- ID
- 5457034
- Banca
- Instituto Consulplan
- Órgão
- Prefeitura de Formiga - MG
- Ano
- 2020
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
A Amazônia é o centro do mundo
Eu quero começar lembrando onde nós estamos. E
quero lembrar que nós estamos no centro do mundo. Essa
não é uma frase retórica. Também não é uma tentativa de
construir uma frase de efeito. No momento em que o
planeta vive o colapso climático, a floresta Amazônica é
efetivamente o centro do mundo. Ou, pelo menos, é um dos
principais centros do mundo. Se não compreendermos isso,
não há como enfrentar o desafio do clima.
Esta é justamente a razão de colocarmos o nosso corpo
aqui, nesta cidade, Manaus, capital do Amazonas, estado do
Brasil, país que abriga cerca de 60% da Amazônia. Manaus é
tanto uma floresta em ruínas como as ruínas de uma ideia
de país. Manaus pode ser vista como a escultura viva de um
conflito iniciado em 1500, com a invasão europeia que
causou a morte de centenas de milhares de homens e
mulheres indígenas e a extinção de dezenas de povos. Neste
momento, em 2019, testemunhamos o início de um novo e
desastroso capítulo.
O Brasil é um grande construtor de ruínas. O Brasil
constrói ruínas em dimensões continentais desde que
começou a ser inventado pelos europeus no século 16. Para
sermos capazes de resistir nós precisamos nos tornar
floresta — e resistir como floresta. Como floresta que sabe
que carrega consigo as ruínas, que carrega consigo tanto o
que é quanto o que deixou de ser. Parece-me que é a esse
sentimento afetivo que precisamos dar forma para dar
sentido à nossa ação. Para isso temos que deslocar algumas
placas tectônicas de nosso próprio pensamento. Temos que
descolonizar a nós mesmos.
O fato de a Amazônia ainda ser vista como um longe e
também — ou principalmente — como uma periferia dá a
dimensão da estupidez da cultura ocidental branca, de
matriz primeiro europeia e depois norte-americana, essa
estupidez que molda e dá forma às elites políticas e
econômicas do mundo e também do Brasil. E, em parte,
também às elites intelectuais do Brasil e do planeta.
Acreditar que a Amazônia é longe e que a Amazônia é
periferia, quando qualquer possibilidade de controle do
aquecimento global só é possível com a floresta viva, é uma
ignorância de proporções continentais. A floresta é o perto
mais perto que todos nós aqui temos. E o fato de muitos de
nós nos sentirmos longe quando aqui estamos só mostra o
quanto o nosso olhar está contaminado, formatado e
distorcido. Colonizado.
Dias atrás eu conversava com procuradores e
defensores públicos que chegaram há pouco em cidades do
interior amazônico. Era o primeiro posto deles. Porque essa
é a lógica. A Amazônia é o epicentro dos conflitos, mas, para
fiscalizar o Estado e defender os direitos dos mais desamparados, as instituições mandam os sem nenhuma experiência. Alguns
deles — não todos — interpretam que estão sendo enviados a
uma região amazônica como um teste ou mesmo um castigo,
um calvário que precisam passar antes de ter um posto
“decente”. Parte deles — não todos — não vê a hora de ter o
que é chamado de “remoção” e deixar essa bad trip para trás.
E não é culpa deles, ou não é só culpa deles, porque essa é a
lógica das instituições, este é o olhar para a Amazônia.
Felizmente alguns deles percebem à importância do seu papel,
aprendem, compreendem, permanecem e se tornam
servidores públicos essenciais para a luta pelos direitos em
regiões onde os direitos pouco ou nada valem.
Lembrei a eles que, como eu, eram privilegiados. Eles
estavam justamente no centro do mundo. Eles estavam no
melhor lugar para se estar para quem tinha escolhido aquela
profissão. Mas teriam que se esforçar muito para superar a
sua ignorância, como eu me esforço todos os dias para
superar a minha. Era a população local, eram os povos da
floresta que teriam de ter enorme paciência para explicar a
eles o que precisam saber, já que pouco ou nada sabem
quando aqui chegam. O mesmo princípio vale para
jornalistas e também para cientistas.
Somos nós que precisamos da ajuda dos povos da
floresta. É deles o conhecimento sobre como viver apesar
das ruínas. São eles os que têm experiência sobre como
resistir às grandes forças de destruição. Para que tenhamos
alguma chance de produzir movimento de resistência precisamos
compreender que, nesta luta, nós não somos os protagonistas.
(Texto especialmente adaptado para esta prova. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/09/opinion/1565386635_3112
70.html. Acesso em: 12/12/2019.)
Nos períodos “Somos nós que precisamos da ajuda dos povos
da floresta. É deles o conhecimento sobre como viver apesar
das ruínas.” (7º§), se a palavra “nós” fosse substituída pelo
pronome “eu”, quantas palavras ao todo (incluindo na
contagem o termo a ser flexionado por determinação do
enunciado) precisariam ter a grafia modificada para garantir
a correta concordância verbo-nominal?