O examinador explora, por meio de um estudo de caso, o conhecimento do candidato acerca do que prevê o Código Civil e o ordenamento jurídico brasileiro sobre os Defeitos do Negócio Jurídico, cujo tratamento legal é dado a partir do artigo 138 do referido Código Civilista. Senão vejamos:
Rejane mora com seu filho menor na comunidade do Milharal, onde vem disputando com seu vizinho parte de um terreno. O vizinho, contudo, ameaçou a integridade de seu filho para que ela assinasse acordo de transação, pelo qual renunciava a direitos sobre o terreno.
Diante disso, o referido acordo é:
A) nulo, em razão do objeto ilícito;
Vide comentário alternativa "D"
Alternativa incorreta.
B) nulo, em razão da ausência de vontade;
Vide comentário alternativa "D".
Alternativa incorreta.
C) anulável, em razão de estado de perigo;
Vide comentário alternativa "D".
Alternativa incorreta.
D) anulável, em razão de coação;
Inicialmente, o candidato deverá entender cada vício de vontade do negócio jurídico para interpretar a questão de modo fidedigno.
Assim, passemos à análise de cada um, conforme nos ensina Flávio Tartuce:
"Do erro e da ignorância: O erro é um engano fático, uma falsa noção, em relação a uma pessoa, ao objeto do negócio ou a um direito, que acomete a vontade de uma das partes que celebrou o negócio jurídico. De acordo com o art. 138 do atual Código Civil, os negócios jurídicos celebrados com erro são anuláveis, desde que o erro seja substancial, podendo ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias em que o negócio foi celebrado.
Do dolo: O dolo pode ser conceituado como o artifício ardiloso empregado para enganar alguém, com intuito de benefício próprio. O dolo é a arma do estelionatário, como diziam os antigos civilistas. De acordo com o art. 145 do CC, o negócio praticado com dolo é anulável, no caso de ser este a sua causa. Esse dolo, causa do negócio jurídico, é conceituado como dolo essencial, substancial ou principal (dolus causam). Em casos tais, uma das partes do negócio utiliza artifícios maliciosos, para levar a outra a praticar um ato que não praticaria normalmente, visando a obter vantagem, geralmente com vistas ao enriquecimento sem causa.
Da coação: A coação pode ser conceituada como uma pressão física ou moral exercida sobre o negociante, visando obrigá-lo a assumir uma obrigação que não lhe interessa. Aquele que exerce a coação é denominado coator e o que a sofre, coato, coagido ou paciente. Nos termos do art. 151 do CC, a coação, para viciar o negócio jurídico, há de ser relevante, baseada em fundado temor de dano iminente e considerável à pessoa envolvida, à sua família ou aos seus bens. Eventualmente, dizendo respeito o temor à pessoa não pertencente à família do coato, o juiz, com base nas circunstâncias do caso concreto, decidirá se houve coação (art. 151, parágrafo único, do CC). A título de exemplo, se o temor se referir a amigo íntimo do negociante ou à sua namorada, pode-se falar na presença desse vício do consentimento.
Do estado de perigo: De acordo com o art. 156 do CC, haverá estado de perigo toda vez que o próprio negociante, pessoa de sua família ou pessoa próxima estiver em perigo, conhecido da outra parte, sendo este a única causa para a celebração do negócio. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do contratante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias fáticas e regras da razão (art. 156, parágrafo único, do CC). Conforme outrora demonstrado, há regra semelhante para a coação moral, no art. 151, parágrafo único, do CC.
Da lesão: Dispõe o art. 157, caput, da atual codificação privada que “Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta". Trata-se de uma das mais festejadas inovações do Código Civil de 2002, criada para se evitar o negócio da China, o enriquecimento sem causa, fundado em negócio totalmente desproporcional, utilizado para massacrar patrimonialmente uma das partes.
Da fraude contra credores: Constitui fraude contra credores a atuação maliciosa do devedor, em estado de insolvência ou na iminência de assim tornar-se, que dispõe de maneira gratuita ou onerosa o seu patrimônio, para afastar a possibilidade de responderem os seus bens por obrigações assumidas em momento anterior à transmissão. Exemplificando, se A tem conhecimento da iminência do vencimento de dívidas em data próxima, em relação a vários credores, e vende a B imóvel de seu patrimônio, havendo conhecimento deste do estado de insolvência, estará configurado o vício social a acometer esse negócio jurídico. Mesma conclusão serve para o caso de doação (disposição gratuita)."
Feita a exposição sobre o tema, vejamos: Rejane mora com seu filho menor na comunidade do Milharal, onde vem disputando com seu vizinho parte de um terreno. O vizinho, contudo, ameaçou a integridade de seu filho para que ela assinasse acordo de transação, pelo qual renunciava a direitos sobre o terreno.
Ora, perceba que há uma clara pressão moral exercida sobre Rejane, mediante ameça a parente próximo, seu filho, visando obrigá-la a assumir uma obrigação que não lhe interessa (assinar o acordo de transação). Assim, resta evidente a relevância, baseada em fundado temor de dano iminente e considerável à sua família.
Neste passo, o negócio jurídico será anulável, mediante previsão expressa do Código Civil:
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:
I - por incapacidade relativa do agente;
II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
Assim, temos que o acordo é anulável, em razão de coação.
Alternativa correta.
E) anulável, em razão de dolo.
Vide comentário alternativa "D".
Alternativa incorreta.
Gabarito do Professor: letra "D".
LEGISLAÇÃO PARA LEITURA
Código Civil
Dos Defeitos do Negócio Jurídico
Do Erro ou Ignorância
Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.
Art. 139. O erro é substancial quando:
I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;
III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.
Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.
Art. 141. A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta.
Art. 142. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada.
Art. 143. O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade.
Art. 144. O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante.
Do Dolo
Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.
Art. 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo.
Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.
Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou.
Art. 149. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos.
Art. 150. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização.
Da Coação
Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.
Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.
Art. 152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela.
Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial.
Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos.
Art. 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto.
Do Estado de Perigo
Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.
Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.
Da Lesão
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
§ 1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
§ 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.
Da Fraude Contra Credores
Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.
§ 1 o Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.
§ 2 o Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles.
Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante.
Art. 160. Se o adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver pago o preço e este for, aproximadamente, o corrente, desobrigar-se-á depositando-o em juízo, com a citação de todos os interessados.
Parágrafo único. Se inferior, o adquirente, para conservar os bens, poderá depositar o preço que lhes corresponda ao valor real.
Art. 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.
Art. 162. O credor quirografário, que receber do devedor insolvente o pagamento da dívida ainda não vencida, ficará obrigado a repor, em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores, aquilo que recebeu.
Art. 163. Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor.
Art. 164. Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família.
Art. 165. Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores.
Parágrafo único. Se esses negócios tinham por único objeto atribuir direitos preferenciais, mediante hipoteca, penhor ou anticrese, sua invalidade importará somente na anulação da preferência ajustada
(...)
Da Invalidade do Negócio Jurídico
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:
I - por incapacidade relativa do agente;
II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 - Código Civil - Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, disponível em:
Site Portal da Legislação - Planalto.
2 - TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único – 10. ed. – Rio
de Janeiro: Forense, 2020.