SóProvas


ID
5010301
Banca
IDIB
Órgão
CRM-MT
Ano
2020
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

TEXTO I

Eu adoraria

    Os brasileiros, creio que preferimos sempre o futuro do pretérito. “Eu gostaria”, “eu faria”, “eu suportaria”... Os donos originais da língua de Camões elegem o pretérito imperfeito: “eu gostava”. Nosso condicional, talvez, seja uma possibilidade de adiar o fato ou a decisão, pois quase sempre é seguido de elementos adversativos ou condições: “eu faria, se...” “Eu tentaria, mas...” A comunicação tupiniquim tem o traço da omissão do eu objetivo que promete fazer uma tarefa específica e com data marcada. Isso explica tantos condicionais e nosso clássico gerundismo. “-Ia” e “-endo” são terminações que possibilitam adiar minha ação até a segunda vinda do Messias (se você for cristão) ou a primeira (se você seguir o judaísmo).

    Sou brasileiro nato e não escapo do miasma do futuro do pretérito que emana das “praias do Brasil ensolaradas”. O mais grave é enfrentar o choque entre o meu desejo condicional de melhora e a realidade concreta do presente do indicativo. Explico-me.

    Em uma quente sexta-feira na hora do almoço, fiz algo raríssimo, felizmente: fui a uma agência bancária. Eu tinha poucos minutos para resolver o problema e partir para o restante da jornada. Ao entrar no recinto, um fã pegou-me pelo braço. Era um senhor simpático de extração septuagenária, que desejava manifestar que acompanhava meu trabalho. Detalhe que só percebi minutos após: ele era gago. O que pode existir de pior para alguém que tem poucos minutos pela frente? Um fã gago. Minha pressa me empurrava e meu dever humano me segurava. Eu gostaria de ser menos impaciente com o olhar (aí entra o futuro do pretérito), eu desejaria ter escalonado minhas prioridades do dia (agenda é menos importante do que um ser humano) e eu “ia iria indo”, porém... não fui. Fui seco e disparei chispas visuais que minha falecida mãe classificava como “olhos de fogo”.

    Costumo dizer que sou um sábio do minuto seguinte, um virtuoso sem timing. Segundos após ter sido grosseiro, insensível, agressivo na voz ou arrogante, eu caio em plena consciência como o rei Cláudio, de Hamlet, rezando e tomado de remorso. Surge com clareza na minha mente o que eu deveria ter feito, como seria melhor se minha atitude fosse outra. Por que não consigo ter essa acuidade antes ou durante o ato? Sou um homem do futuro do pretérito.

    Trabalho em terapia um fato que me segue desde a infância. O que for preparado, previsto, estipulado e agendado é perfeito e sereno como um lago suíço. Lancei uma obra com a monja Coen (O inferno somos nós: do ódio à cultura de paz). Sabia, com semanas de antecedência, que seria um evento com muitas pessoas. Preparei-me para isso. A fila serpenteava pela rua e a livraria regurgitava, tomada de fãs ansiosos para ouvirem a monja e a mim. Depois de uma fala inicial, seguimos para o terceiro andar e iniciamos o rito: autógrafo, fotografia (o mais importante), uma pequena palavra com cada um. Posso estar enganado, porém imagino que, das 19h até o início da madrugada do dia seguinte, quando o ordálio cessou, fui simpático, sorridente, solícito com todas e todos. Eu estava lá para aquilo, era minha missão e eu me apresentava genuinamente feliz ao lado da budista e de tantas pessoas que tinham parado seus compromissos pessoais e profissionais para acompanhar a fala. Aquilo era o melhor de mim: o Leandro preparado para o momento. O pior de mim acontece em coisas fora do previsto, ou com muita fome, muita pressa ou focado em outro alvo. Esse é o momento do futuro do pretérito.

    Quem gosta muito de mim falará: “Leandro, você é humano, tem seus altos e baixos, tem irritações, é sobrecarregado e tem uma agenda exaustiva”. Adoro meus amigos e amo essas atenuantes diante do implacável juiz da minha consciência. Porém, eles estão errados a não ser pelo fato de me reconhecerem humano. Quero ser o que foi bom, não o que poderia ter sido. Sou uma pessoa com certa consciência e, como todo ser humano, dotado de livre-arbítrio. Sou perfectível, e não perfeito. A meta seria aproximar o condicional do pretérito perfeito. Não mais o que eu deveria ter feito, mas o que eu fiz. Nas diferenças de tempos está o detalhe da sabedoria. Ser sábio é moldar-se constantemente e superar o lado impulsivo e agressivo. Estar calmo quando se está bem é quase infantil. Falar com equilíbrio e amar o próximo quando o próximo e eu estamos em condições normais de temperatura e pressão é desafio insignificante. Imagine-se, cara leitora e estimado leitor, você sentada(o) em uma poltrona confortabilíssima, sem nenhum mal lhe afligindo, a temperatura ambiente está ideal e do seu lado a sua bebida preferida ao alcance da mão. Sua música preferida roda no volume ideal. Na cena idílica descrita, é raro o ser humano que esteja agressivo ou irritadiço. Se entra alguém, você responde com a voz calma e equilibrada de um lama do Himalaia. O mundo flui e você se deixa levar pelo átimo de felicidade do instante. Ser equilibrado assim está ao alcance de todas as pessoas. Comece a retirar as benesses, acrescente as adversidades, aumente a temperatura de forma desagradável e dê uma agenda extensa: o sábio vai dar lugar ao homem das cavernas.

    Minha meta é aproximar os tempos verbais. Meu propósito de sabedoria é compreender que há momentos em que manter a paz é fácil. Em outras ocasiões, muito complicado. Na tensão está o desafio a atingir. Superar o mundo ciclotímico ao meu redor e o meu. Ser verdadeiro e plenamente presente sempre ou na maioria das vezes. É o meu desafio. É o Leandro que eu desejaria e que desejo ver. Qual a sua meta?

KARNAL, Leandro. O coração das coisas. São Paulo: Contexto, 2019.

Na passagem “Ao entrar no recinto, um fã pegou-me pelo braço”, o pronome oblíquo destacado está enclítico em relação ao verbo, atendendo à norma padrão da Língua Portuguesa. Assinale a alternativa em que a posição do pronome oblíquo em relação ao verbo não atende à norma padrão da Língua Portuguesa.

Alternativas
Comentários
  • Creio que esteja sendo levada em consideração a locução verbal aqui. No caso, o POA só possui duas opções, ficar após o primeiro (ia-se) ou após o segundo (desenrolando-se).

  • C) Ia se desenrolando o mistério sobre os assassinatos.

    → O gerúndio é fator de ênclise, desde que não exista fator de próclise.

    GABARITO. C

  • Letra B também está errada porque o verbo no futuro do pretérito exige mesóclise O certo é julgá-lo-iam...

  • A Ênclise ocorrerá quando houver:

    Verbo no Infinitivo (terminado em "R")

    Verbo no Gerúndio (terminado em "NDO")

    Verbo no modo Imperativo Afirmativo.

    EX:

    "Espero deixar-te feliz!"

    "Tratando-se de política, prefiro não discutir"

    "Sente-se já!"

    Bons estudos, galera!

    Ah! antes que eu me esqueça, gostaria de indicar um canal no YouTube sobre Português.

    O canal é pequeno e recente, mas tem ótimas dicas, muito conteúdo e tem me ajudado bastante.

    Link :

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    Grande abraço, pessoal!

  • Obs:

    A Próclise com gerúndio quando :

    O gerúndio for precedido de preposição "em". Exemplos: 

    Em se tratando de negócios, você precisa falar com o gerente.

    Em se pensando em descanso, pensa-se em férias.

  • CUIDADO

    Há comentários que justificam a questão, mas não se atentam ao rigor da análise das alternativas.

    A) Dada a mim a justificativa, o funcionário simplesmente saiu da sala.

    Correta. Não são visualizados problemas de colocação pronominal na presente construção.

    B) Como o julgariam os chefes se soubessem do seu erro?

    Correta. Embora tenhamos verbo no futuro do pretérito , "julgariam", a colocação do pronome é corretamente proclítica devido à presença do adverbio "como" (assim agindo em construção interrogativa).

    C) Ia se desenrolando o mistério sobre os assassinatos.

    Incorreta. Aqui devemos nos atentar aos comentários de alguns colegas. Prescreve a norma culta que a colocação enclítica é obrigatória diante de orações reduzidas de gerúndio e de infinitivo, o que não se coaduna com a afirmação aqui feita por um estudante sobre o gerúndio ser fator de ênclise.

    Percebam que a obrigatoriedade de colocação enclítica está ligada à construção reduzida de gerúndio, ou de infinitivo, e não à simples presença de forma nominal do verbo.

    A incorreção da construção dá-se exclusivamente pela impossibilidade de utilizarmos a próclise ao verbo principal em locuções verbais, ainda que tal posição já seja criticada por alguns gramáticos, de modo que a construção em tela deveria estar grafada como "ia-se desenrolando" ou "ia desenrolando-se".

    D) O atendente veio interromper-me no meio da ligação.

    Correta. A mesma resolução sobre colocação pronominal em locuções verbais presente na alternativa anterior é aqui aplicável.

  • Gerúndio pede ênclise, desde que não se tenha um fator de próclise

  • A CONSEP discorda da C: Q1631912.

  • Quanta desinformação nos comentários!
  • Há uma locução verbal cujo verbo principal é um gerúndio. Além disso, tal locução está encabeçando o período. Diante da situação, há duas possíveis colocações pronominais: a que já está presente ou ênclise ao verbo principal.

    Monitor do Qconcursos

    GABARITO:C

  • Galera que escreve com muitas palavras difíceis, vcs não estão ajudando em nada. As pessoas que buscam respostas nos comentários muitas vezes querem um esclarecimento e não um monte de palavras que precise de um dicionário pra entender.

  • Quando tivermos uma locução verbal ( verbo auxiliar + verbo (principal) no gerúndio), e o pronome oblíquo vier depois do verbo auxiliar o mesmo deverá ser separado por hífen.

  •  "ia-se desenrolando" ou "ia desenrolando-se".

  • A COPESE discorda da C: Q1113921.

    O Instituto Excelência também: Q1313131.

  • Item C errado.

    Faltou um hífen.

    Ia-se desenrolando

    Próclise: Nunca use hífen. (Ex: Como o julgariam os chefes se soubessem...)

    Mesóclise: Sempre use hifens antes e depois do pronome. (Ex: Dir-lhe-ei toda a verdade.)

    Ênclise: Sempre use hifen antes do pronome. (Ex: O atendente veio interromper-me no meio...)

  • Estaria correto caso: Ia-se...OU ia desenrolando-se.
  • A letra B não está errada pois a palavra `como` é advérbio atrativo e está anteposto. Usa-se próclise.

  • Como= é adverbio interrogativo, sendo um fator de próclise

  • Como= é adverbio interrogativo, sendo um fator de próclise

    • Preposição (em) + Gerúndio = Próclise

    Ex: ... em se tratando de de facilidades

    • Sem preposição (em) anteposto + Gerúndio = Ênclise

    Até onde sei é isso.

  • dada a mim não é particípio e portando a ênclise da letra a não estaria errada?

  • o pronome pode vir antes, depois ou no meio* da locução verbal. Porém, se houver palavra

    atrativa, o pronome não pode estar no meio com hífen, pois isso indicaria que estaria em ênclise

    com o verbo auxiliar, quando, na verdade, ele só pode estar no meio por estar em próclise ao verbo

    principal.

    Não entendeu? Grave que nas locuções, se o pronome vier no meio, não pode ter hífen.

    Vamos elucidar essa regra com alguns exemplos:

    Ex: Eu lhe estou emprestando dinheiro.

    ✓ Ex: Eu estou lhe emprestando dinheiro.

    ✓ Ex: Eu estou-lhe emprestando dinheiro. NESSES EXEMPLOS NÃO HÁ PALAVRA ATRATIVA

    ✓ Ex: Eu estou emprestando-lhe dinheiro.

    ✓ Ex: Eu não lhe estou emprestando dinheiro. (o pronome está proclítico a “estou, verbo

    auxiliar”)

    ✓ Ex: Eu não estou emprestando-lhe dinheiro. (o pronome está enclítico a “emprestando”,

    verbo principal)

     Ex: Eu não estou-lhe emprestando dinheiro. (Errado porque o pronome, com hífen, estaria

    em ênclise com palavra atrativa obrigando próclise)

    FONTE: ESTRATÉGIA CONCURSOS.