SóProvas


ID
570034
Banca
FCC
Órgão
BACEN
Ano
2006
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                   O segredo da acumulação primitiva neoliberal         

          Numa coluna publicada na Folha de São Paulo, o jornalista Elio Gaspari evocava o drama recente de um navio de crianças escravas errando ao largo da costa do Benin. Ao ler o texto – que era inspirado , o navio tornava-se uma metáfora de toda a África subsaariana: ilha à deriva, mistura de leprosário com campo de extermínio e reserva de mão-de-obra para migrações desesperadas.

           Elio Gaspari propunha um termo para designar esse povo móvel e desesperado: “os cidadãos descartáveis”. “Massas de homens e mulheres são arrancados de seus meios de subsistência e jogados no mercado de trabalho como proletários livres, desprotegidos e sem direitos.” São palavras de Marx, quando ele descreve a “acumulação primitiva”, ou seja, o processo que, no século XVI, criou as condições necessárias ao surgimento do capitalismo.

          Para que ganhássemos nosso mundo moderno, foi necessário, por exemplo, que os servos feudais fossem, à força, expropriados do pedacinho de terra que podiam cultivar para sustentar-se. Massas inteiras se encontraram, assim, paradoxalmente livres da servidão, mas obrigadas a vender seu trabalho para sobreviver

          Quatro ou cinco séculos mais tarde, essa violência não deveria ter acabado? Ao que parece, o século XX pediu uma espécie de segunda rodada, um ajuste: a criação de sujeitos descartáveis globais para um capitalismo enfim global.

          Simples continuação ou repetição? Talvez haja uma diferença – pequena, mas substancial – entre as massas do século XVI e os migrantes da globalização: as primeiras foram arrancadas de seus meios de subsistência, os segundos são expropriados de seu lugar pela violência da fome, por exemplo, mas quase sempre eles recebem em troca um devaneio. O protótipo poderia ser o prospecto que, um século atrás, seduzia os emigrantes europeus: sonhos de posse, de bem-estar e de ascensão social.

          As condições para que o capitalismo invente sua versão neoliberal são subjetivas. A expropriação que torna essa passagem possível é psicológica: necessita que sejamos arrancados nem tanto de nossos meios de subsistência, mas de nossa comunidade restrita, familiar e social, para sermos lançados numa procura infinita de status (e, hipoteticamente, de bem-estar) definido pelo acesso a bens e serviços. Arrancados de nós mesmos, deveremos querer ardentemente ser algo além do que somos.

          Depois da liberdade de vender nossa força de trabalho, a “acumulação primitiva” do  neoliberalismo nos oferece a liberdade de mudar e subir na vida, ou seja, de cultivar visões, sonhos e devaneios de aventura e sucesso. E, desde o prospecto do emigrante, a oferta vem se aprimorando. A partir dos anos 60, a televisão forneceu os sonhos para que o campo não só
devesse, mas quisesse, ir para a cidade.

          O requisito para que a máquina neoliberal funcione é mais refinado do que a venda dos mesmos sabonetes ou filmes para todos. Trata-se de alimentar um sonho infinito de perfectibilidade
e, portanto, uma insatisfação radical. Não é pouca coisa: é necessário promover e vender objetos e serviços por eles serem indispensáveis para alcançarmos nossos ideais de status, de bem-estar e de felicidade, mas, ao mesmo tempo, é preciso que toda satisfação conclusiva permaneça impossível.

          Para fomentar o sujeito neoliberal, o que importa não é lhe vender mais uma roupa, uma cortina ou uma lipoaspiração; é alimentar nele sonhos de elegância perfeita, casa perfeita e corpo perfeito. Pois esses sonhos perpetuam o sentimento de nossa inadequação e garantem, assim, que ele seja parte inalterável, definidora, da personalidade contemporânea.

          Melhor deixar como está. No entanto, a coisa não fica bem. Do meu pequeno observatório psicanalítico, parece que o permanente sentimento de inadequação faz do sujeito neoliberal
uma espécie de sonhador descartável, que corre atrás da miragem de sua felicidade como um trem descontrolado, sem condutor, acelerando progressivamente por inércia – até que os
trilhos não agüentem mais.

(Contardo Calligaris, Terra de ninguém. São Paulo: Publifolha, 2002)


A partir dos anos 60, a televisão forneceu os sonhos para que o campo não só devesse, mas quisesse, ir para a cidade.

Na frase acima, as formas devesse e quisesse exprimem condições subjetivas, atribuídas a campo. Tal recurso estilístico está presente também no segmento sublinhado na frase:

Alternativas
Comentários
  • a) acho que é PERSONIFICAÇÃO , figura de linguagem ..
    *prospecto não seduz ninguém" .

    é um efeito estilistico .
  • Fiquei na dúvida entre a letra a e a letra d.
    Será que é meramente interpretação? 
    A letra "a" entendi perfeitamente um fato hipotético, mas alguém poderia me esclarecer a letra d?

    Grata

  • Liliam, acho q a questão da letra D é o trecho sublinhado. "Queda total do índice" ñ é um recurso q exprima condição subjetiva.

    Já na letra A, a parte sublinhada dá essa idéia.

    Acho q é isso.

    Bons estudos! Não desanimem!
  • Realmente, não entedi essa questão. Alguém poderia explicar melhor, por favor....
  • A personificação ou prosopeia é uma figura de estilo que consiste em atribuir a objetos inanimados ou seres irracionais sentimentos ou ações próprias dos seres humanos.

    Analisando a questão:

    A partir dos anos 60, a televisão forneceu os sonhos para que o campo não só devesse, mas quisesse, ir para a cidade. (personificação ou prosopopéia)

    No trecho destacado, é atribuído ao CAMPO características humanas: “dever” e “querer”. Não é lógico imaginar que o CAMPO vai fazer uma mala e vai se mudar para a cidade. Neste caso, o “campo” é a representação das pessoas que emigram da zona rural para a zona urbana. Essa é a ideia central da questão.

    a) O protótipo poderia ser o
    prospecto que (...) seduzia os emigrantes europeus. (correta)

    Sinônimo de Prospecto
    : boletim, folheto, plano, programa, projeto e traçado.

    Nesta alternativa, é
    atribuído ao prospecto característica humana “seduzir” da mesma forma que foi atribuído ao campo (personificação ou prosopopéia).
    ______________________________

    Analisando as alternativas erradas:

    b) (...) o jornalista Elio Gaspari evocava o drama recente de um navio de crianças escravas errando ao largo da costa do Benin. (errada)

    O mesmo não ocorre nesta alternativa. O jornalista (pessoa humana) evocava o drama. Evocar significa “chamar”, ação humana. Não há neste caso a figura da prosopopéia.

    c) Não é pouca coisa: é necessário promover e vender objetos e serviços (errada)

    Nessa alternativa, fica claro que é necessário que alguém promova e venda objetos. Ações humanas que estão sendo atribuídas a alguém, ou seja, não esta sendo atribuída característica humana a objetos ou seres irracionais.  

    d) Aconteceria uma queda total do índice de confiança dos consumidores. (errada)

    Nesse item alguém poderia ficar na duvida: índice não cai, cair é evento material. Contudo, deve ter atenção, pois “a queda do índice” significa a diminuição da confiança dos consumidores, o que é plenamente possível.

    e) (...)o que importa não é lhe vender mais uma roupa, uma cortina ou uma lipoaspiração (errada)

    Neste caso a ação é atribuída de forma direta a uma pessoa e não há um objeto, vejamos: Vender mais uma roupa a ela. Alguém vende a roupa a uma pessoa. Não há a figura de linguagem da personificação.


    Ad augusta per angusta



  • A: Questão de CORRELAÇÃO

    Pretérito imperfeito do subjuntivo   ------  Futuro do pretérito do indicativo

    Se ele quisesse,  tudo seria diferente.
    Se pudesse,  viveria em outro lugar. 


    Pode-se  substituir  o  futuro  do  pretérito  do  indicativo  pelo  pretérito imperfeito do indicativo, tanto na linguagem coloquial como na literária: 


    Se ele pudesse,  largava tudo e ficava com ela.
    “Se eu fosse você,  eu voltava pra mim.”

    PORTUGUÊS P/ TRTs 12ªR e 18ªR (TEORIA E QUESTÕES COMENTADAS)  
    PROFESSOR TERROR