SóProvas


ID
4005085
Banca
FUNCAB
Órgão
Prefeitura de Araruama - RJ
Ano
2015
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto para responder à questão.


Restos de Carnaval


    Não, não deste último carnaval. Mas não sei por que este me transportou para a minha infância e para as quartas-feiras de cinzas nas ruas mortas onde esvoaçavam despojos de serpentina e confete. Uma ou outra beata com um véu cobrindo a cabeça ia à igreja, atravessando a rua tão extremamente vazia que se segue ao carnaval.Até que viesse o outro ano. E quando a festa ia se aproximando, como explicar a agitação íntima que me tomava? Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate. Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas. Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim. Carnaval era meu, meu.
    No entanto, na realidade, eu dele pouco participava. Nunca tinha ido a um baile infantil, nunca me haviam fantasiado. Em compensação deixavam-me ficar até umas 11 horas da noite à porta do pé da escada do sobrado onde morávamos, olhando ávida os outros se divertirem. Duas coisas preciosas eu ganhava então e economizava-as com avareza para durarem os três dias: um lança-perfume e um saco de confete. Ah, está se tornando difícil escrever. Porque sinto como ficarei de coração escuro ao constatar que, mesmo me agregando tão pouco à alegria, eu era de tal modo sedenta que um quase nada já me tornava uma menina feliz.
    E as máscaras? Eu tinha medo, mas era um medo vital e necessário porque vinha de encontro à minha mais profunda suspeita de que o rosto humano também fosse uma espécie de máscara. À porta do meu pé de escada, se um mascarado falava comigo, eu de súbito entrava no contato indispensável com o meu mundo interior, que não era feito só de duendes e príncipes encantados, mas de pessoas com o seu mistério.Até meu susto com os mascarados, pois, era essencial para mim.
    [...]
    Mas houve um carnaval diferente dos outros. Tão milagroso que eu não conseguia acreditar que tanto me fosse dado, eu, que já aprendera a pedir pouco. É que a mãe de uma amiga minha resolvera fantasiar a filha e o nome da fantasia era no figurino Rosa. Para isso comprara folhas e folhas de papel crepom cor-de-rosa, com as quais, suponho, pretendia imitar as pétalas de uma flor. Boquiaberta, eu assistia pouco a pouco à fantasia tomando forma e se criando. Embora de pétalas o papel crepom nem de longe lembrasse, eu pensava seriamente que era uma das fantasias mais belas que jamais vira.
    [...]
    Mas por que exatamente aquele carnaval, o único de fantasia, teve que ser tão melancólico? De manhã cedo no domingo eu já estava de cabelos enrolados para que até de tarde o frisado pegasse bem. Mas os minutos não passavam, de tanta ansiedade. Enfim, enfim! chegaram três horas da tarde: com cuidado para não rasgar o papel, eu me vesti de rosa.
    Muitas coisas que me aconteceram tão piores que estas, eu já perdoei. No entanto essa não posso sequer entender agora: o jogo de dados de um destino é irracional? É impiedoso. Quando eu estava vestida de papel crepom todo armado, ainda com os cabelos enrolados e ainda sem batom e ruge – minha mãe de súbito piorou muito de saúde, um alvoroço repentino se criou em casa e mandaram-me comprar depressa um remédio na farmácia. Fui correndo vestida de rosa – mas o rosto ainda nu não tinha a máscara de moça que cobriria minha tão exposta vida infantil – fui correndo, correndo, perplexa, atônita, entre serpentinas, confetes e gritos de carnaval. Aalegria dos outros me espantava.
LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina . Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 25-28

Pode-se afirmar que a oração destacada em “Porque sinto como ficarei de coração escuro ao constatar que, MESMO ME AGREGANDO TÃO POUCO À ALEGRIA” é subordinada:

Alternativas
Comentários
  • Conjunções adverbiais concessivas ( contraste ) : Embora ,conquanto ,ainda que ,mesmo que ,se bem que ,posto que ,apesar de ,ainda assim .......

  • CONCESSÃO = Fato que se opõem a ideia principal, mas não tem a capacidade de impedi-la.

  • A questão pede a análise do termo destacado: "Porque sinto como ficarei de coração escuro ao constatar que, MESMO ME AGREGANDO TÃO POUCO À ALEGRIA, eu era de tal modo sedenta que um quase nada já me tornava uma menina feliz".

    Eu voltei ao texto para pegar o período completo, acima escrito.

    A oração destacada em letras maiúsculas não poderia ser adjetiva pois não é introduzida por pronome relativo (o qual, a qual, os quais, as quais) nem substantiva pois não pode ser substituída pelo pronome isso. Então, descartamos as alternativas "c" e "e". Olhando para a conjunção da oração ("MESMO"), percebemos que não possui sentido de causa nem de condição, restando apenas a alternativa "d".

    Porém, explicando o motivo de ser oração subordinada adverbial concessiva, temos que:

    1 - As orações subordinadas adverbiais (em geral... substantivas, adjetivas ou adverbiais) possuem função de adjunto adverbial.

    2 - As orações subordinadas adverbiais concessivas possuem uma oração cujo fato (concreto ou hipotético) não modifica o evento da outra oração. Geralmente podemos trocar a sua conjunção concessiva por "ainda que", para facilitar. É importante prestar atenção na conjunção "mesmo", pois ela normalmente apresenta um fato hipotético que não altera o outro fato. Trocando a conjunção por "ainda que" e facilitando o modo de escrever o texto para constatar que é uma adverbial concessiva temos que:

    "Ainda que eu fique um pouquinho de nada feliz [FATO HIPOTÉTICO], eu era tão sedenta que qualquer coisa me fazia feliz [FATO QUE NÃO SERÁ ALTERADO, MESMO QUE O FATO HIPOTÉTICO OCORRA]".

    Outro exemplo com "mesmo":

    -> Mesmo que ele venha, não resolverá o problema.

    Situação hipotética: ainda que ele venha.

    Fato que não será alterado de jeito nenhum, mesmo que a situação hipotética ocorra: o problema não será resolvido.

  • Dica de ouro: MESMO + GERÚNDIO = CONCESSÃO. Não tem erro, pode confiar.