SóProvas


ID
5010304
Banca
IDIB
Órgão
CRM-MT
Ano
2020
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

TEXTO I

Eu adoraria

    Os brasileiros, creio que preferimos sempre o futuro do pretérito. “Eu gostaria”, “eu faria”, “eu suportaria”... Os donos originais da língua de Camões elegem o pretérito imperfeito: “eu gostava”. Nosso condicional, talvez, seja uma possibilidade de adiar o fato ou a decisão, pois quase sempre é seguido de elementos adversativos ou condições: “eu faria, se...” “Eu tentaria, mas...” A comunicação tupiniquim tem o traço da omissão do eu objetivo que promete fazer uma tarefa específica e com data marcada. Isso explica tantos condicionais e nosso clássico gerundismo. “-Ia” e “-endo” são terminações que possibilitam adiar minha ação até a segunda vinda do Messias (se você for cristão) ou a primeira (se você seguir o judaísmo).

    Sou brasileiro nato e não escapo do miasma do futuro do pretérito que emana das “praias do Brasil ensolaradas”. O mais grave é enfrentar o choque entre o meu desejo condicional de melhora e a realidade concreta do presente do indicativo. Explico-me.

    Em uma quente sexta-feira na hora do almoço, fiz algo raríssimo, felizmente: fui a uma agência bancária. Eu tinha poucos minutos para resolver o problema e partir para o restante da jornada. Ao entrar no recinto, um fã pegou-me pelo braço. Era um senhor simpático de extração septuagenária, que desejava manifestar que acompanhava meu trabalho. Detalhe que só percebi minutos após: ele era gago. O que pode existir de pior para alguém que tem poucos minutos pela frente? Um fã gago. Minha pressa me empurrava e meu dever humano me segurava. Eu gostaria de ser menos impaciente com o olhar (aí entra o futuro do pretérito), eu desejaria ter escalonado minhas prioridades do dia (agenda é menos importante do que um ser humano) e eu “ia iria indo”, porém... não fui. Fui seco e disparei chispas visuais que minha falecida mãe classificava como “olhos de fogo”.

    Costumo dizer que sou um sábio do minuto seguinte, um virtuoso sem timing. Segundos após ter sido grosseiro, insensível, agressivo na voz ou arrogante, eu caio em plena consciência como o rei Cláudio, de Hamlet, rezando e tomado de remorso. Surge com clareza na minha mente o que eu deveria ter feito, como seria melhor se minha atitude fosse outra. Por que não consigo ter essa acuidade antes ou durante o ato? Sou um homem do futuro do pretérito.

    Trabalho em terapia um fato que me segue desde a infância. O que for preparado, previsto, estipulado e agendado é perfeito e sereno como um lago suíço. Lancei uma obra com a monja Coen (O inferno somos nós: do ódio à cultura de paz). Sabia, com semanas de antecedência, que seria um evento com muitas pessoas. Preparei-me para isso. A fila serpenteava pela rua e a livraria regurgitava, tomada de fãs ansiosos para ouvirem a monja e a mim. Depois de uma fala inicial, seguimos para o terceiro andar e iniciamos o rito: autógrafo, fotografia (o mais importante), uma pequena palavra com cada um. Posso estar enganado, porém imagino que, das 19h até o início da madrugada do dia seguinte, quando o ordálio cessou, fui simpático, sorridente, solícito com todas e todos. Eu estava lá para aquilo, era minha missão e eu me apresentava genuinamente feliz ao lado da budista e de tantas pessoas que tinham parado seus compromissos pessoais e profissionais para acompanhar a fala. Aquilo era o melhor de mim: o Leandro preparado para o momento. O pior de mim acontece em coisas fora do previsto, ou com muita fome, muita pressa ou focado em outro alvo. Esse é o momento do futuro do pretérito.

    Quem gosta muito de mim falará: “Leandro, você é humano, tem seus altos e baixos, tem irritações, é sobrecarregado e tem uma agenda exaustiva”. Adoro meus amigos e amo essas atenuantes diante do implacável juiz da minha consciência. Porém, eles estão errados a não ser pelo fato de me reconhecerem humano. Quero ser o que foi bom, não o que poderia ter sido. Sou uma pessoa com certa consciência e, como todo ser humano, dotado de livre-arbítrio. Sou perfectível, e não perfeito. A meta seria aproximar o condicional do pretérito perfeito. Não mais o que eu deveria ter feito, mas o que eu fiz. Nas diferenças de tempos está o detalhe da sabedoria. Ser sábio é moldar-se constantemente e superar o lado impulsivo e agressivo. Estar calmo quando se está bem é quase infantil. Falar com equilíbrio e amar o próximo quando o próximo e eu estamos em condições normais de temperatura e pressão é desafio insignificante. Imagine-se, cara leitora e estimado leitor, você sentada(o) em uma poltrona confortabilíssima, sem nenhum mal lhe afligindo, a temperatura ambiente está ideal e do seu lado a sua bebida preferida ao alcance da mão. Sua música preferida roda no volume ideal. Na cena idílica descrita, é raro o ser humano que esteja agressivo ou irritadiço. Se entra alguém, você responde com a voz calma e equilibrada de um lama do Himalaia. O mundo flui e você se deixa levar pelo átimo de felicidade do instante. Ser equilibrado assim está ao alcance de todas as pessoas. Comece a retirar as benesses, acrescente as adversidades, aumente a temperatura de forma desagradável e dê uma agenda extensa: o sábio vai dar lugar ao homem das cavernas.

    Minha meta é aproximar os tempos verbais. Meu propósito de sabedoria é compreender que há momentos em que manter a paz é fácil. Em outras ocasiões, muito complicado. Na tensão está o desafio a atingir. Superar o mundo ciclotímico ao meu redor e o meu. Ser verdadeiro e plenamente presente sempre ou na maioria das vezes. É o meu desafio. É o Leandro que eu desejaria e que desejo ver. Qual a sua meta?

KARNAL, Leandro. O coração das coisas. São Paulo: Contexto, 2019.

Em “Os donos originais da língua de Camões elegem o pretérito imperfeito: ‘eu gostava’”, a concordância verbal é estabelecida corretamente, atendendo à Norma Padrão da Língua Portuguesa.

Assinale a alternativa que também apresenta a correta concordância verbal, conforme a Norma Padrão da Língua Portuguesa.

Alternativas
Comentários
  • a) Mais de um escritor aceitou autografar, durante toda a tarde, seus livros.

    Correto. Quando o sujeito for constituído da expressão "mais de um", o verbo fica no singular, caso não haja reciprocidade de ação. Neste caso, o verbo pluraliza-se. Ex.: Mais de um carro se chocaram no acidente;

    b) Restou cerca de vinte pessoas na fila, esperando conhecer os palestrantes do evento.

    Incorreto. Se o sujeito for indicado por expressão indicativa de proximidade, concorda-se com o numeral. Correção: "Restaram cerca de vinte pessoas";

    c) Não foram seus filhos que invadiu a propriedade alheia.

    Incorreto. Note que o pronome relativo "que" resgata substantivo no plural (filhos), portanto deve o verbo flexionar-se no plural. Correção: "Não foram seus filhos que invadiram (...)";

    d) Dois terços dos leitores brasileiros prefere as crônicas a romances.

    Incorreto. Se o sujeito for constituído de fração, o verbo concorda com o numerador (número em posição sobrejacente). Correção: "Dois terços (...) preferem as crônicas a romances".

    Letra A

  • GABARITO A

    EXPRESSÃO MAIS DE UM  

    • Caso 1

    A expressão mais de um, em regra, leva o verbo para o singular, pois a concordância é feita com o número "um".

    Mais de um aluno chegou ao curso de português.

    Ontem mais de um professor assistiu à palestra.

    • Caso 2

    O verbo pode ir para o plural, quando na oração, o verbo indicar reciprocidade, isto é, quando precisar de duas pessoas para realizar a ação.

    Mais de um aluno cumprimentaram-se no curso online.

    Mais de um professor se ofenderam na festa.

    Note que os verbos indicam reciprocidade por si sós: cumprimentar-se e ofender-se. Uma pessoa precisa da outra para cumprimentar e para ofender; portanto o verbo não pode ficar no singular.

    Atenção

    Normalmente, quando houver a presença do pronome "se", o verbo ficará no plural, já que tal pronome exercerá a função de pronome recíproco: quando um faz a ação sobre o outro.

    Mais de um aluno se abraçaram durante a cerimônia.

    • Caso 3

    Quando a expressão "mais de um" se repetir, o verbo deverá ficar no plural:

    Mais de um aluno e mais de um professor vieram ao curso de português.

    Mais de um jogador, mais de um técnico entenderam a situação.

    Fonte: https://www.portuguesplay.com.br/blog/mais-de-um-falou-ou-falaram#:~:text=A%20express%C3%A3o%20mais%20de%20um,chegou%20ao%20curso%20de%20portugu%C3%AAs.

  • UM TERÇO, 30%, A METADE, A MAIOR PARTE, A MAIORIA, A MINORIA DE... - estes termos ou quaisquer

    outros que indicarem ideia partitiva ou fracionária, quando possuírem um adjunto adnominal, admitirão que o verbo tanto concorde com estes termos em negrito, como também com o adjunto adnominal.

    EX.: Dois terços dos leitores brasileiros prefere/preferem as crônicas a romances. (E. Bechara)

  • Assertiva A

    Mais de um escritor aceitou autografar, durante toda a tarde, seus livros.

    SvCa

  • GABARITO A.

    Expressões “mais de um...mais de dois...” (concordância somente com o numeral):

    a) Mais de um aluno faltou. (só singular)

    b) Mais de dois alunos faltaram (só plural)

    BONS ESTUDOS GALERINHA!!!

  • Apenas complementos...

    Concordância com Numerais fracionários, porcentagens ...

    I) 1/3 das pessoas gosta de Matemática.

    O verbo concorda com o numerador (o número antes da barra da fração)

    II) Porcentagens:

    a partir de 2% = Plural.

    2% faltaram à reunião.

    Se tiver porcentagem + especificador = pode concordar com o especificador.

    ex: 2% da turma veio ao evento.

    Bons estudos!