- ID
- 3636331
- Banca
- CESPE / CEBRASPE
- Órgão
- Câmara Legislativa do Distrito Federal
- Ano
- 2005
- Disciplina
- Direito Constitucional
- Assuntos
Uma das razões para nossas dificuldades na direção da cidadania pode ter a ver com a natureza do percurso que fizemos. No Brasil, primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão dos direitos políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se tornou popular. Depois vieram os direitos políticos, de maneira também bizarra. A maior expansão do direito de voto deu-se em outro período ditatorial, em que os órgãos de representação política foram transformados em peça decorativa do regime. Finalmente, ainda hoje muitos direitos civis continuam inacessíveis à maioria da população. A pirâmide dos direitos foi colocada de cabeça para baixo. Essa inversão traz conseqüências, sobretudo para o problema da eficácia da democracia. Uma importante é a excessiva valorização do Poder Executivo. Essa orientação para o Executivo reforça longa tradição portuguesa, ou ibérica, o patrimonialismo. Nessa visão, a ação política é sobretudo orientada para a negociação direta com o governo, sem passar pela mediação da representação. Ligada à preferência pelo Executivo está a busca por um messias político. Além da cultura política estatista, ou governista, a inversão favoreceu também uma visão corporativista dos interesses coletivos. A força do corporativismo manifestou-se mesmo durante a Constituinte de 1988. A ausência de ampla organização autônoma da sociedade faz que os interesses corporativos consigam prevalecer.
José Murilo de Carvalho. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 219-23 (com adaptações).
O texto parece se equivocar ao conferir ao corporativismo
uma força que, nem de longe, conseguiu imprimir aos
trabalhos constituintes de 1987-8. Afinal, a Carta de 1988,
apropriadamente chamada de Constituição Cidadã, traduz,
de forma inédita no país, o grau de elevada densidade e
autonomia alcançado pela sociedade civil brasileira, ao
superar séculos de negação da cidadania.