SóProvas


ID
3718825
Banca
INSTITUTO AOCP
Órgão
Prefeitura de Betim - MG
Ano
2020
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Conto: uma morada

O sonho de uma velha senhora

Juremir Machado da Silva


Contava-se que ela havia passado a vida lutando contra homens, doenças e intempéries. Dizia-se que criara sozinha onze filhos e enfrentara oito tormentas de derrubar casas e deixar muita gente desesperada. Durante muito tempo, teve um apelido: a flagelada. Era alta, magérrima e de olhos muito negros, duas bolas escuras que pareciam cintilar à beira do abismo. Era uma mulher de fala forte, voz rouca, agravada pelo cigarro, não menos de trinta por dia, do palheiro ao sem filtro, o que viesse, qualquer coisa que lhe permitisse sair do ar.

– Meu silêncio diz tudo – era o máximo que concedia a algum vizinho.

Apesar do seu jeito esquisito, era amada por quase todos. Gostava-se da sua coragem, da sua franqueza, alguns até falavam de uma ternura escondida por trás dos gestos de fera indomável. Muitos nem sabiam mais o nome dela. Era chamada simplesmente de “a velha”. Contava-se que prometera a si mesma viver cem anos para debochar das agruras da vida. Servira durante décadas de parteira, de benzedeira e até de responsável pela ordem nas redondezas. Impunha respeito, resolvia litígios, dava bons conselhos, sentia pena das jovens apaixonadas. Com o passar do tempo, ficou mais impaciente e menos propensa a ouvir longas e repetitivas histórias.

      (...)

Destino – Não se contava, porém, quando havia perdido tudo. Ficara sem casa. Vivia na cidade num quarto emprestado por um velho conhecido. Quando se imaginava que estava esgotada, que só esperava o fim para se livrar dos tormentos, ela se revelou mais firme do que nunca. Queria viver. Mais do que isso, deu para dizer a quem quisesse ouvir que tinha um sonho.

– Um sonho?

– Sim, a Velha tem um sonho.

A notícia espalhou-se como um acontecimento improvável. Com o que podia sonhar a velha? Contava-se que homens faziam apostas enquanto jogavam cartas ou discutiam futebol, mulheres especulavam sobre esse sonho, crianças se interessavam pelo assunto, todos queriam entender como podia aquela mulher árida ter um sonho, algo que a maioria, mais nova, já não tinha. Por alguns meses, pois ela fazia do seu novo silêncio um trunfo, foi cercada de atenção na busca obsessiva por uma resposta. Teriam até lhe oferecido dinheiro para revelar o seu sonho num programa de rádio.

Conta-se que numa tarde mormacenta de janeiro, com um temporal prestes a desabar, ela disse com a sua voz grave um pouco mais vibrante para quem pudesse ouvir (nunca se soube quem foi o primeiro saber):

– Quero voltar para casa.

Que casa era essa? A velha queria retornar ao lugar onde havia nascido, um lugar perdido na campanha onde vicejava solitário um cinamomo. Sonhava em ter uma casinha ali para viver os seus últimos anos. Desse ponto de observação, podia-se enxergar um enorme vazio. A comunidade, sempre tão dispersa, mobilizou-se como se, de repente, tudo fizesse sentido. O dono da terra aceitou que lhe erguessem um rancho no meio do nada para que ela fincasse suas raízes por alguns anos. Um mutirão foi organizado para erguer a morada. Até políticos contribuíram para a compra do modesto material – tábuas, pregos, latas – necessário à construção da residência. Num final de semana de fevereiro, a casa foi erguida.

Um rancho de duas peças: quarto e cozinha. Uma latrina a dez passos do cinamomo. Caía a noite quando tudo ficou pronto. Os homens embarcaram na carroceria de um velho caminhão e partiram. Ela ficou só no lugar que escolhera para viver depois de tantas lutas encarniçadas com o destino. Sentia-se vitoriosa. A lua cheia banhou os campos naquela noite. Ela passeou até onde as velhas pernas lhe permitiram. Deitou-se no catre com colchão novo. Fez questão de manter a sua cama. Morreu ao amanhecer com o sol faiscando na cobertura de lata reluzindo de tão nova e duradoura.

Adaptado de:<https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/conto-uma-morada-1.392657>. Acesso em 26 jan. 2020.

Sobre o texto apresentado, é correto afirmar que

Alternativas
Comentários
  • A "velha" voltou para sua terra natal?

  • GAB - B

    [...] – Quero voltar para casa.

    Que casa era essa? A velha queria retornar ao lugar onde havia nascido, um lugar perdido na campanha onde vicejava solitário um cinamomo. Sonhava em ter uma casinha ali para viver os seus últimos anos.[...]

  • Em nenhum momento no texto fala que a "velha" voltou para a terra natal, mas sim para o lugar onde ela nasceu: terreno/lote. A não ser que a "terra" do enunciando seja o terreno e não a cidade natal (o que não faz lá muito sentido, porque ninguém chama sua antiga casa/lote/terreno de terra natal).

  • A questão é sobre compreensão textual e queremos encontrar a alternativa que nos diz informações corretas sobre o texto.

    a) Incorreta.

    A personagem não era odiada, muito pelo contrário ela era amada. Vejamos a sétima linha do texto: "Apesar do seu jeito esquisito, era amada por quase todos.".

    b) Correta.

    De fato "a velha" voltou para sua terra natal e foi ajudada pela comunidade que a ajudou. Temos essa informação no texto.

    Vejamos no penúltimo parágrafo: Que casa era essa? A velha queria retornar ao lugar onde havia nascido, um lugar perdido na campanha onde vicejava solitário um cinamomo. Sonhava em ter uma casinha ali para viver os seus últimos anos....A comunidade, sempre tão dispersa, mobilizou-se como se, de repente, tudo fizesse sentido. O dono da terra aceitou que lhe erguessem um rancho no meio do nada para que ela fincasse suas raízes por alguns anos.

    Entende-se com isso que a terra natal da "velha" era onde é agora a propriedade de outra pessoa, que havia a árvore cinamomo e com a ajuda da comunidade conseguiu construir uma moradia nesse local.

    c) Incorreta.

    Foi uma surpresa para todos. Vejamos um trecho do texto: "A notícia espalhou-se como um acontecimento improvável. Com o que podia sonhar a velha?"

    d) Incorreta.

    Não é possível afirmar que o sonho foi somente após ter ficado velha, o que o texto fala é que ela revelou depois de velha.

    e) Incorreta.

    Sim, ela era amada, mas não pelo seu jeito gentil. Vejamos a sétima e oitava linha: "Apesar do seu jeito esquisito, era amada por quase todos. Gostava-se da sua coragem, da sua franqueza, alguns até falavam de uma ternura escondida por trás dos gestos de fera indomável..."

    GABARITO: B

  • Bateu as botas

  • Assertiva b

    o sonho da “velha” acabou unindo a comunidade por uma causa comum: ajudar a senhora a voltar para sua terra natal.

    Que casa era essa? A velha queria retornar ao lugar onde havia nascido, um lugar perdido na campanha onde vicejava solitário um cinamomo. Sonhava em ter uma casinha ali para viver os seus últimos anos. Desse ponto de observação, podia-se enxergar um enorme vazio. A comunidade, sempre tão dispersa, mobilizou-se como se, de repente, tudo fizesse sentido. 

  • "ajudar a senhora a voltar para sua terra natal" é diferente de imitar as condições da casa da terra natal da "velha". Apesar de não podermos afirmar que ela "não tinha sonhos na mocidade", a alternativa b tbm não está correta.

  • É CORRETO AFIRMAR:

    GABARITO B: O sonho da “velha” acabou unindo a comunidade por uma causa comum: ajudar a senhora a voltar para sua terra natal.

    "Quero voltar para casa.

    Que casa era essa? A velha queria retornar ao lugar onde havia nascido, um lugar perdido na campanha onde vicejava solitário um cinamomo. Sonhava em ter uma casinha ali para viver os seus últimos anos. Desse ponto de observação, podia-se enxergar um enorme vazio. A comunidade, sempre tão dispersa, mobilizou-se como se, de repente, tudo fizesse sentido. O dono da terra aceitou que lhe erguessem um rancho no meio do nada para que ela fincasse suas raízes por alguns anos. Um mutirão foi organizado para erguer a morada."

  • e morreu

  • No todo, não achei a alternativa totalmente certa, mas há de se casar mas seguintes informações:

    Terra natal - Locução substantiva, feminino

    Trecho do texto:

    [...] – Quero voltar para casa.

    Que casa era essa? A velha queria retornar ao lugar onde havia nascido, um lugar perdido na campanha onde vicejava solitário um cinamomo. Sonhava em ter uma casinha ali para viver os seus últimos anos.[...]

  • GABARITO: LETRA B

    A) A personagem principal era odiada por muitas pessoas devido ao seu jeito rabugento.

    Apesar do seu jeito esquisito, era amada por quase todos. Gostava-se da sua coragem, da sua franqueza, alguns até falavam de uma ternura escondida por trás dos gestos de fera indomável.

    B) O sonho da “velha” acabou unindo a comunidade por uma causa comum: ajudar a senhora a voltar para sua terra natal.

    – Um sonho?

    – Sim, a Velha tem um sonho.

    Conta-se que numa tarde mormacenta de janeiro, com um temporal prestes a desabar, ela disse com a sua voz grave um pouco mais vibrante para quem pudesse ouvir (nunca se soube quem foi o primeiro saber):

    – Quero voltar para casa.

    A comunidade, sempre tão dispersa, mobilizou-se como se, de repente, tudo fizesse sentido. O dono da terra aceitou que lhe erguessem um rancho no meio do nada para que ela fincasse suas raízes por alguns anos. Um mutirão foi organizado para erguer a morada. Até políticos contribuíram para a compra do modesto material – tábuas, pregos, latas – necessário à construção da residência. Num final de semana de fevereiro, a casa foi erguida.

    o sonho da “velha” acabou unindo a comunidade por uma causa comum: ajudar a senhora a voltar para sua terra natal.

    C) Quando a personagem principal resolveu compartilhar o seu sonho, não foi uma surpresa para ninguém.

    – Um sonho?

    – Sim, a Velha tem um sonho.

    A notícia espalhou-se como um acontecimento improvável

    D) "A velha”, como a personagem principal era conhecida, não tinha sonhos na mocidade, apenas após envelhecer resolveu manifestar um desejo, o de voltar a sua terra natal.

    Muitos nem sabiam mais o nome dela. Era chamada simplesmente de “a velha”.

    Contava-se que homens faziam apostas enquanto jogavam cartas ou discutiam futebol, mulheres especulavam sobre esse sonho, crianças se interessavam pelo assunto, todos queriam entender como podia aquela mulher árida ter um sonho, algo que a maioria, mais nova, já não tinha.

    NO MEU VER, O QUE TORNA ESSA ALTERNATIVA ERRADA É AFIRMAR QUE ELA QUANDO NOVA NÃO TINHA SONHOS. O TRECHO FALA "QUE A MAIORIA MAIS NOVA NÃO TINHA SONHO, MAS AO AFIRMAR QUE ELA NÃO TINHA QUANDO MAIS NOVA GENERALIZOU.

    E) A personagem principal era amada por todos da comunidade, devido ao seu comportamento doce e gentil

    Apesar do seu jeito esquisito, era amada por quase todos. Gostava-se da sua coragem, da sua franqueza, alguns até falavam de uma ternura escondida por trás dos gestos de fera indomável. 

  • Belo texto!

  • Gabarito: B.

    Objetivamente:

    a) Errado. "Apesar do seu jeito esquisito, era amada por quase todos. "

    b) Gabarito. Em uma passagem do texto, o narrador até conta que políticos ajudaram com alguns materiais para construção.

    c) Errado. Até dinheiro ofereceram para que ela contasse. Houve uma "curiosidade geral' por parte dos outros moradores.

    d) Errado. O item ao falar que "não tinha sonhos na mocidade" incorre em extrapolação textual. Não há nenhuma informação quer permita inferir isso.

    e) Errado. Vide justificativa do primeiro item: "Apesar do seu jeito esquisito, era amada por quase todos."

    Bons estudos!

  • o fim de tudo é a morte

  • QUE HISTORIA TRISTE

  • Que texto lindo.

  • Vim aqui só para comentar: que texto maravilhoso!

  • Fico presa no texto, que história!

  • Morte é única certeza que temos! Texto incrível.

  • loucura