SóProvas


ID
4164448
Banca
IDECAN
Órgão
CREF - 5ª Região
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

A arte de ser avó 

    Netos são como heranças: você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso, de repente lhe caem do céu. É, como dizem os ingleses, um ato de Deus. Sem se passarem as penas do amor, sem os compromissos do matrimônio, sem as dores da maternidade. E não se trata de um filho apenas suposto, como o filho adotado: o neto é realmente o sangue do seu sangue, filho de filho, mais filho que o filho mesmo...
    E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis – nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choro, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino seu que lhe é “devolvido”. E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo e decepção se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor recalcado que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração. 
    Sim, tenho certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis.
    No entanto – no entanto! – nem tudo são flores no caminho da avó. Há, acima de tudo, o entrave maior, a grande rival: a mãe. Não importa que ela, em si, seja sua filha. Não deixa por isso de ser a mãe do garoto. Não importa que ela, hipocritamente, ensine o menino a lhe dar beijos e a lhe chamar de “vovozinha”, e lhe conte que de noite, às vezes, ele de repente acorda e pergunta por você. São lisonjas, nada mais. No fundo ela é rival mesmo. Rigorosamente, nas suas posições respectivas, a mãe e a avó representam, em relação ao neto, papéis muito semelhantes ao da esposa e da amante dos triângulos conjugais. A mãe tem todas as vantagens da domesticidade e da presença constante. Dorme com ele, dá-lhe de comer, dá-lhe banho, veste-o. Embala-o de noite. Contra si tem a fadiga da rotina, a obrigação de educar e o ônus de castigar.
    Já a avó, não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance e do imprevisto. Mora em outra casa. Traz presentes. Faz coisas não programadas. Leva a passear, “não ralha nunca”. Deixa lambuzar de pirulitos. Não tem a menor pretensão pedagógica. É a confidente das horas de ressentimento, o último recurso nos momentos de opressão, a secreta aliada nas crises de rebeldia. Uma noite passada em sua casa é uma deliciosa fuga à rotina, tem todos os encantos de uma aventura. Lá não há linha divisória entre o proibido e o permitido, antes uma maravilhosa subversão da disciplina. Dormir sem lavar as mãos, recusar a sopa e comer croquetes, tomar café – café! –, mexer no armário da louça, fazer trem com as cadeiras da sala, destruir revistas, derramar a água do gato, acender e apagar a luz elétrica mil vezes se quiser. Riscar a parede com o lápis dizendo que foi sem querer – e ser acreditado! Fazer má-criação aos gritos e, em vez de apanhar, ir para os braços da avó, e de lá escutar os debates sobre os perigos e os erros da educação moderna...
    E o misterioso entendimento que há entre avó e neto, na hora em que a mãe o castiga, e ele olha para você, sabendo que se você não ousa intervir abertamente, pelo menos lhe dá sua incondicional cumplicidade... 
    Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou porque o menininho – involuntariamente! – bateu com a bola nele. Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beiço pronto para o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque “ninguém” se zangou, o culpado foi a bola mesma, não foi, Vó? Era um simples boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem dinheiro que pague...

(QUEIROZ, Rachel. – Elenco de cronistas modernos – 25ª ed. – Rio de Janeiro: José Olympio, 2013 – Texto adaptado.)

Analise as justificativas para o emprego da vírgula nas seguintes orações e assinale a INCORRETA.

Alternativas
Comentários
  • A questão em tela exige o conhecimento do uso da vírgula. Teremos que assinalar como resposta a alternativa que o termo entre parenteses dá uma explicação INCORRETA quanto ao uso da vírgula na frase. Vejamos:

    a) " É, como dizem os ingleses, um ato de Deus.” (1º§) – separar termos explicativos.

    Correta. O termo que está cercado pela dupla vírgula acrescenta uma ideia de explicação e está em sua ordem deslocada.

    Ordem direta: É um ato de Deus, (segundo, conforme, consoante) como dizem os ingleses.

    Temos uma uma oração subordinada adverbial de conformidade e não explicativa. A banca aceitou como se fosse explicativa.

    Elemento explicativo seria assim: João comeu o bolo todo, isto é, comeu mais do que podia.

    b) “Dorme com ele, dá-lhe de comer, dá-lhe banho, veste-o.” (4º§) – separar elementos enumerativos.

    Correta. A vírgula está separando orações coordenadas e não elementos enumerativos.

    Elemento enumerativo: João comeu o bolo, o pão e a sobremesa. (todos são objetos diretos), assim está enumerando elementos.

    c) “... que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis.” (3º§) – separar vocativo.

    Incorreta. Não há vocativo, pois o vocativo existe quando há um chamamento. Ex: Maria, estou aqui.

    O termo "nostálgico" vem para explicar o "lugar vazio", ou seja, aposto.

    d) “Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações:...” (7º§) – separar oração coordenada sindética.

    Correta. Temos a vírgula separando uma oração coordenada sindética de adversidade.

    Notem que a conjunção "mas" dá um sentido controverso ao que aconteceu na primeira oração antes da vírgula.

    GABARITO DA BANCA: C

    GABARITO DO MONITOR: A,B e C.

  • A A também é errada, na minha opinião. Os termos dão um sentido de conformidade, sendo equivalentes a É, em conformidade com o que dizem os ingleses, um ato de Deus. São, portanto, uma oração adverbial conformativa. Para serem explicativos, os termos deveriam formar uma oração adjetiva explicativa, cuja característica mais forte é um pronome relativo após a vírgula, explicando os termos anteriores. Em vez disso, o que temos é um conjunto de termos que indica conformidade. A questão, portanto, é nula.

  • GABARITO C

    Comentário do monitor do Qconcursos:

    a) " É, como dizem os ingleses, um ato de Deus.” (1º§) – separar termos explicativos.

    Correta. O termo que está cercado pela dupla vírgula acrescenta uma ideia de explicação e está em sua ordem deslocada.

    Ordem direta: É um ato de Deus, (segundo, conforme, consoante) como dizem os ingleses.

    Temos uma uma oração subordinada adverbial de conformidade e não explicativa. A banca aceitou como se fosse explicativa.

    Elemento explicativo seria assim: João comeu o bolo todo, isto é, comeu mais do que podia.

    b) “Dorme com ele, dá-lhe de comer, dá-lhe banho, veste-o.” (4º§) – separar elementos enumerativos.

    Correta. A vírgula está separando orações coordenadas e não elementos enumerativos.

    Elemento enumerativo: João comeu o bolo, o pão e a sobremesa. (todos são objetos diretos), assim está enumerando elementos.

    c) “... que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis.” (3º§) – separar vocativo.

    Incorreta. Não há vocativo, pois o vocativo existe quando há um chamamento. Ex: Maria, estou aqui.

    O termo "nostálgico" vem para explicar o "lugar vazio", ou seja, aposto.

    d) “Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações:...” (7º§) – separar oração coordenada sindética.

    Correta. Temos a vírgula separando uma oração coordenada sindética de adversidade.

    Notem que a conjunção "mas" dá um sentido controverso ao que aconteceu na primeira oração antes da vírgula.

  • Alternativa "C" está incorreta pois vocativo é um chamamento, a frase está totalmente dissociada.

  • A) errada - Confirmativa deslocado

    B) errada - separando orações

    C) errada - Não há vocativo

    D) correta - serapa coordenativa sindetica adversativa

  • Entendi que em "B" a virgula separava orações e não termos enumerativos e que a "C" de fato não era um vocativo, mas um aposto explicativo, logo, teriam suas alternativas como respostas. Sigo sem entender pq apenas "C" está errada..

  • Essa banca é uma piada!

  • Entendi que a alternativa A é um aposto explicativo.

    Gab. C - pois não tem vocativo.

  • Mas que banca escrot** essa questão é pra ser anulada.

  • Não custa revisar...

    Sindéticas: são orações coordenadas introduzidas por conjunção.

    Exemplo: Deve ter chovido à noite, pois o chão está molhado. - 

    Assindéticas: são as orações coordenadas que não são introduzidas por conjunção.

    Exemplo: Tudo passa, tudo corre: é a lei.

  • a) “É, como dizem os ingleses, um ato de Deus.” (1º§) – separar termos explicativos. Correta. A expressão "como dizem os ingleses" está sendo usada para separar os termos explicativos. Note que essas informações ampliam o sentido, mas podem ser retiradas: "É um ato de Deus"

    b) “Dorme com ele, dá-lhe de comer, dá-lhe banho, veste-o.” (4º§) – separar elementos enumerativos. Correta. Na oração, temos uma enumeração.

    c) “... que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis.” (3º§) – separar vocativo. Incorreta.

    O uso da vírgula como vocativo é para separar a invocação de alguém.

    d)"Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações:...” (7º§) – separar oração coordenada sindética. Correta. São orações ligadas por conjunções que podem ser: adversativas, aditivas, concessivas...

    #vousernomeado

  • A letra A não expressa conformidade ao invés de ser uma explicação?
  • Sindéticas: são orações coordenadas introduzidas por conjunção.

    Exemplo: Deve ter chovido à noite, pois o chão está molhado. - 

    Assindéticas: são as orações coordenadas que não são introduzidas por conjunção.

    Exemplo: Tudo passa, tudo corre: é a lei.