Texto 3
que da vida não se descreve...
Eu me recordo daquele dia. O professor de redação me desafiou a descrever o sabor da laranja. Era dia de prova e
o desafio valeria como avaliação final. Eu fiquei paralisado por um bom tempo, sem que nada fosse registrado no
papel. Tudo o que eu sabia sobre o gosto da laranja não podia ser traduzido para o universo das palavras. Era um
sabor sem saber, como se o aprimorado do gosto não pertencesse ao tortuoso discurso da epistemologia e suas
definições tão exatas. Diante da página em branco eu visitava minhas lembranças felizes, quando na mais tenra
infância eu via meu pai chegar em sua bicicleta Monark, trazendo na garupa um imenso saco de laranjas. A cena era
tão concreta dentro de mim, que eu podia sentir a felicidade em seu odor cítrico e nuanças alaranjadas. A vida feliz,
parte miúda de um tempo imenso; alegrias alojadas em gomos caudalosos, abraçados como se fossem grandes
amigos, filhos gerados em movimento único de nascer. Tudo era meu; tudo já era sabido, porque já sentido. Mas
como transpor esta distância entre o que sei, porque senti, para o que ainda não sei dizer do que já senti? Como falar
do sabor da laranja, mas sem com ele ser injusto, tornando-o menor, esmagando-o, reduzindo-o ao bagaço de
minha parca literatura?
Não hesitei. Na imensa folha em branco registrei uma única frase. "Sobre o sabor eu não sei dizer. Eu só sei sentir!"
Eu nunca mais pude esquecer aquele dia. A experiência foi reveladora. Eu gosto de laranja, mas até hoje ainda me
sinto inapto para descrever o seu gosto. O que dele experimento pertence à ordem das coisas inatingíveis.
Metafísica dos sabores? Pode ser...
O interessante é que a laranja se desdobra em inúmeras realidades. Vez em quando, eu me pego diante da vida
sofrendo a mesma angústia daquele dia. O que posso falar sobre o que sinto? Qual é a palavra que pode alcançar,
de maneira eficaz, a natureza metafísica dos meus afetos? O que posso responder ao terapeuta, no momento em
que me pede para descrever o que estou sentindo? Há palavras que possam alcançar as raízes de nossas
angústias?
Não sei. Prefiro permanecer no silêncio da contemplação. É sacral o que sinto, assim como também está revestido
de sacralidade o sabor que experimento. Sabores e saberes são rimas preciosas, mas não são realidades que
sobrevivem à superfície.
Querer a profundidade das coisas é um jeito sábio de resolver os conflitos. Muitos sofrimentos nascem e são
alimentados a partir de perguntas idiotas.
Quero aprender a perguntar menos. Eu espero ansioso por este dia. Quero descobrir a graça de sorrir diante de tudo
o que ainda não sei. Quero que a matriz de minhas alegrias seja o que da vida não se descreve...
Extraído: http://pensador.uol.com.br/textos_reflexivos_para_o_professor/
“Como não se viam há algum tempo, logo que se encontraram no trânsito, os amigos ficaram felizes e
puderam conversar um pouco.”
Considerando as palavras sublinhadas no fragmento acima, indique a alternativa que contém a relação
semântica, na sequência, de cada uma delas: