SóProvas


ID
4063999
Banca
FUNCAB
Órgão
Prefeitura de Boa Vista - RR
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto para responder à questão.


Uma vela para Dario


        Dario vinha apressado, o guarda-chuva no braço esquerdo e, assim que dobrou a esquina, diminui o passo até parar, encostando-se à parede de uma casa. Foi escorregando por ela, de costas, sentou-se na calçada, ainda úmida de chuva e descansou na pedra o cachimbo.

        Dois ou três passantes rodearam-no, indagando se ele não está se sentindo bem. Dario abriu a boca, moveu os lábios, mas não se ouviu resposta. Um senhor gordo, de branco, sugeriu que ele devia sofrer de ataque.

         Estendeu-se mais um pouco, deitado agora na calçada, e o cachimbo a seu lado tinha apagado. Um rapaz de bigode pediu ao grupo que se afastasse, deixando-o respirar. E abriu-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta. Quando lhe tiram os sapatos, Dario roncou pela garganta e um fio de espuma saiu no canto da boca.

        Cada pessoa que chegava se punha na ponta dos pés, embora não o pudesse ver. Os moradores da rua conversavam de uma porta à outra, as crianças foram acordadas e vieram de pijama às janelas. O senhor gordo repetia que Dario sentara-se na calçada, soprando ainda a fumaça do cachimbo e encostando o guarda-chuva na parede. Mas não se via guarda-chuva ou cachimbo ao lado dele. Uma velhinha de cabeça grisalha gritou que Dario estava morrendo. Um grupo transportou-o na direção do táxi estacionado na esquina. Já tinham introduzido no carro a metade do corpo, quando o motorista protestou: se ele morresse na viagem? A turba concordou em chamar a ambulância. Dario foi conduzido de volta e encostado à parede - não tinha os sapatos nem o alfinete de pérola na gravata.

         Alguém afirmou que na outra rua havia uma farmácia. Carregaram Dario até a esquina; a farmácia era no fim do quarteirão e, além do mais, ele estava muito pesado. Foi largado ali na porta de uma peixaria. Imediatamente um enxame de moscas lhe cobriu o rosto, sem que fizesse o menor gesto para espantá-las.

         As mesas de um café próximo foram ocupadas pelas pessoas que tinham vindo apreciar o incidente e, agora, comendo e bebendo, gozavam as delícias da noite. Dario ficara torto como o deixaram, no degrau da peixaria, sem o relógio de pulso.

        Um terceiro sugeriu que lhe examinassem os documentos. Vários objetos foram retirados de seus bolsos e alinhados sobre a camisa branca. Ficaram sabendo do seu nome, idade, cor dos olhos, sinais de nascença, mas o endereço na carteira era de outra cidade. 

        Registrou-se tumulto na multidão de mais de duzentos curiosos que, a essa hora ocupava toda a rua e as calçadas: era a polícia. O carro negro investiu contra o povo e várias pessoas tropeçaram no corpo de Dario, que foi pisoteado dezessete vezes.

        O guarda aproximou-se do cadáver e não pôde identificá-lo – os bolsos vazios. Restava apenas a aliança de ouro na mão esquerda, que ele próprio – quando vivo – não podia retirar do dedo senão umedecendo-o com o sabonete. Ficou decidido que o caso era com o rabecão.

         A última boca repetiu – “Ele morreu, ele morreu”, e então a gente começou a se dispersar. Dario havia levado quase duas horas para morrer e ninguém acreditara que estivesse no fim. Agora, os que podiam olhá-lo, viam que tinha todo o ar de um defunto.

         Um senhor piedoso despiu o paletó de Dario para lhe sustentar a cabeça. Cruzou as suas mãos no peito. Não lhe pôde fechar os olhos ou a boca, onde as bolhas de espuma haviam desaparecido. Era apenas um homem morto e a multidão se espalhou rapidamente, as mesas do café voltaram a ficar vazias. Demoravam-se nas janelas alguns moradores, que haviam trazido almofadas para descansar os cotovelos.

         Um menino de cor e descalço veio com uma vela, que acendeu ao lado do cadáver. Parecia morto há muitos anos, quase o retrato de um morto desbotado pela chuva.

         Fecharam-se uma a uma as janelas e, três horas depois, lá estava Dario esperando o rabecão. A cabeça agora na pedra, sem o paletó, e o dedo sem a aliança. A vela tinha queimado até a metade, apagando-se às primeiras gotas da chuva, que voltava a cair.

TREVISAN, Dalton. Cemitério de elefantes . Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1964, p.33-35.

A mudança da oração “Mas não se via guarda-chuva ou cachimbo ao lado dele.” para a voz passiva analítica implicará:

Alternativas
Comentários
  • GABARITO: A

    Mas não se via guarda-chuva ou cachimbo ao lado dele.

    Mas guarda-chuva ou cachimbo não eram vistos ao lado dele

    a) GABARITO

    b) a forma verbal da passiva analítica é SER + PARTICÍPIO

    c) "guarda-chuva ou cachimbo" é o sujeito

    d) não tem agente da passiva

    e) tempo verbal inadequado. o correto é "eram vistos" no pretérito imperfeito do indicativo

  • Nesta questão, trata-se das vozes verbais, que podem ser três:

    I - Ativa (o sujeito pratica a ação)

    a) Nós chegamos tarde;

    b) Saímos cedo;

    c) Ele e ela avançaram o sinal vermelho;

    II - Passiva (o sujeito é alvo da ação)

    → Sintética (apresenta partícula "se")

    a) Compraram-se roupas novas (roupas novas foram compradas);

    b) Usam-se ônibus velhos para transportes (ônibus velhos são usados para transporte);

    c) Naquele fatídico verão, fizeram-se as pazes (As pazes foram feitas naquele fatídico verão).

    → Analítica (apresenta verbo "ser" mais um verbo no particípio e o agente da passiva, este que pode ser omitido)

    a) Os carros foram comprados por homens abastados;

    b) Todas as disciplinas devem ser estudadas pelos estudantes;

    c) Os peixes foram resgatados da pesca ilegal pela polícia especializada;

    d) O carro foi roubado;

    e) A escola foi quebrada;

    f) O réu é condenado;

    g) Eu serei enganado.

    III - Reflexiva (o sujeito pratica e recebe a ação e haverá a presença de um pronome átono ("me", "te", "se", "nos" ou "vos")

    a) Ele banhou-se no rio gelado;

    b) Raquel penteou-se frente à penteadeira;

    c) Feri-me com uma faca pontiaguda.

    → Reflexiva recíproca (há mais de um sujeito praticando e recebendo a ação)

    a) Homens e mulheres se matavam sem razão;

    b) Os carros e as motos se chocaram;

    c) Os noivos se casaram.

    Ao converter a frase à voz passiva analítica, certos termos da voz ativa passam a exercer outras funções. Veja:

    "Mas não se via guarda-chuva ou cachimbo ao lado dele." → voz ativa

    "Mas guarda-chuva ou cachimbo não eram vistos ao lado dele." → voz passiva

    Inspecionemos as alternativas:

    a) transposição de GUARDA-CHUVA OU CACHIMBO para o sujeito.

    Correto. O objeto direto da voz ativa (guarda-chuva ou cachimbo) passa ao papel de sujeito na voz passiva;

    b) em que se use a forma verbal VIAM-SE.

    Incorreto. Na voz passiva analítica, deve haver o verbo "ser" e um particípio. A forma verbal "viam-se" é o plural do verbo da voz ativa "se via";

    c) a utilização de LADO DELE como sujeito.

    Incorreto. O sujeito da voz passiva é objeto direto da voz ativa. No caso em tela, "guarda-chuva ou cachimbo";

    d) em que o agente da passiva seja GUARDA-CHUVA.

    Incorreto. Não há agente da passiva. Este termo frequentemente pode ser suprimido da estrutura;

    e) a utilização da forma verbal FORAM VISTOS.

    Incorreto. A locução verbal da voz passiva tem de corresponder ao tempo e modo do verbo da voz ativa. Note que "via" está no pretérito imperfeito, bem como o verbo "ser" (eram) da voz passiva.

    Letra A

  • Não concordo. A letra A é a menos pior, mas "guarda-chuva ou cachimbo" é sujeito paciente na oração do enunciado. O verbo ver é VTD e o pronome se é partícula apassivadora. Então não faz sentido falar em transposição.

    A oração do enunciado é similar a: "Via-se guarda-chuva ou cachimbo.." mas com a negação ocorreu a próclise. Verbo no singular pela ideia de exclusão do OU.

  • "são vistos" não altera o tempo verbal.

    "foram vistos" altera.