SóProvas


ID
2856667
Banca
IDECAN
Órgão
IPC - ES
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                      TEXTO I


                                  A Última Crônica


      A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: “assim eu quereria o meu último poema”. Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.

      Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.

      Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês.

      O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho – um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.

      São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: “Parabéns pra você, parabéns pra você…” Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura – ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido – vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.

      Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.”

Fernando Sabino Disponível em http://contobrasileiro.com.br/a-ultima-cronica-fernando-sabino/

Em “Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa”, o pronome oblíquo “las” exerce, na oração, função sintática de:

Alternativas
Comentários
  • Objeto Direto do verbo Guardar.


    Guardar

    transitivo direto

    tomar conta; zelar por.


    Guardar o que? As velas (OBJ)




  • recolhe as velas, torna a guardá-las


    LÁS: RETORNAS RECOLHE AS VELAS


    OBJETO DIRETO

  • a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las 

    a mãe recolhe as velas, torna a guardar as velas.

    Sujeito + Verbo + Obj. direto

  • "... guardá-las na bolsa."     (para ficar mas fácil a visuzualização, substitua o pronome oblíquo pelo termo ao qual ele remete)

        VTDI    OD     OI                                           "... guardar as velas na bolsa."

     

    O verbo guardar é VTDI, ou seja, admite dois complementos verbais:

       (quem guarda, guarda alguma coisa (OD) em algum lugar (OI))

     

    Quem escolheu a busca não pode recusar a travessia - Guimarães Rosa

    ------------------- 

    Gabarito: A

     

  • Maria Augusta quase acertou.

    "las" é Objeto Direto e "Na bolsa" é adjunto adverbial de lugar.

  • Mesmo que você não entenda nada de português como eu, que estou aprendendo agora depois de vir de Winterfell. GRAVE ISSO.

    --> O LHE sempre será objeto INDIRETO.

    --> O,A e todas as variações, sempre Objeto DIRETO

  • A) Objeto direto. CERTO.

    É um termo da oração que se liga a um verbo (transitivo direto ou bitransitivo) sem preposição obrigatória, completando-lhe o sentido.

    B) Objeto indireto. ERRADO.

    É o termo da oração que se liga a um verbo (transitivo indireto ou bitransitivo) por meio de preposição obrigatória, completando-lhe o sentido.

    C) Adjunto adnominal. ERRADO.

    É o termo da oração que se liga a um nome, sem mediação de verbo a fim de determiná-lo ou caracteriza-Io.

    D) Predicativo do objetivo. ERRADO.

    predicativo do objeto: liga-se a um nome (objeto) por meio de verbo, a fim de caracteriza-lo.

    Gabarito: A.

  • "los" se refere ao objeto direto "as velas" (como "velas" termina com "S" usa adaptação fonética "los" dos pronomes o,a, os e as)

  • Nosso gabarito é a letra “A”

    A letra “A” está correta, pois, de fato, o pronome oblíquo “las” funciona como objeto direto da oração. Para um melhor entendimento, faz-se necessário desenvolver a oração “torna a guardá-las na bolsa”. Logo, tem-se “(ela) torna a guardar as velas na bolsa”. Perceba que o pronome oblíquo “las” está retomando o termo “as velas”, o qual funciona como objeto direto do verbo “guardar”.

    A letra “B” está incorreta, uma vez que o pronome oblíquo “las” está retomando o termo “as velas”. Logo, não há o uso de preposição, o que impossibilita a inferência de ser um objeto indireto. De igual modo, faz-se necessário discorrer que o objeto indireto é representado pelos pronomes pessoais oblíquos lhe e lhes. 

    A letra “C” está incorreta, pois o adjunto adnominal é caracterizado por se ligar a um nome, substantivos concretos ou abstratos. Por sua vez, o pronome oblíquo “las” está em ligação com o verbo “guardar”, motivo pelo qual não é correta a inferência trazida pela assertiva C. 

    A letra “D” está incorreta, haja vista o predicativo do objeto ser um termo do predicado que qualifica, caracteriza ou indica estado de um objeto. Contudo, percebe-se que o pronome oblíquo “las” não realiza nenhuma qualificação do sujeito oculto “ela”. Na realidade, trata-se de um complemento direto do verbo “guardar”.

    Questão comentada pela professora Suelen Almeida (Instagram: @professorasuelenalmeida)