- ID
- 5040235
- Banca
- INSTITUTO AOCP
- Órgão
- Prefeitura de Betim - MG
- Ano
- 2020
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
Somos solidários?
Juremir Machado da Silva
Um cachorrinho entrou na ambulância para
acompanhar o dono. Um desempregado enfrentou
um pitbull para salvar uma criança. Pessoas
servem refeições sob os viadutos para moradores
em situações de rua. Uma mulher faz protesto
solitário contra os bilhões destinados ao fundo
eleitoral que alimentará campanhas políticas
cheias de truques publicitários. Como é a vida
nestes tempos trepidantes e tecnológicos?
Estávamos em Santa Catarina numa linda
pequena praia numa zona de proteção ambiental.
Ao final da tarde, conseguimos, contra todas as
expectativas, um Uber para ir a uma praia vizinha
com uma faixa de areia maior para caminhar. O
motorista não podia nos esperar para o retorno.
Tentamos obter um carro de aplicativo até que os
celulares começaram a sinalizar que ficariam sem
bateria. Era um bairro fashion de imensas casas,
carros poderosos e muita gente nas ruas, mas
nada de bares, salvo uma padaria. A estrada de
volta para a nossa praia, cheia de curvas, não
tinha acostamento. Era um convite para um
acidente.
Táxis não havia. A noite caía no último dia do
ano. Parou uma camionete. Fui conversar com o
motorista. Ele disse que estávamos na mesma
pousada, a uns 15 minutos de carro dali, mas que
não podia nos levar por ter pressa de chegar a
uma festa, a uns 15 minutos na direção contrária,
onde passaria a noite. Tratei de mostrar-lhe que
entendia perfeitamente a situação. A pousada não
tinha carro disponível que soubéssemos. Ainda
assim, se nada rolasse, ligaríamos para pedir
resgate. Tão perto e tão longe. Meu celular se
apagou. O da Cláudia ainda resistia. Surgiu, então,
a esposa do homem da camionete. Ela saía da
padaria com as últimas encomendas para a festa.
Ficou constrangida com a nossa situação. Quando
já se preparavam para sair, ela nos acenou com
um papel: o telefone de um senhor que fazia
corridas na região.
Ligamos. O homem que atendeu nos
prometeu aparecer em 40 minutos. Será que viria?
Enquanto esperávamos, sentados na calçada,
víamos gente passar. Ninguém parecia nos notar.
Comecei a me sentir profundamente infeliz. Refletia: eu teria levado aquele homem à pousada
se fosse eu a estar de carro e ele a procurar uma
saída para a bobagem em que se metera? É fácil
acusar o egoísmo alheio quando se está em
apuros. Faltando dez minutos, usamos o último
restinho de bateria para conferir com Seu Antônio
se, de fato, ele viria. Confirmou. No máximo em 20
minutos. Passaria por nós, acenaria, seguiria na
direção oposta com passageiros e voltaria para
nos pegar. Assim aconteceu. Precisamente.
O nosso problema era tão pequeno. Mesmo
assim, desagradável. Como teríamos resolvido se
o desconhecido Seu Antônio, fazendo corridas
havia apenas 15 dias, não fosse um homem de
palavra, que queria, além de tudo, apenas 20 reais
pela viagem? Aprendi algumas pequenas coisas:
não confiar cegamente na sorte e em aplicativos,
ter fé nos homens simples, negociar melhor a volta
quando a ida já é duvidosa. Uma coisa ainda não
resolvi: eu teria voltado para deixar o outro na
pousada?
Disponível em:
<https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/somos-solid%C3%A1rios-1.392893> . Acesso em: 25 jan. 2020.
A palavra destacada em “Era um bairro
fashion de imensas casas, carros
poderosos e muita gente nas ruas, mas
nada de bares, salvo uma padaria.”
indica uma circunstância de