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ID
3281359
Banca
Instituto Consulplan
Órgão
CODESG - SP
Ano
2019
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Mudança

    Na planície avermelhada, os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala.
    Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás.
    Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.
    – Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai. Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo.
    A catinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas. O voo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos.
    – Anda, excomungado.
    O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário – e a obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.
    Tinham deixado os caminhos, cheios de espinho e seixos, fazia horas que pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés.
  Pelo espírito atribulado do sertanejo passou a ideia de abandonar o filho naquele descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, coçou a barba ruiva e suja, irresoluto, examinou os arredores. Sinhá Vitória estirou o beiço indicando vagamente uma direção e afirmou com alguns sons guturais que estavam perto. Fabiano meteu a faca na bainha, guardou-a no cinturão, acocorou-se, pegou no pulso do menino, que se encolhia, os joelhos encostados ao estômago, frio como um defunto. Aí a cólera desapareceu e Fabiano teve pena. Impossível abandonar o anjinho aos bichos do mato. Entregou a espingarda a Sinhá Vitória, pôs o filho no cangote, levantou-se, agarrou os bracinhos que lhe caíam sobre o peito, moles, finos como cambitos. Sinhá Vitória aprovou esse arranjo, lançou de novo a interjeição gutural, designou os juazeiros invisíveis.
    E a viagem prosseguiu, mais lenta, mais arrastada, num silêncio grande. (...)
    As manchas dos juazeiros tornaram a aparecer, Fabiano aligeirou o passo, esqueceu a fome, a canseira e os ferimentos. As alpercatas dele estavam gastas nos saltos, e a embira tinha-lhe aberto entre os dedos rachaduras muito dolorosas. Os calcanhares, duros como cascos, gretavam-se e sangravam.
    Num cotovelo do caminho avistou um canto de cerca, encheu-o a esperança de achar comida, sentiu desejo de cantar. A voz saiu-lhe rouca, medonha. Calou-se para não estragar força.
    Deixaram a margem do rio, acompanharam a cerca, subiram uma ladeira, chegaram aos juazeiros. Fazia tempo que não viam sombra.
  Sinhá Vitória acomodou os filhos, que arriaram como trouxas, cobriu-os com molambos. O menino mais velho, passada a vertigem que o derrubara, encolhido sobre folhas secas, a cabeça encostada a uma raiz, adormecia, acordava. E quando abria os olhos, distinguia vagamente um monte próximo, algumas pedras, um carro de bois. A cachorra Baleia foi enroscar-se junto dele.
    Estavam no pátio de uma fazenda sem vida. O curral deserto, o chiqueiro das cabras arruinado e também deserto, a casa do vaqueiro fechada, tudo anunciava abandono. Certamente o gado se finara e os moradores tinham fugido. (...)
    Entrava dia e saía dia. As noites cobriam a terra de chofre. A tampa anilada baixava, escurecia, quebrada apenas pelas vermelhidões do poente. Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores. O coração de Fabiano bateu junto do coração de Sinhá Vitória, um abraço cansado aproximou os farrapos que os cobriam. Resistiram à fraqueza, afastaram-se envergonhados, sem ânimo de afrontar de novo a luz dura, receosos de perder a esperança que os alentava.
                                (RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. Rio de Janeiro & São Paulo:
Editora Record, 1996.)

A expressão sublinhada, que exerce uma função sintática diferente das demais, por ser considerada um complemento e não um adjunto é:

Alternativas
Comentários
  • GABARITO: LETRA C

    A) Baú de folha ? temos uma locução adjetiva com função de adjunto adnominal, o baú tem folhas, valor ativo e não passivo, adjunto adnominal.

    B) Margem do rio ? novamente uma locução adjetiva, simplificando-a "margem fluvial", função de adjunto adnominal.

    C) Cheios de espinho ? cheios (=adjetivo) de alguma coisa (=adjetivo pedindo um complemento, um nome pedindo um complemento); "de espinho" é complemento nominal do adjetivo "cheios".

    D) Folhagem dos juazeiros ? folhagem deles, valor possessivo, adjunto adnominal.

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  • Diferenças entre adjunto adnominal x complemento nominal.

    1) o adjunto se relaciona com substantivos concretos e abstratos.

    2) o complemento nominal somente se relaciona com substantivos abstratos.

    (Substantivos abstratos: ações, Estados, sentimentos).

    Geralmente os substantivos abstratos derivam de verbos.

    Vamos a análise:

    A) Baú de folha.

    Substantivo concreto..somente adjuntos se ligam a concreto.

    B) Margem do rio.

    Segue a mesma lógica.

    C) Cheios de espinho.

    Cheio= substantivo abstrato...

    Quando estiver diante de substantivos abstratos pode ser Adjunto ou Complemento..

    Para saber a diferença lembrar:

    Adjunto = Pratica a ação.

    Complemento = sofre a ação.

    Os espinhos sofrem a ação de ser cheios..

    D) a mesma lógica das interiores.

    Sucesso,bons estudos não desista!

  • Adjunto ADNOMINAL só se relaciona com SUBSTANTIVO.

  • A questão quer o complemento nominal (Se refere a substantivos abstratos, adjetivos e advérbios)

    .

    .

    A) Baú de folha-----------------------------------------------------------------------Baú (Substantivo Concreto)

    B) Margem do rio-------------------------------------------------------------------- Margem (Substantivo Concreto)

    C) Cheios de espinho-----------------------------------------------------------Cheios (Adjetivo)

    D) Folhagem dos juazeiros------------------------------------------------------ Folhagem ( Substantivo Concreto)