, logo existo”.
        Júlio Cesar disse: “Vim, vi e venci”.


    Antes de um esclarecimento, explicação, resumo, causa ou consequência:

        E foi isso que aconteceu: elas foram embora mais cedo.
        Resumindo: será necessário um esforço por parte de todos para que tudo funcione corretamente.


    Após palavras que indicam exemplos, observações, notas, informações importantes,…

        Atenção: não confundir aposto com vocativo.
        Observação: cada atleta deverá trazer uma camiseta branca.


    Antes de orações apositivas:

        Contei a verdade a meu marido: já estava cansada de nosso casamento.
        Esclareci a situação com minha vizinha: aquela desconfiança não tinha sentido nenhum.


    Após o vocativo inicial de cartas e comunicações, sendo, contudo, mais usualmente utilizada a vírgula:

        Prezados senhores:
        Caros diretores:

  • Gabarito: B - A exposição de um elemento novo, pois o autor afirma que "além disso há uma coisa muito mais brutal"

     

     

  • "Os dois-pontos empregam-se, pois, para anunciar: 3o) um esclarecimento, uma síntese ou uma consequência do que foi enunciado:

    Exemplo: A razão é clara: achava a sua conversação menos insossa que a dos outros homens (Machado de Assis, OC, II, 495.) " (CUNHA e CINTRA, 2017, p. 669)

    CUNHA, C. CINTRA, L.Nova gramática do português contemporâneo. 7a edição. Rio de Janeiro: Lexikon, 2017.

  • Gab B 

    Função catafórica, a expressão imediatamente antes dos dois pontos faz referência àquilo que vem depois.

  • b) a exposição de um elemento novo

    “[...] para além disso há uma coisa muito mais brutal: uma forma de racionalidade que se transformou para nós em um elemento quase natural [...]”

    "É inegável que haja de fato projetos de grupos nos modos de gestão social, (primeiro elemento)

    mas para além disso há uma coisa muito mais brutal:

    uma forma de racionalidade que se transformou para nós em um elemento quase natural" (segundo elemento)