Casa de pensão
João Coqueiro, quando saiu do Hotel dos
Príncipes na manhã do almoço, ia preocupado [...] e
correu logo para casa.
Ao chegar foi direto à mulher [...]
– Sabes? disse ele, sem transição,
assentando-se ao rebordo da cama. – É preciso
arranjarmos cômodo para um rapaz que há de vir por
aí domingo. [...]
– É um achado precioso! Ainda não há dois
meses que chegou do Norte, anda às apalpadelas!
Estivemos a conversar por muito tempo: - é filho único
e tem a herdar uma fortuna! [...]
Mme. Brizard escutava, sem despregar os
olhos de um ponto, os pés cruzados e com uma das
mãos apoiando-se no espaldar da cama.
– Ora, continuou o outro gravemente. – Nós
temos de pensar no futuro de Amelinha... ela entrou já
nos vinte e três!... se não abrirmos os olhos... adeus
casamento!
– Mas daí... perguntou a mulher, fugindo a
participar da confiança que o marido revelava
naquele plano.
– Daí – é que tenho cá um palpite! explicou ele.
– Não conheces o Amâncio!... A gente leva-o para
onde quiser!... Um simplório, mas o que se pode
chamar um simplório.
Mme. Brizard fez um gesto de dúvida.
– Afianço-te, volveu Coqueiro – que, se o
metermos em casa e se conduzirmos o negócio com
um certo jeito, não lhe dou três meses de solteiro!
[...]
– Negócio decidido! A questão é arranjar-lhe o
cômodo, e já! Tu – fala com franqueza à Amelinha; a
mim não fica bem... [...]
Nessa mesma tarde Mme. Brizard entendeu-se com a cunhada. Falou-lhe sutilmente no “futuro”,
disse-lhe que “uma menina pobre, fosse quanto fosse
bonita, só com muita habilidade e alguma esperteza
poderia apanhar um marido rico”.
[...]
Amélia riu, concentrou-se um instante e
prometeu fazer o que estivesse no seu alcance, para
agradar ao tal sujeitinho.
Ardia, com efeito, por achar marido, por se
tornar dona de casa. A posição subordinada de
menina solteira não se compadecia com a sua idade
e com as desenvolturas do seu espírito. Graças ao
meio em que se desenvolveu, sabia perfeitamente o
que era pão e o que era queijo; por conseguinte as
precauções e as reservas, que o irmão tomava para
com ela, faziam-na sorrir.
Às vezes tinha vontade de acabar com isso.
“Que diabo significavam tais cautelas?... Se a supunham uma toleirona, enganavam-se – ela era
muito capaz de os enfiar a todos pelo ouvido de uma
agulha!”
– Agora, por exemplo, neste caso do tal
Amâncio, que custava ao Coqueiro explicar-se com
ela francamente?...[...] Mas, não senhor! – meteu-se
nas encolhas e entregou tudo nas mãos da mulher!
[...]
E Amélia, quanto mais refletia no caso, tanto
mais se revoltava contra a reserva do irmão.
– Ele já a devia conhecer melhor! pelo menos
já devia saber que aquela que ali estava era incapaz
de cair em qualquer asneira; aquela não “dava ponto
sem nó”. Outra, que fosse, quanto mais – ela, que
conhecia os homens, como quem conhece a palma
das próprias mãos! – Ela, que vira de perto, com os
seus olhos de virgem, toda a sorte de tipos! – ela, que
lhes conhecia as manhas, que sabia das lábias
empregadas pelos velhacos para obter o que
desejam e o modo pelo qual se portam [...]! – Ela!
tinha graça!
AZEVEDO, Aluísio. . São Paulo: Ática, 1992, p.71-73. (Fragmento).
Vocabulário:
Meteu-se nas encolhas:calou-se.
Do ponto de vista da norma culta, a única substituição que poderia ser feita, sem alteração de valor semântico e linguístico, seria: