SóProvas


ID
2815087
Banca
VUNESP
Órgão
MPE-SP
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                 O cansaço democrático


      Quem disse que a democracia era eterna? Ninguém. Mas palpita ainda no coração do homem civilizado a crença de que essa forma de governo estará entre nós até ao fim dos tempos.

      Uma ideia tão otimista seria risível à luz da história do pensamento político. Platão é o exemplo mais extremo: a democracia faz parte de um movimento cíclico de regimes – e, para ele, é uma forma degenerada de governo.

      Depois da democracia, haverá um tirano para pôr ordem no pardieiro; e, depois do tirano, haverá novamente uma aristocracia, que será suplantada por uma timocracia, que será suplantada por uma oligarquia, até a democracia regressar. Nada perdura.

      É precisamente esse pensamento lúgubre que percorre uma moda editorial recente – livros sobre o fim, real ou imaginário, da democracia liberal.

      Em seu recente “How Democracy Ends”, David Runciman lida com os contornos desse hipotético fim: se a democracia chegar ao seu termo, não teremos uma repetição da década de 1930, defende. Não teremos violência de massas, movimentos armados, tanques nas ruas. Vivemos em sociedades radicalmente diferentes – mais afluentes, envelhecidas, conectadas. E, além disso, conhecemos o preço da brutalidade autoritária e totalitária. As nostalgias reacionárias são coisa de jovens: eles desejam o que ignoram e ignoram o que desejam.

      Mas se os “golpes tradicionais” são improváveis, há formas invisíveis de conseguir o mesmo objetivo: pela gradual suspensão da ordem legal; pelo recurso a eleições fraudulentas; pela marginalização dos freios e contrapesos do regime.

      A democracia só sobrevive porque somos capazes de gerir as nossas frustrações quando os resultados nos são desfavoráveis. Essa tolerância diminui de ano para ano.

      E diminui sob o chicote das redes sociais. Runciman acredita que o principal problema do mundo virtual está no poder praticamente ilimitado que os gigantes tecnológicos exercem sobre os usuários.

      Pessoalmente, o meu temor é outro: o poder praticamente ilimitado que os usuários exercem sobre os poderes Executivo, Legislativo e até Judiciário. A democracia representativa, como a expressão sugere, sempre foi um compromisso feliz entre a vontade do povo e a capacidade dos mais preparados de filtrar as irracionalidades do povo.

      O filtro perdeu-se com essa espécie de “democracia direta” que é exercida pela multidão sobre os agentes políticos.

      Para que não restem dúvidas: não acredito em formas de governo eternas. Mas, até prova em contrário, a democracia liberal é o único regime que garante a liberdade política e a dignidade pessoal dos indivíduos, bem como a prosperidade sustentada das suas sociedades. A história ilustra a tese.

      Mas a história do presente também nos mostra que cresce no Ocidente um certo “cansaço democrático”. E que partes crescentes do eleitorado, por ignorância ou desespero, estão dispostas a trocar a liberdade e a dignidade da democracia por expedientes mais radicais e securitários. Por quê?

      Devolvo a palavra a David Runciman. Para o autor, a democracia disseminou-se nos últimos dois séculos porque havia uma narrativa aspiracional a cumprir.

      Era necessário dar voz política a todos os cidadãos (pobres, mulheres, negros etc.) e integrá-los na mesma rede de direitos e deveres (a grande tarefa do pós-Segunda Guerra). Os Estados tinham ainda recursos materiais e institucionais para cumprir com razoável êxito esse programa. Eis a ironia: o cansaço democrático explica-se pelo sucesso da própria experiência democrática.

      Ninguém sabe como será o futuro dessa experiência – para Runciman, a democracia vive a crise da meia-idade. Resta saber se essa crise destrói o casamento ou o torna mais forte.

      É uma boa metáfora. Que convida a outra: o casamento só irá sobreviver se a maioria conseguir redescobrir, com novos olhos, as virtudes que permanecem no lar.

(João Pereira Coutinho. Disponível em:<https://www1.folha.uol.com.br/> . Acesso em: 24 jul 2018. Adaptado)

Assinale a alternativa em que informações do texto são reescritas e estão em conformidade com a norma-padrão de concordância nominal e verbal.

Alternativas
Comentários
  •  a) Depois da democracia, haverão [haverá] tiranos para porem ordem no pardieiro; e, depois deles, virão novamente os que se diz [dizem] representante [representantes] da aristocracia, que será suplantada por uma timocracia, que uma oligarquia suplantará, até que a democracia regresse e as suplantem [suplante].

     

     b) Veem-se [Vê-se] que os usuários tem [têm] poder sobre os poderes instituídos. A democracia representativa, tal qual sugerida pela expressão, sempre foi um compromisso entre o que a maioria das pessoas deseja e a capacidade de os mais preparados filtrar as irracionalidades daquela.

     

     c) Era necessária a voz política de todos os cidadãos se fazer ouvir; e igualmente sua integração na mesma rede de direitos e deveres. Ainda se podia [podiam] encontrar, nos Estados, recursos materiais e institucionais bastantes para cumprir esse programa. (bastantes = suficientes)

     

     d) Considerados improváveis os “golpes tradicionais”, constatam-se [constata-se] existir formas os [as] mais possíveis invisíveis de obter o mesmo objetivo: pela gradual suspensão da ordem legal; pelo recurso a eleições eivada de fraude; pela marginalização de bastante [bastantes] freios e contrapesos do regime. (bastantes = muitos)

     

     e) Não deverá haver movimentos armados, tanques nas ruas, violência de massas. Vive-se em grupos sociais tidos como mais afluentes, envelhecidos, conectados. Já se conhecem os ônus da brutalidade autoritária e totalitária. Quanto às nostalgias reacionárias, trata-se de coisa de jovens.  CORRETA!

  • Não carece realizar as mesmas ressalvas que a estudante abaixo fez. Convém, contudo, um comentário relativo ao gabarito. Na construção "deverá haver" , fica no singular o auxiliar porque todo e qualquer verbo que acompanhe o "haver", quando este estiver no sentido de existir, permanece invariável. Menciona-se também que a construção "trata-se de"  jamais é pluralizada, não importando à qual termo se referir.

     

    Letra E

  • Na letra D, a partícula apassivadora torna toda a oração seguinte como sujeito paciente, pois não aceita objeto direto, fazendo com que o verbo fique no singular.

     

    constata-se existir formas (...)

    Constata-se isso

    Isso é constatado

  • @ Ricardo AFt, a meu ver, o "se" aqui é uma partícula apassivadora de uma voz passiva sintética, pois o verbo "constatar" é V.T.D.:

     

    constatam-se existir formas  >>>> Formas [sujeito] são constatadas de existir  [voz passiva analítica]

     

    No mais o verbo "existir" é V.I., então pode ser que ele passe essa intransitividade ao verbo auxiliar, já não sei afirmar isso. Podemos pedir pelo comentário do professor pra sanar essa dúvida.

    Se alguém souber e puder ajudar também é bem vindo.

     

    Bons estudos!!

     

    PS: Só lembrando que o verbo "constatar" é diferente do verbo "constar".

  • Bom dia, Camila. No caso, acredito eu que seja "A existência de formas é constatada" e não "formas são constatadas"

     

    Trata-se de sujeito oracional, o verbo, obrigatoriamente, fica no singular. O sujeito não é apenas formas, mas sim toda a oração: existir formas (...)

    Ademais, a oração está em sua forma reduzida, colocando em sua forma desenvolvida fica mais fácil entender que se trata de uma oração integrante (Subordinada Substantiva Subjetiva), o qual pode ser trocado por ISSOconstata-se que existem formas (e não constatam-se formas), ou seja, o verbo faz parte da oração que, por conseguinte, faz parte do sujeito. Constata-se isso - Isso é constatado.

    Também indiquei para comentário do professor, vamos aguardar rs. Bons estudos

  • Boa tarde, Ricardo!

     

    Analisando sua argumentação acho que vc tem total razão. A locução verbal fica invariável.

    Farei a correção!

     

    Grata!! ;)

  • Acredito que o erro esteja em "o mais possíveis invisíveis".

  • Trata-se: verbo transitivo indireto +se. É invariável. Permanece no singular.

  • VTI, VI ou VL + SE = indeterminação do sujeito. Devendo o verbo ficar no singular

  • ERREI TODAS AS QUESTÕES DESSA PROVA! É DE CHORAR!!!

  • o mais possível invisíveL".

     as mais possíveis inevitáveis.

  • Não desista, o que é difícil hoje, se tornará fácil amanhã.

  • Troque o bastante por 300 variou? então fica no plural

  • Alguém sabe o erro da C ?

  • SANGUE DE JESUS TEM PODER KKK ESSA FOI CHATA !