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ID
281875
Banca
MPE-SP
Órgão
MPE-SP
Ano
2010
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

UM APÓLOGO

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
– Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma
coisa neste mundo?
– Deixe-me, senhora.
– Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável?
Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
– Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe
importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos
outros.
– Mas você é orgulhosa.
– Decerto que sou.
– Mas por quê?
– É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão
eu?
– Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu, e
muito eu?
– Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos
babados...
– Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem
atrás, obedecendo ao que eu faço e mando...
– Também os batedores vão adiante do imperador.
– Você é imperador?
– Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só
mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto... [...]
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a
agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da
bela dama, e puxava a um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando,
acolchetando, a linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe:
– Ora agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do
vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta
para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor
experiência, murmurou à pobre agulha: – Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela
e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro
caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: –
Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária! (MACHADO DE ASSIS, J. M. Contos
Consagrados
. Rio de Janeiro: Ediouro, s. d.)

Assinale a alternativa que contém um período em que não há vício de linguagem.

Alternativas
Comentários
  • Letra C

     a) O policial deteve o acusado de estupro na escola. (deteve na escola ou o estupro foi na escola?)  b) A frota de Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil há quinhentos e dez anos atrás. ( quinhentos anos ou quinhentos anos atrás)  c) O funcionário exigiu que se pusesse uma rubrica em cada página do contrato. (CORRETA)  d) Muitos clientes reclamaram do mal atendimento que receberam. (bom=mau)  e) A linha é a principal protagonista da costura. (principal e protagonista são sinônimos)
  • Excelente o comentário de Jorget. Completando:

    Vícios de linguagem são, segundo Napoleão Mendes de Almeida, palavras ou construções que deturpam, desvirtuam, ou dificultam a manifestação do pensamento, seja pelo desconhecimento das normas cultas, seja pelo descuido do emissor.

    Dos vícios vistos acima temos:

    a) Ambiguidade
    b) Ambiguidade e prolixidade
    c) Item correto
    d) Solecismo
    e) Pleonasmo vicioso

    Abraços

  • Ambiguidade também é conhecida como anfibologia

    Abraços

  • Pessoal, cuidado com comentário do nosso colega Augusto César pois está errada a classificação.

    a) O policial deteve o acusado de estupro na escola.

    o vício de linguagem é Ambiguidade (duplo sentido - no caso, deixa dúvidas se o acusado de estupro foi localizado na escola ou se ele cometeu o estupro na escola).

    b) A frota de Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil há quinhentos e dez anos atrás.

    Pleonasmo - (repetição de um termo desnecessário que gera redundância) pois desnecessária a palavra" atrás" tendo em vista que o verbo "há", no contexto da frase, já significa tempo decorrido.

    c)O funcionário exigiu que se pusesse uma rubrica em cada página do contrato.

    CORRETA

    d) Muitos clientes reclamaram do mal atendimento que receberam.

    Barbarismo gráfico (escrita errada) a grafia correta seria "mau" (com "u"- para lembrar - mal=contrário de bem/mau=contrário de bom)

    e) A linha é a principal protagonista da costura.

    PROSOPOPEIA (seres inanimados- no caso a linha e agulha -com ação e reação de seres animados; quando atribuímos sentidos racionais a elementos irracionais)