SóProvas


ID
570016
Banca
FCC
Órgão
BACEN
Ano
2006
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                   O segredo da acumulação primitiva neoliberal         

          Numa coluna publicada na Folha de São Paulo, o jornalista Elio Gaspari evocava o drama recente de um navio de crianças escravas errando ao largo da costa do Benin. Ao ler o texto – que era inspirado , o navio tornava-se uma metáfora de toda a África subsaariana: ilha à deriva, mistura de leprosário com campo de extermínio e reserva de mão-de-obra para migrações desesperadas.

           Elio Gaspari propunha um termo para designar esse povo móvel e desesperado: “os cidadãos descartáveis”. “Massas de homens e mulheres são arrancados de seus meios de subsistência e jogados no mercado de trabalho como proletários livres, desprotegidos e sem direitos.” São palavras de Marx, quando ele descreve a “acumulação primitiva”, ou seja, o processo que, no século XVI, criou as condições necessárias ao surgimento do capitalismo.

          Para que ganhássemos nosso mundo moderno, foi necessário, por exemplo, que os servos feudais fossem, à força, expropriados do pedacinho de terra que podiam cultivar para sustentar-se. Massas inteiras se encontraram, assim, paradoxalmente livres da servidão, mas obrigadas a vender seu trabalho para sobreviver

          Quatro ou cinco séculos mais tarde, essa violência não deveria ter acabado? Ao que parece, o século XX pediu uma espécie de segunda rodada, um ajuste: a criação de sujeitos descartáveis globais para um capitalismo enfim global.

          Simples continuação ou repetição? Talvez haja uma diferença – pequena, mas substancial – entre as massas do século XVI e os migrantes da globalização: as primeiras foram arrancadas de seus meios de subsistência, os segundos são expropriados de seu lugar pela violência da fome, por exemplo, mas quase sempre eles recebem em troca um devaneio. O protótipo poderia ser o prospecto que, um século atrás, seduzia os emigrantes europeus: sonhos de posse, de bem-estar e de ascensão social.

          As condições para que o capitalismo invente sua versão neoliberal são subjetivas. A expropriação que torna essa passagem possível é psicológica: necessita que sejamos arrancados nem tanto de nossos meios de subsistência, mas de nossa comunidade restrita, familiar e social, para sermos lançados numa procura infinita de status (e, hipoteticamente, de bem-estar) definido pelo acesso a bens e serviços. Arrancados de nós mesmos, deveremos querer ardentemente ser algo além do que somos.

          Depois da liberdade de vender nossa força de trabalho, a “acumulação primitiva” do  neoliberalismo nos oferece a liberdade de mudar e subir na vida, ou seja, de cultivar visões, sonhos e devaneios de aventura e sucesso. E, desde o prospecto do emigrante, a oferta vem se aprimorando. A partir dos anos 60, a televisão forneceu os sonhos para que o campo não só
devesse, mas quisesse, ir para a cidade.

          O requisito para que a máquina neoliberal funcione é mais refinado do que a venda dos mesmos sabonetes ou filmes para todos. Trata-se de alimentar um sonho infinito de perfectibilidade
e, portanto, uma insatisfação radical. Não é pouca coisa: é necessário promover e vender objetos e serviços por eles serem indispensáveis para alcançarmos nossos ideais de status, de bem-estar e de felicidade, mas, ao mesmo tempo, é preciso que toda satisfação conclusiva permaneça impossível.

          Para fomentar o sujeito neoliberal, o que importa não é lhe vender mais uma roupa, uma cortina ou uma lipoaspiração; é alimentar nele sonhos de elegância perfeita, casa perfeita e corpo perfeito. Pois esses sonhos perpetuam o sentimento de nossa inadequação e garantem, assim, que ele seja parte inalterável, definidora, da personalidade contemporânea.

          Melhor deixar como está. No entanto, a coisa não fica bem. Do meu pequeno observatório psicanalítico, parece que o permanente sentimento de inadequação faz do sujeito neoliberal
uma espécie de sonhador descartável, que corre atrás da miragem de sua felicidade como um trem descontrolado, sem condutor, acelerando progressivamente por inércia – até que os
trilhos não agüentem mais.

(Contardo Calligaris, Terra de ninguém. São Paulo: Publifolha, 2002)


Está correto o emprego de ambos os elementos sublinhados na frase:

Alternativas
Comentários
  • GABARITO: LETRA "D"

    d) As miragens a que nos prendemos, ao longo da vida, são projeções de anseios cujo destino não é a satisfação conclusiva.

    Nos prendemos a alguma coisa...

    O pronome relativo cujo só poderá ser usado quando houver indicação de posse; coloca-se o pronome cujo entre o elemento possuído e o elemento possuidor.

    projeções cujo destino.
  • Quak seria o erro da letra "B"??
  • LUCIANA, NA LETRA "B" O ERRO É QUE SEMPRE DEPOIS DO "CUJO" SÓ PODE SER USADO SUBSTANTIVO, NO CASO EM QUESTÃO VEM SEGUIDO PELO ARTIGO "O".



    ESPERO TER AJUDADO!!!
  • Alguém sabe por que a letra "e" está errado?
  • Na letra B, além do que já foi comentado, o correto seria " à qual ";
  •  a) Os sonhos de cujos nos queremos alimentar não satisfazem os desejos com que a eles nos moveram.(verbo- Cujo une 2 substantivos)
     b) A expressão de Elio Gaspari, a qual se refere(A) o autor do texto, é “cidadãos descartáveis”, e alude às criaturas desesperadas cujo orumo é inteiramente incerto.(CUJO O = NÃO EXISTE)
     c) Os objetivos deque se propõem(A) os neoliberais não coincidem com as necessidades por cujasse movem os “cidadãos descartáveis”.(MOVEM = VERBO. Cujo une 2 substantivos)
    e) A força do nosso trabalho, deque não relutamos(COM) em vender, dificilmente será paga pelo valor em que nos satisfaremos.(COM)
  • Gabarito: d
    Comentário.
     
    O verbo prender-se rege a preposição “a”. como o pronome relativo se refere a “miragens”, está perfeita esta construção: “As miragens a que nos prendemos...”.
     
    Em seguida o relativo “cujo” une corretamente os substantivos “anseios” e “destino” (destino dos anseios)
     
     Análise das opções incorretas:
     
    a)O pronome cujo só pode ficar entre dois nomes, como o “cujo” não está ligando dois substantivos está incorretamente aplicado. Em seu lugar, devemos colocar o pronome relativo “que”. Como o verbo “alimentar” é transitivo direto (Nós alimentamos um sonho), não deve haver preposição (“Os sonhos que nós queremos alimentar...”).
     
    Em seguida, o pronome relativo exerce, na oração adjetiva, a função de sujeito (“Os desejos [referente do pronome relativo] nos moveram aos sonhos [representado na oração por “a eles”].”). Portanto, não há preposição “com”. A construção correta ficaria: “Os sonhos que nós queremos alimentar não satisfazem os desejos que a eles nos moveram.”.
     
    b)A oração subordinada adjetiva, iniciada por “a qual”, feitas as substituições necessárias, seria: “O autor do texto se refere à expressão de Elio Gaspari.”. O verbo referir-se, presente na oração adjetiva, exige a preposição “a”. O encontro dessa preposição com o pronome relativo “a qual” (cujo referente é “expressão de Elio Gaspari”) forma a crase: “A expressão de Elio Gaspari, à qual se refere o autor do texto...”.
     
    Depois tem-se o emprego errado de “cujo o”. Para a correção desse trecho, devemos retirar esse artigo “o”: “e alude às criaturas desesperadas cujo rumo é inteiramenteincerto”, já que entre “rumo” e “criaturas desesperadas” há uma ligação de dependência (o rumo das criaturas).
     
    c)No sentido de “ter em vista”, “objetivar”, o verbo pronominal propor-se rege a preposição “a” (Alguém se propõe a alguma coisa). Assim, essa preposição deve anteceder o pronome relativo “que”: “Os objetivos a que se propõem os neoliberais...”.
     
    e)O verbo “vender” é transitivo direto. Assim, não há preposição “de” antes do pronome relativo: “A força do nosso trabalho, que não relutamos a vender ...” 

    Fonte: http://www.e-concursos.net/_Arena/Modulos/Util/Imprimir.aspx?op=Custom/eConcursos/ArtigoAbrir&IdArtigo=293 
  • O "que" é um coringa que pode ser usado na grande maioria das situações.
  • resposta:

    As miragens a que nos prendemos, ao longo da vida, são projeções de anseios cujo destino não é a satisfação conclusiva.

    às opções com "cujo".

    Cujo é pronome é artigo não vai antes de pronome.
  • Fiquei na dúvida por causa da concordância:

    As miragens a que nos prendemos, ao longo da vida, são projeções de anseios cujo destino não é a satisfação conclusiva.

    As miragens (plural) as quais nos prendemos, ...
     

    Alguém poderia me esclarecer?

    Desde já, obrigada.





     



  • Também fiquei com a mesma dúvida da Daniela Nunes e
    agradeço a quem ajudar a tirá-la. 
  • Aos colegas que ficaram em dúvida com relação a concordância:
    O pronome QUE é invariável, ou seja, não varia de acordo com o termo anteposto nem com o posposto.
    Os pronomes relativos que variam são: Cujo, a qual e quanto.
    A concordância, dita acima, se refere ao pronome "O QUAL"!
    Outra coisa, como o verbo exige a preposição A se houvesse a variação dita, ocorreria uma crase (às quais). Como no QUE não possui o"A"artigo resta apenas o "A" preposição.
    Se caso tenha sido pouco claro, dê uma olhada na matéria quando fala de variação dos pronomes relativos.

    Bons estudos!!