SóProvas


ID
2943103
Banca
FACET Concursos
Órgão
Prefeitura de Esperança - PB
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                          Seca   

                                                       (Rachel de Queiroz)
 
       Era a hora do almoço dos trabalhadores. Enquanto os homens comiam lá dentro, o fazendeiro velho sentava-se na rede do alpendre, à frente de casa espiando o sol no céu, que tinia como vidro, procurando desviar os olhos da água do açude, lá além, que dentro de mais um mês estaria virada em lama. 

      Os dois cabras se aproximaram sem que ele pressentisse. Eram um alto e um baixo; o baixo grosso e escuro, vestido numa camisa de algodãozinho encardido. O alto era alourado, e não se podia dizer que estivesse vestido de coisa nenhuma, porque era farrapo só. O grosso na mão trazia um couro de cabra, ainda pingando sangue, esfolado que fora fazia pouco. E nem tirou o caco de chapéu da cabeça, nem salvou ao menos. 

      O velho até se assustou e bruscamente se pôs a cavalo na rede, a escutar a voz grossa e áspera, tal e qual quem falava: 

      - Cidadão, vim lhe vender este couro de bode. 

      Aquele “cidadão”, assim desabrido, já dizia tudo. Ninguém chega de boa tenção em terreiro alheio sem dar bom-dia, e tratando o dono da casa de cidadão.  Assim, o fazendeiro achou melhor fingir que não ouvira – e foi se pondo em pé. 

      - O Quê? Que é que você quer? 

      O homem escuro botou o couro em cima do parapeito e o sangue escorreu num fio pela cal da parede. 

      - Estou arranchado com minha família debaixo daquele juazeiro grande, ali. Essa cabra passou perto – não sei de quem era. Matei, e a mulher está cozinhando a carne para se comer. Agora, o couro – o senhor ou me dá dinheiro por ele, ou me dá farinha. 

      - E de quem é essa cabra? É minha? Quem lhe deu ordem para matar? 

      O velho estava tão furioso que o dedo dele, espetado no ar, tremia. E o loureba esfarrapado chegou perto dele e deu a sua risadinha: 

      - Ninguém perguntou a ela o nome do dono... 

      Mas o outro, sempre sério, olhou o velho na cara: 

      - Matei com ordem da fome. O senhor quer ordem melhor? 

      Nesse meio tempo, os homens que almoçavam lá dentro escutaram as vozes alteradas e vieram ver o que havia. Eram uns doze – foram aparecendo pelo oitão da casa, de um em um e se abriram em redor dos estranhos no terreiro.

      Aí o velho, se vendo garantido, começou a gritar: 

      - Na minha terra só eu dou ordem! Vocês são muito é atrevidos – me matarem o bicho e ainda trazerem o couro pra vender, por desaforo! Chico Luís, veja aí de quem é o sinal dessa criação. 

      O feitor largou a foice no chão, puxou as orelhas do couro, e virou-se achando graça para um dos companheiros: era a sua cabrinha, não era mesmo, compadre Augusto? Está aqui o sinal... 

      O Augusto veio olhar também e ficou danado: 

      - Seus perversos, a cabra era da minha menina beber leite, estava de cabrito novo! 

      Mas o olho do homem escuro era feio e, se ele se assustara vendo-se cercado pelos cabras da fazenda, não deu parecença. O loureba é que virava a cara dum lado para outro, procurando saída; ainda levou a mão ao quadril, tateou o rabo da faca – mas cada um dos homens tinha uma foice, um terçado, um ferro na mão. 

      Nesse pé, o fazendeiro, para acabar a história, resolveu mostrar bom coração; e gritou para o corredor: 

      - Menina! Manda aí uma cuia com um bocado de farinha! 

      Depois, retornando ao homem: 

      - Eu podia mandar prender vocês, para aprenderem a não matar bicho alheio! Mas têm crianças, não é? Tenho pena das crianças! Leve essa farinha, comam e tratem de ir embora. Daqui a uma hora quero o pé de juazeiro limpo e vocês na estrada. Podem ir! 

      O homem recebeu a cuia, não disse nada, saiu sem olhar para trás. O outro o acompanhou, meio temeroso, tirou ainda o chapéu em despedida e pegou no passo do companheiro. O velho reclamava em voz alta – cabra desgraçado, além de fazer o malfeito, recebe o favor e nem sequer abana o rabo. 

      Os trabalhadores, calados, acompanhavam com os olhos os dois estranhos que marchavam um atrás do outro, na direção do juazeiro, do qual só se avistava a copa alta dali do terreiro. Ninguém sabe o que pensavam; o dono da cabra deu de mão no couro e foi com ele para trás da casa. 

      Aí a sineta bateu e os homens saíram para o serviço. Passando pelo juazeiro, lá viram a família ao redor do fogo, os meninos procurando pescar pedaços da carne que fervia numa lata. Mas o homem escuro, encostado ao tronco, via-os passar, de braços cruzados, sem baixar os olhos. Ainda foi o dono da cabra que baixou os seus; explicou depois que não gostava de briga.

MORALIDADE: Este caso aconteceu mesmo. Faz mais de trinta anos escrevi uma história de cabra morta por retirante, mas era diferente. Então, o homem sentia dor de consciência, e até se humilhou quando o dono do bicho morto o chamou de ladrão. Agora não é mais assim. Agora eles sabem que a fome dá um direito que passa por cima de qualquer direito dos outros. A moralidade da história é mesmo esta: tudo mudou, mudou muito.
 
Elenco de cronistas modernos [por] Carlos Drummond de Andrade [e outros] – 21ª ed. – Rio de Janeiro: José Olympio, 2005

“O velho reclamava em voz alta – cabra desgraçado, além de fazer o malfeito, recebe o favor e nem sequer abana o rabo.”


De acordo com as normas vigentes no sistema ortográfico da língua portuguesa, as palavras grifadas, respectivamente, apresentam:

Alternativas
Comentários
  • GABARITO: LETRA A

    Vamos analisar cada uma das palavras:

    >>> VELHO --- LH é um dígrafo consonantal (duas consoantes com um só som).

    >>> CABRA --- BR é um encontro consonantal perfeito (mesma sílaba), imperfeito é sílabas diferentes: caSCa.

    >>> SEQUER --- QU tem somente um som: seKer, logo temos um dígrafo.

    Força, guerreiros(as)!!

  • a) dígrafo / encontro consonantal / dígrafo.

     

     

    Dígrafo - é o emprego de duas letras para a representação gráfica de um só fonema (som).

     

    Exemplos: passo; chá; manhã; palha; enviar; mandar; velho e sequer.

     

     

    Encontro consonantal – é o seguimento imediato de duas ou mais consoantes de um mesmo vocábulo. Há encontros consonânticos pertencentes a uma sílaba, ou a sílabas diferentes. (ambas são pronunciadas).

     

    Exemplos: livro; blusa; prosa; clamor; ritmo; pacto; afta e admitir.

     

     

    FONTE: BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

  • velho= DÍGRAFO CONSONANTAL

    cabra= ENCONTRO CONSONANTAL PERFEITO

    sequer= pronuncia-se se.ker. logo DÍGRAFO CONSONANTAL

    Bons estudos.

  • VELHO----> VE-LYO ( DIGRAFO)

    CABRA---> CA-BRA ( ENCONTRO DE CONSOANTE)

    SEQUER---> SE-QER ( DIGRAFO)

    GABARITO LETRA A

  • Velho - Digrafo LH - 

    Cabra - Encontro consonaltal Perfeito BR

    Sequer - Digrafo QU

    Sempre que tem H tem digrafo

    o ''U'' se sequer não tem fonética , não se dis SEKUER, e sim SEKER

  • velho = dígrafo

    cabra = encontro consonantal

    sequer = dígrafo

  • INDO MAIS ALÉM...

    Por serem parecidos, o dígrafo e o encontro consonantal podem ser confundidos. Para que isso não aconteça, é necessário prestar atenção em alguns detalhes. 

    No dígrafo, as duas letras ficam juntas, mas possuem o som de uma letra só. Já no encontro consonantal, duas consoantes ficam juntas, mas cada uma produz o seu próprio som. Ao ser pronunciada a palavra, é possível compreender o som das duas letras. 

    Os encontros consonantais podem ser classificados ainda como perfeitos e imperfeitos. Veja a diferença:

    Encontro consonantal perfeito: acontece quando o encontro das duas consoantes permanece na mesma sílaba após a  da palavra. Além disso, eles possuem uma consoante seguida de L ou R na mesma sílaba.

    Exemplos:

    - Flores: flo-res;

    - Claro: cla-ro;

    - Soprar: so-prar;

    - Livro: li-vro;

    - Blusa: blu-as;

    - Planta: plan-ta.

    Encontro consonantal imperfeito: acontece quando as duas consoantes da palavra se separam quando acontece a separação de sílabas.

    Exemplos:

    - Forte: for-te;

    - Curto: cur-to;

    - Torta: tor-ta;

    - Objeto: ob-je-to;

    - Advogado: ad-vo-ga-do;

    - Absoluto: ab-so-lu-to.

    Existem ainda os encontros consonantais que não se separam quando estão no início da frase, porque não existe uma sílaba sem uma vogal.

    Exemplos:

    - Gnomo: gno-mo;

    - Psicólogo: psi-có-lo-go;

    - Psicológico: psi-co-ló-gi-co.

    FONTE: https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/lingua-portuguesa/digrafo