SóProvas


ID
5568349
Banca
INSTITUTO AOCP
Órgão
FUNPRESP-JUD
Ano
2021
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Filosofia em dois desenhos

    Fui caminhar. E na calçada me deparei com um estranho indivíduo. Carregava um saco plástico enorme que, pelo perfil do conteúdo, calculei estivesse cheio de latinhas. Mal acabei de pensar, o homem se acocorou na calçada. Extraiu de alguma parte uma pedra branca parecendo ser cal prensada, e com ela começou a desenhar no cimento.
    Parei para ver, atraída pelo ritual que se esboçava. O homem desenhou dois círculos um diante do outro, quase encostados, e dentro deles desenhou duas setas convergentes.
    Levantou-se, olhou sua obra com satisfação, andou cinco ou seis passos e, novamente, se acocorou. Continuava com a pedra de cal na mão.
    Mas o desenho que fez foi diferente. Riscou dois traços, colocados na mesma distância dos dois círculos, e atrás deles desenhou duas setas que apontavam uma para a outra.
    Segui adiante refletindo sobre o que havia presenciado. A primeira coisa que me veio à cabeça foi a Serra da Capivara, que visitei numa ida a Teresina para algum congresso ou palestra. Trouxe de volta a louça que a arqueóloga franco-brasileira Niéde Guidon, há muitos anos responsável pelo sítio arqueológico, ensinou os locais a fazerem para terem uma fonte de subsistência. Louça com impressos os mesmos desenhos estampados na rocha, que se acredita serem vestígios de uma cultura paleoamericana. Pois, como um ser primitivo, o homem havia estampado seus pensamentos e sua visão interior na mais moderna das rochas: o cimento.
    Havia reparado que o homem estava muito sujo e desgrenhado. Calçava havaianas de sola já bem fininha e roupas indefinidas. Provavelmente era mais um morador de rua. E como morador de rua, usava a mesma calçada em que dormia para se expressar. Usava a calçada, único bem que lhe pertencia, como se fosse papel para desenhar ou escrever. Porque não há dúvida de que, ao desenhar, aquele homem estava escrevendo.
    Estava escrevendo a sua dificuldade para se comunicar. Preso dentro de um círculo, pouco adiantava que as setas apontassem em direção uma da outra. Ele não conseguia obedecer à ordem das setas, pois continuava contido pela linha que delimitava o círculo.
    Coisa idêntica dizia o segundo desenho, agora com um traço, uma parede, um muro, impedindo-o de obedecer ao comando das setas.
    Pode até ser que o homem, através de seus desenhos estivesse desenvolvendo uma teoria filosófica sobre a incomunicabilidade dos seres humanos. Que, se por um lado não conseguem viver sozinhos (significado das setas instando à comunicação), por outro lado não conseguem se entender (significado dos círculos e dos traços impeditivos).
    Avançando nessa teoria, chegaríamos à conclusão de que tudo o que é coletivo resvala no pessoal. Assim como os desenhos do homem, tão íntimos e pessoais, destinavam-se a quem quer que passasse naquela exata calçada de Ipanema.

Adaptado de: https://www.marinacolasanti.com/2021/09/filosofiaem-dois-desenhos.html [Fragmentos]. Acesso em: 18 set. 2021.

Considerando os aspectos linguísticos do texto de apoio e os sentidos por eles expressos, julgue o seguinte item. 


Na frase “E como morador de rua, usava a mesma calçada em que dormia para se expressar.”, a oração “para se expressar” articula-se ao verbo “dormia”.

Alternativas
Comentários
  • Gabarito: errado

    Solicita-se julgamento da assertiva:

    Na frase “E como morador de rua, usava a mesma calçada em que dormia para se expressar.”, a oração “para se expressar” articula-se ao verbo “dormia”.

    Em termos mais simples, a banca questiona se a oração adverbial final reduzida de infinitivo "para se expressar" estabelece relação de finalidade com a ação descrita no verbo "dormia".

    Da leitura pode-se perceber que "para se expressar" não é a finalidade com a qual o sujeito dormia, mas com que utilizava a calçada, estabelecendo a oração relação com a forma verbal "usava".

  • Articula-se ao verbo USAVA.

  • "Articula-se" me pegou

  • Usava para dormir, usava para se expressar.

  • Na frase “E como morador de rua, (O morador) usava a mesma calçada (Obj. Direto) em que dormia (Lugar) para se expressar.”, a oração “para se expressar” articula-se ao verbo “dormia”. Resposta: Errado.

    Para concluir com certeza a assertiva, retire a frase "em que dormia" para validar o entendimento da questão.

    “E como morador de rua, usava a mesma calçada para se expressar.”

  • exemplo diferente:

    Você USA seu chuveiro para: tomar banho, chorar as mágoas e cantar. logo, você o usa para tudo isso.

    (Usa articular-se com tudo isso)

  • GABARITO ERRADO

    Reescrevendo para ficar mais claro:

    E como morador de rua, usava para se expressar a mesma calçada em que dormia.

    "É justo que muito custe o que muito vale". -D'Ávila

  • A questão está induzindo que o ato de dormir é o que ele usava para se expressar.

    vamos supor que pudessemos isolar os termos

    Usava a mesma calcada em que dormia para se expressar.

    Usava para se expressar (articulação )

    Repare que AOCP usa a estratégia de induzir a erro.