SóProvas


ID
4122934
Banca
IDECAN
Órgão
Prefeitura de Apiacá - ES
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

A língua como ela é

    Nos últimos dias tive uma experiência muito gratificante cumprindo o meu papel de professora de língua portuguesa – sim, gosto de enfatizar que dou aula de língua e não de gramática da língua. Pois é, nos últimos dias ensinei a nossa língua portuguesa a estrangeiros ávidos por aprender o idioma oficial do país que sediou o maior evento esportivo do planeta. São pessoas de todas as partes com um objetivo em comum: interagir, comunicar-se em português.
   Como práxis, nas aulas iniciais, ensinamos o verbo “ser” e “estar”; para nós brasileiros, o famoso e enfadonho verbo to be das aulinhas de inglês. Então, a lição inicial é fazer com que os iniciantes entendam a diferença entre ambos os verbos, já que na língua do Tio Sam tal diferença só é percebida no contexto comunicativo. As explicações acontecem com exemplos reais, a fim de mostrar-lhes a língua como ela é.
    Nas aulas para estrangeiros o “tu” e o “vós” são abolidos, completamente descartados, e isso é o sonho linguístico de toda e qualquer criança brasileira. Imaginem o tormento: conjugação do verbo “ir”, no presente do indicativo “tu vais”, “vós ides” e a criança inconformada e chorosa pergunta: “Mãe, alguém fala isso? Eu não falo”. Pois é, sábia conclusão! A criança, com seu conhecimento linguístico inato, não reconhece o idioma descrito na Gramática e intui que aquelas conjugações trarão uma imensa dor de cabeça e possíveis notas vermelhas.
   A língua como ela é não se apresenta, com pretérito-mais-que-perfeito, como insiste a Gramática Normativa e seus exemplos surreais: “O vento fechou a porta que o vento abrira.” Abrira?
   Com o futuro também temos problemas. Não, não sou vidente, não me refiro ao amanhã, refiro-me ao tempo gramatical. Ele, como a GN sugere, não participa dos nossos planos, visto que um casal, ao sonhar com o ninho de amor, não enrola a língua para conjugar o verbo “querer” e, em vez de dizer “Nós quereremos um apartamento de frente para o mar”, usam a corriqueira forma composta “Vamos querer...”. A partir disso, façamos uma reflexão: por que não mostrar aos nossos pupilos os tempos verbais no contexto da nossa realidade linguística? O tempo futuro pode ser dito com a forma composta (verbo auxiliar no presente + verbo principal no infinito) acompanhada pelo advérbio de tempo que situa a ideia. Sendo assim, dizemos: “Vou viajar amanhã”. E falar assim é menos futuro? É tanto quanto em “Viajarei amanhã”, com o detalhe de que está caindo em desuso na fala do dia a dia.
    Ah! Como é gostoso ensinar a língua viva! Aquela que não está engessada nos compêndios gramaticais! Porém, os gramáticos que elaboram tais manuais afirmariam categoricamente: ensinar português para estrangeiros é diferente de ensinar português a uma criança nativa, afinal, ela já sabe português. Concordo! Claro que não precisamos ensinar as diferenças entre ser e estar, levar e trazer, conhecer e saber, confusões típicas de um aprendiz não nativo.
    Sugerir e advogar a favor do ensino real da língua significa retirar o que não é utilizado ou é raramente visto na escrita, é ignorar regras inúteis que não influenciam na compreensão da língua. Um exemplo clássico é o pronome oblíquo no começo da oração. Os puristas da língua consideram um erro crasso, mas que mal pode haver em dizer “Me empresta o seu livro do Veríssimo”? E por que não escrever assim também? É uma tendência nossa o uso da próclise, enquanto os portugueses preferem a ênclise. O nosso olhar para com os fenômenos linguísticos se compara ao estudo de um biólogo ou de um botânico, que não diz que aquela flor é mais ou menos bela por causa do formato das pétalas ou da coloração. Falar “empresta-me” não é mais ou menos bonito, é diferente, e em ambos os casos a comunicação acontece.
    Portanto, a minha singela conclusão é que precisamos de gramáticas que não tenham espaço para mesóclise, pronome possessivo “vosso”, lista de substantivos coletivos, tipos de sujeito e predicado, enfim, uma série de bobagens e gramatiquices que não ensinamos para os estrangeiros, porque não são relevantes para comunicação, também porque não fazem parte da língua como ela é.

(Disponível em http://conhecimentopratico.uol.com.br/linguaportuguesa/gramatica-ortografia/53/artigo344826-1.asp. Acesso em: 08 set 2016.)

Analise o fragmento a seguir. “... uma série de bobagens e gramatiquices que não ensinamos para os estrangeiros, porque não são relevantes para comunicação, também porque não fazem parte da língua como ela é.” (8º§)

I. A primeira ocorrência do termo “porque” introduz ideia de explicação para o fato de não se ensinar conteúdos gramaticais para estrangeiros.
II. O primeiro “porque” pode ser substituído pelo termo “conquanto” e o segundo pelo termo “porquanto”, sem provocar alteração de sentido no texto.
III. Os articuladores “porque”, em ambas as ocorrências, apresentam o mesmo valor semântico ao introduzirem ideia de causa.
IV. O segundo “porque” poderia ser escrito separado e sem acento (por que), sem que tal alteração ferisse os princípios na norma culta escrita no contexto em questão.

Está(ão) correta(s) apenas a(s) afirmativa(s)

Alternativas
Comentários
  • Em linhas resumidas, a questão requereu do aluno o reconhecimento do valor semântico da conjunção "porque". Em cada item, a temática, embora se diferencie, apresenta como núcleo a análise da conjunção "porque".

    “... uma série de bobagens e gramatiquices que não ensinamos para os estrangeiros, porque não são relevantes para comunicação, também porque não fazem parte da língua como ela é.”

    I. A primeira ocorrência do termo “porque” introduz ideia de explicação para o fato de não se ensinar conteúdos gramaticais para estrangeiros. 

    Incorreto. Tratando-se da conjunção "porque", nem sempre é fácil discriminar a oração coordenada explicativa da subordinada causal, pois com muita frequência é dificultoso traçar linhas rigorosas de demarcação entre os dois campos de ideia. Evanildo Bechara sugere abandonar essa distinção. Outra estudiosa, Maria Tereza Piacentini, no livro "Só Vírgula — Método Fácil em Vinte Lições", parece desde já, extraoficialmente, tomar a conjunção "porque" por causal/explicativa independente do contexto, seguindo, assim, a orientação de Bechara. De toda forma, a banca preferiu separar os conceitos. Há também entre os gramáticos quem se incline a fazê-lo, a exemplo de Antônio Suárez Abreu em "Gramática Integral da Língua Portuguesa". Havendo dúvida quanto uma ou outra classificação, ensina o autor inverter as orações. Se o sentido conservar-se, será oração subordinada adverbial causal (o "porque", pois, será conjunção causal). Em contrapartida, havendo impossibilidade de inversão, será oração coordenada explicativa (o "porque", portanto, será conjunção explicativa). Leia a reescritura do período:

    "Porque não são relevantes para comunicação, também porque não fazem parte da língua como ela é, uma série de bobagens e gramatiquices não ensinamos para os estrangeiros."

    Feitas as devidas alterações, a reescritura preserva o sentido original. Destarte, afirma-se: as duas orações introduzidas pela conjunção "porque" são subordinadas adverbiais causais e a conjunção "porque" tem valor de causa.

    II. O primeiro “porque” pode ser substituído pelo termo “conquanto” e o segundo pelo termo “porquanto”, sem provocar alteração de sentido no texto. 

    Incorreto. Ambas as substituições propostas não conservam o sentido original do texto em vista do valor semântico discrepar significativamente: a conjunção "porque", nas duas passagens, tem valor causal; por seu turno, "conquanto" tem valor concessivo e "porquanto", conclusivo.

    III. Os articuladores “porque”, em ambas as ocorrências, apresentam o mesmo valor semântico ao introduzirem ideia de causa. 

    Correto. Vide o item I para melhor entendimento.

    IV. O segundo “porque” poderia ser escrito separado e sem acento (por que), sem que tal alteração ferisse os princípios na norma culta escrita no contexto em questão.

    Incorreto. É conjunção e deve ser grafada unida. O "por que", separado e sem acento, indica sempre pergunta direta ou indireta ou pode ser trocado por "pelo(s)/pela(s) qual(is)".

    Letra B

  • LETRA B

    I - ERRADO: Exprime a ideia da irrelevância da explicação de certos conteúdos gramaticais por serem irrelevantes.

    II ERRADO: CONQUANTO = Conjunção subordinativa concessiva (consequência); PORQUANTO = Conjunção subordinativa causal. E no caso, ambos os "porquês" exprimem ideia de causa.

    III - CERTO: Ambos os "porquês exprimem ideia de causa.

    IV - ERRADO: POR QUÊ = Final de frase ou oração.

    As questões de português dessa banca não são para amadores.

    Vamos seguir fortes colegas!

  • Uma dica:

    Nas causais, em alguns casos, é possível substituir o "porque" pela preposição " por" e colocar o verbo no infinitivo sem perder o sentido.

     uma série de bobagens e gramatiquices que não ensinamos para os estrangeiros, por não serem relevantes para comunicação.

    ou

    inverte a ordem e introduz com " como".

    como não eram relevantes para a comunicação, não ensinamos para os estrangeiros.

  • GABARITO: LETRA B.

    “... uma série de bobagens e gramatiquices que não ensinamos para os estrangeiros, porque não são relevantes para comunicação, também porque não fazem parte da língua como ela é.” (8o§)

    I. A primeira ocorrência do termo “porque” introduz ideia de explicação para o fato de não se ensinar conteúdos gramaticais para estrangeiros. - ERRADO.

    Na verdade, o primeiro "porque" introduz ideia de causa, e não de explicação.

    II. O primeiro “porque” pode ser substituído pelo termo “conquanto” e o segundo pelo termo “porquanto”, sem provocar alteração de sentido no texto. ERRADO.

    "Porque" é uma conjunção subordinativa causal, enquanto "conquanto" é uma conjunção subordinativa concessiva, de modo que não se pode substituir uma pela outra. Já o segundo termo poderia ser substituído por "porquanto", haja vista que ambos são conjunções causais.

    III. Os articuladores “porque”, em ambas as ocorrências, apresentam o mesmo valor semântico ao introduzirem ideia de causa. - CERTO.

    Ambos os porquês são conjunções subordinativas causais, portanto introduzem o mesmo valor semântico.

    IV. O segundo “porque” poderia ser escrito separado e sem acento (por que), sem que tal alteração ferisse os princípios na norma culta escrita no contexto em questão. - ERRADO.

    O segundo porquê é uma conjunção subordinativa causal, de modo que deve ser escrito junto e sem acento.

  • alguém me explica o motivo da I está errada