SóProvas


ID
3221725
Banca
CIEE
Órgão
SPTrans
Ano
2019
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

A minha salamandra

    Certa vez, escrevendo uma novela, precisei saber se uma salamandra tinha quatro ou seis pernas. Já não me lembro em que episódio novelesco pretendia envolver as pernas da minha salamandra, mas a verdade é que precisava saber — e não fiquei sabendo.
    Que sei eu a respeito de minhas próprias pernas? Pensava então, deixando que elas me levassem para outros caminhos, fora da ficção.
    Um ficcionista às vezes precisa saber coisas muito esquisitas. A experiência própria nem sempre ajuda. Passei, por exemplo, a minha infância nos galhos de uma mangueira, chupando manga o dia todo, e não soube responder a um meu amigo, excelente romancista, quanto tempo levava para germinar um caroço de manga.
    Contou‐me ele, na época, que andou precisando saber este pormenor, em razão de uma história que estava escrevendo. Depois de perguntar a um e outro, e não obtendo senão respostas vagas, telefonou para a repartição do Ministério da Agricultura que lhe pareceu mais apta a fornecer‐lhe a informação. O funcionário que o atendeu ficou simplesmente perplexo:
    — Caroço de manga? Que brincadeira é essa?
    Como insistisse, informaram‐lhe que, realmente, havia quem talvez soubesse — um especialista no assunto, lotado num departamento ao qual estava afeto o setor de fruticultura. Discou para lá — mas só conseguiu colher vagos palpites:
    — Um caroço de manga? Bem, deve levar um ou dois meses, o senhor não acha?
    — Não acho nada: preciso saber com exatidão.
    — Por quê?
    — Bem, porque...
    Outros telefonemas, que somente despertavam reminiscências infantis:
    — Na minha casa tinha uma mangueira. A manga‐espada, por exemplo, se bem me lembro...
    — Boa é a manga carlota, aquela pequenina, sem fibra nenhuma... Lá no Norte chamam de itamaracá.
    — O caroço? Bem, o caroço, para lhe dizer com franqueza...
    Resolveu telefonar para o Gabinete do Ministro:
    — Queria uma informaçãozinha de Vossa Excelência. 
    O ministro não sabia. Que futuro tem um país de economia essencialmente agrícola se ninguém, nem o próprio Ministro da Agricultura, sabe informar quanto tempo leva para germinar um caroço de manga?
    Volto à minha salamandra. Vejo‐a esquiva e silenciosa a deslizar por entre as pedras, quantas pernas? Que futuro tenho eu como escritor, se não sei dizer com quantas pernas se faz uma salamandra? O mundo anda cheio de pernas, e o coração do poeta já perguntou para que tanta perna, meu Deus. As da salamandra — quatro, ou seis — nada acrescentam ao meu mundo interior, senão a ligeira desconfiança de que acabo tendo quatro. No entanto, as de uma jovem galgando comigo as pedras do Arpoador, por exemplo, apenas duas, podem sustentar o universo — vertiginoso universo onde as sensações germinam bem mais depressa que um caroço de manga. Onde se acendem estrelas inexistentes e os astros desandam nas suas órbitas. Onde se abrem abismos de uma profundeza que nem a imaginação do romancista ousa devassar. Onde vicejam plantas bem mais exóticas que uma mangueira de quintal, em cujas sombras se arrastam seres vorazes e bem mais misteriosos que a salamandra, salamandras...
(SABINO, Fernando. As melhores crônicas. 14ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2010.)

Em “No entanto, as de uma jovem galgando comigo as pedras do Arpoador, por exemplo, apenas duas, podem sustentar o universo — vertiginoso universo onde as sensações germinam bem mais depressa que um caroço de manga.” (18º§), a expressão “no entanto”, pode ser substituída, sem prejuízo semântico, por:

Alternativas
Comentários
  • GABARITO: LETRA B

    ? No entanto, as de uma jovem galgando comigo as pedras do Arpoador, por exemplo, apenas duas, podem sustentar o universo ? vertiginoso universo onde as sensações germinam bem mais depressa que um caroço de manga.

    ? Temos uma conjunção coordenativa adversativa, outras com esse mesmo valor: mas, porém, entretanto, todavia, contudo, só que, ainda assim; lembrando que não poderia ser usado o "mas" devido a vírgula presente, só pode usar vírgula após o "mas" se for na intercalação de algum termo.

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  • Conjunções adversativas: expressam contraste ou oposição de pensamento - mas, porém, contudo, entretanto, no entanto, não obstante.

  • Conjunções adversativas: mas, contudo, entretanto, no entanto, todavia, não obstante. 

  • A Aliás.

    É um conectivo que indica explicitação e exemplificação, assim como isto é, ou seja, quer dizer, a saber, aliás, como se pode ver, por exemplo, a exemplo de, quer isto dizer, por outras palavras...

    B Entretanto.

    Conjunções coordenativas adversativas: têm valor semântico de oposição, contraste, adversidade, ressalva ...

    São elas: mas, porém, entretanto, todavia, contudo, no entanto, não obstante, inobstante, senão (= mas sim)...

    Ex.: Era vegetariana, mas cozinhava carne para os filhos.

    C Além disso.

    Significa "além do mais". Equivale a além do mais, além de que, além do que, além disto, além de tudo, para mais, de mais a mais, aliás, ademais, demais, mais, também, e depois, depois, ainda, fora, outrossim, ora.

    Ex.: Ele não é de confiança e, além disso, não estou interessada.

    D Nada obstante.

    Conjunções subordinativas concessivas: têm valor semântico de concessão, contraste, consentimento, licença, quebra de expectativa...

    São elas: (muito) embora, ainda que, se bem que, mesmo que, mesmo quando, posto que, apesar de que, conquanto, malgrado, não obstante, inobstante...

    Ex.: Nada obstante a falta de integração na equipe, ia trabalhar todos os dias com vontade e alegria.

    .

    Em relação à questão, no entanto”, pode ser substituída, sem prejuízo semântico, por "entretanto".

    Gabarito: Letra B