- ID
- 3644131
- Banca
- Instituto Consulplan
- Órgão
- Prefeitura de Suzano - SP
- Ano
- 2019
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
Felicidade
Não se preocupe: não vou dar, pois não tenho, receita
de ser feliz. Não vou querer, pois não consigo, dar lição de
coisa alguma. Decido escrever sobre esse tema tão gasto,
tão vago, quase sem sentido, porque leio sobre felicidade.
Recebo livros sobre felicidade. Vejo que, longe de ser objeto
de certa ironia e atribuída somente a livros de autoajuda
(hoje em dia o melhor meio de querer insultar um escritor é
dizer que ele escreve autoajuda), ela serve para análises
filosóficas, psicanalíticas. Parece que existe até um movimento bobo para que a felicidade seja um direito do ser
humano, oficializado, como casa, comida, dignidade, educação.
Mas ela é um estado de espírito. Não depende de
atributos físicos. Nem de inteligência: acho até que, quanto
mais inteligente se é, mais possibilidade de ser infeliz, porque
se analisa o mundo, a vida, tudo, e o resultado tende a não
ser cor-de-rosa. Posso estar saudabilíssimo, e infeliz. Posso
ter montanhas de dinheiro, mas viver ansioso, solitário.
Talvez felicidade seja uma harmonia com nós mesmos, com
os outros, com o mundo. Alguma inserção consciente na
natureza, da qual as muralhas de concreto nos isolam, ajuda.
Mas dormimos de cortinas cerradas para não ver a claridade
do dia, ou para escutar menos o rumor do mundo (trem
passando embaixo da janela não dá). Tenho um amigo que
detesta o canto dos pássaros, se pudesse mataria a tiro de
chumbinho os sabiás que alegram minhas manhãs. Um
parente meu não suportava praia, porque o barulho do mar
lhe dava insônia.
Portanto, cada um é infeliz à sua maneira.
Uma boa rima para felicidade pode ser simplicidade.
Ainda tenho projetos, sempre tive bons afetos. O que mais
devo querer? A pele imaculada, o corpo perfeito, a bolsa
cheia, a bolsa ou a vida? Acho que, pensando bem, com altos
e baixos, dores e amores, e cores e sombras, eu ainda prefiro
a vida.
(Lya Luft. Revista Veja. Agosto de 2011. Com adaptações.)
Em “Mas dormimos de cortinas cerradas para não ver a
claridade do dia, ou para escutar menos o rumor do mundo
(trem passando embaixo da janela não dá).” (2º§), os
parênteses foram empregados para: