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ID
5640331
Banca
UFRJ
Órgão
UFRJ
Ano
2021
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

FUGA

        Mal colocou o papel na máquina, o menino começou a empurrar uma cadeira pela sala, fazendo um barulho infernal.

        — Para com esse barulho, meu filho — falou, sem se voltar.

       Com três anos, já sabia reagir como homem ao impacto das grandes injustiças paternas: não estava fazendo barulho, estava só empurrando uma cadeira.

        — Pois então para de empurrar a cadeira.

        — Eu vou embora — foi a resposta.

        Distraído, o pai não reparou que ele juntava ação às palavras, no ato de juntar do chão suas coisinhas, enrolando-as num pedaço de pano. Era a sua bagagem: um caminhão de plástico com apenas três rodas, um resto de biscoito, uma chave (onde diabo meteram a chave da despensa? a mãe mais tarde irá dizer), metade de uma tesourinha enferrujada, sua única arma para a grande aventura, um botão amarrado num barbante.

        A calma que baixou então na sala era vagamente inquietante. De repente o pai olhou ao redor e não viu o menino. Deu com a porta da rua aberta, correu até o portão:

       — Viu um menino saindo desta casa? — gritou para o operário que descansava diante da obra, do outro lado da rua, sentado no meio-fio.

       — Saiu agora mesmo com uma trouxinha — informou ele.

      Correu até a esquina e teve tempo de vê-lo ao longe, caminhando cabisbaixo ao longo do muro. A trouxa, arrastada no chão, ia deixando pelo caminho alguns de seus pertences: o botão, o pedaço de biscoito e — saíra de casa prevenido — uma moeda de um cruzeiro. Chamou-o, mas ele apertou o passinho e abriu a correr em direção à avenida, como disposto a atirar-se diante do ônibus que surgia à distância.

         — Meu filho, cuidado!

      O ônibus deu uma freada brusca, uma guinada para a esquerda, os pneus cantaram no asfalto. O menino, assustado, arrepiou carreira. O pai precipitou-se e o arrebanhou com o braço como um animalzinho:

          — Que susto você me passou, meu filho — e apertava-o contra o peito comovido.

         — Deixa eu descer, papai. Você está me machucando.

         Irresoluto, o pai pensava agora se não seria o caso de lhe dar umas palmadas:

          — Machucando, é? Fazer uma coisa dessas com seu pai.

        — Me larga. Eu quero ir embora. Trouxe-o para casa e o largou novamente na sala — tendo antes o cuidado de fechar a porta da rua e retirar a chave, como ele fizera com a da despensa.

          — Fique aí quietinho, está ouvindo? Papai está trabalhando.

          — Fico, mas vou empurrar esta cadeira.

           E o barulho recomeçou.

Fonte: SABINO, Fernando. Fuga. In: Os melhores contos. Rio de Janeiro: Record, 1986. p.122-123. 

Assinale a alternativa em que o termo destacado apresenta relação de complementação distinta dos demais.

Alternativas
Comentários
  • Pelo que entendi, apenas a alternativa D estabelece uma relação de complementação/subordinação a verbo (no caso acima, ao verbo "reagir"). Os demais termos estão subordinados a nome.

  • Em palavras simplórias, deve o aluno saber distinguir dois termos que sempre aparecem preposicionados: o objeto indireto e o complemento nominal. Lembre-se disto: o objeto indireto está invariavelmente atrelado a verbos, ao passo que o complemento nominal, a adjetivos, substantivos abstratos e advérbios.

    a) As coisinhas eram úteis ao menino.

    Incorreto. "Úteis" é adjetivo, logo "ao menino" classifica-se em complemento nominal;

    b) O pai teve o cuidado de defender o menino.

    Incorreto. "Cuidado" é substantivo abstrato, logo "de defender" classifica-se em complemento nominal;

    c) O menino parecia disposto a fugir.

    Incorreto. "Disposto" é adjetivo, logo "a fugir" classifica-se em complemento nominal;

    d) O menino já sabia reagir ao impacto da injustiça paterna.

    Correto. "Reagir" é verbo e "ao impacto" o seu objeto indireto. A classificação distingue-se das demais presentes nessa questão. Eis a resposta;

    e) O pai estava certo de que o filho estava presente na sala.

    Incorreto. "Certo" é adjetivo, logo "de que o filho estava presente" classifica-se em oração subordinada substantiva completiva nominal, ou seja, exerce função de complemento nominal oracional.

    Letra D

  • preposição não cai do céu ou vem do verbo ou do nome.

    Regida pelo verbo ------> obj. Indireto.

    Regida pelo nome -----> C. nominal.