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ID
4966351
Banca
VUNESP
Órgão
MPE-ES
Ano
2013
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

    É, suponho que é em mim, como um dos representantes de nós, que devo procurar por que está doendo a morte de um facínora. E por que é que mais me adianta contar os treze tiros que mataram Mineirinho do que os seus crimes. Perguntei a minha cozinheira o que pensava sobre o assunto. Vi no seu rosto a pequena convulsão de um conflito, o mal-estar de não entender o que se sente, o de precisar trair sensações contraditórias por não saber como harmonizá-las. Fatos irredutíveis, mas revolta irredutível também, a violenta compaixão da revolta. Sentir-se dividido na própria perplexidade diante de não poder esquecer que Mineirinho era perigoso e já matara demais; e no entanto nós o queríamos vivo. A cozinheira se fechou um pouco, vendo-me talvez como a justiça que se vinga. Com alguma raiva de mim, que estava mexendo na sua alma, respondeu fria: “O que eu sinto não serve para se dizer. Quem não sabe que Mineirinho era criminoso? Mas tenho certeza de que ele se salvou e já entrou no Céu”. Respondi-lhe que “mais do que muita gente que não matou”.

    Por quê? No entanto a primeira lei, a que protege corpo e vida insubstituíveis, é a de que não matarás. Ela é a minha maior garantia: assim não me matam, porque eu não quero morrer, e assim não me deixam matar, porque ter matado será a escuridão para mim.

    Esta é a lei. Mas há alguma coisa que, se me fez ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina – porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro.

    Essa justiça que vela meu sono, eu a repudio, humilhada por precisar dela. Enquanto isso durmo e falsamente me salvo. Nós, os sonsos essenciais.

    Até que treze tiros nos acordem, e com horror digo tarde demais – vinte e oito anos depois que Mineirinho nasceu – que ao homem acuado, que a esse não nos matem. Porque sei que ele é o meu erro. E de uma vida inteira, por Deus, o que se salva às vezes é apenas o erro, e eu sei que não nos salvaremos enquanto nosso erro não nos for precioso. Meu erro é o meu espelho, onde vejo o que em silêncio eu fiz de um homem. Meu erro é o modo como vi a vida se abrir na sua carne e me espantei, e vi a matéria de vida, placenta e sangue, a lama viva.

    Em Mineirinho se rebentou o meu modo de viver. Como não amá-lo, se ele viveu até o décimo terceiro tiro o que eu dormia? Sua assustada violência. Sua violência inocente – não nas consequências, mas em si inocente como a de um filho de quem o pai não tomou conta.

(Clarice Lispector, Para não esquecer. Adaptado)

Assinale a alternativa correta quanto à colocação pronominal e à concordância nominal, de acordo com a norma-padrão.

Alternativas
Comentários
  • A)Nos salvaremos mesmo errando? Não sei. A morte de Mineirinho me deixou meia perdida.

    → Não se pode iniciar frase com pronome oblíquo átono.

    B)Tivemos, com o primeiro e o segundo tiros, a sensação de segurança; ficamos alertas com o terceiro e, quando deu-se o quarto, ficamos desassossegado.

    → O pronome é atraído pela conjunção subordinativa adverbial temporal quando, portanto deveria ser usado em próclise e não em ênclise.

    C)Se treze tiros acordam-nos, com horror e tarde demais, ficamos acuado, sem saber se também matarão-nos da mesma forma.

    → O adjetivo, está exercendo a função de predicativo do sujeito, o sujeito é oculto nós, portanto o verbo deveria estar concordando com a pessoa gramatical nos, ficando acuados.

    D)Se rebentou em Mineirinho o meu modo de viver. Por isso, como não o amar? Ele viveu até o décimo terceiro tiro o que eu mesmo dormia.

    → Mesmo erro da letra A.

    E)Vinga-se a justiça, conforme se vê, de forma estranha. Quaisquer que sejam as causas, porém, acho que sempre se pode salvar nossa alma.

    → Correto.

    GABARITO. E

  • Assertiva E

    colocação pronominal e à concordância nominal = Vinga-se a justiça, conforme se vê, de forma estranha. Quaisquer que sejam as causas, porém, acho que sempre se pode salvar nossa alma.

  • a) Nos salvaremos mesmo errando? Não sei. A morte de Mineirinho me deixou meia perdida.

    Incorreto. Há dois erros: o pronome oblíquo átono não pode encabeçar o período e a flexão da palavra "meia" está inadequada, tendo em vista ser um advérbio. Correção: "Salvar-nos-emos" e "meio perdida";

    b) Tivemos, com o primeiro e o segundo tiros, a sensação de segurança; ficamos alertas com o terceiro e, quando deu-se o quarto, ficamos desassossegado.

    Incorreto. O pronome oblíquo átono "se" não pode aparecer em ênclise, tendo em vista que a conjunção subordinativa "quando" atrai para perto de si o pronome. Correção: "quando se deu o quarto". Obs.: A palavra "alertas", no plural, apresenta respaldo com base no VOLP, editado pela Academia Brasileira de Letras, que o registra não apenas como advérbio (nesse caso invariável), senão também como adjetivo (variável);

    c) Se treze tiros acordam-nos, com horror e tarde demais, ficamos acuado, sem saber se também matarão-nos da mesma forma.

    Incorreto. Há dois erros: flexão do adjetivo "acuado" e colocação do pronome "nos", que não pode estar em ênclise porque o verbo está no futuro do presente. Correções: "ficamos acuados" e "nos matarão";

    d) Se rebentou em Mineirinho o meu modo de viver. Por isso, como não o amar? Ele viveu até o décimo terceiro tiro o que eu mesmo dormia.

    Incorreto. O pronome oblíquo "se" não pode encabeçar o período. Correção: "Rebentou-se em Mineirinho";

    e) Vinga-se a justiça, conforme se vê, de forma estranha. Quaisquer que sejam as causas, porém, acho que sempre se pode salvar nossa alma.

    Correto. Toda a redação está livre de erros no que se refere à concordância e colocação pronominal.

    Letra E

  • Complemento...

    a) Nos salvaremos mesmo errando? Não sei. A morte de Mineirinho me deixou meia perdida.

    1) Não iniciamos com pronome

    2) A palavra meio, quando significa “metade”, é numeral. Deve concordar com o substantivo a que se refere: “Bebeu meio litro de uísque”; “Bebeu meia garrafa de cerveja”

    Meio quando advérbio é invariável.

    ex: Meio nervosa, meio perdida.

    Bons estudos!

  • o erro da alternativa C é o verbo acuar, pois o correto seria "acuados", concordando com o verbo "ficamos"

  • letra E enclise oracação iniciada por verbo