SóProvas


ID
664957
Banca
FUNCAB
Órgão
MPE-RO
Ano
2012
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Um peixe 

            Virou a capanga de cabeça para baixo, e os peixes espalharam-se pela pia. Ele ficou olhando, e foi então que notou que a traíra ainda estava viva. Era o maior peixe de todos ali, mas não chegava a ser grande: pouco mais de um palmo. Ela estava mexendo, suas guelras mexiam-se devagar, quando todos os outros peixes já estavam mortos. Como que ela podia durar tanto tempo assim fora d'água?...

        Teve então uma ideia: abrir a torneira, para ver o que acontecia. Tirou para fora os outros peixes: lambaris, chorões, piaus; dentro do tanque deixou só a traíra. E então abriu a torneira: a água espalhou-se e, quando cobriu a traíra, ela deu uma rabanada e disparou, ele levou um susto – ela estava muito mais viva do que ele pensara, muito mais viva. Ele riu, ficou alegre e divertido, olhando a traíra, que agora tinha parado num canto, o rabo oscilando de leve, a água continuando a jorrar da torneira. Quando o tanque se encheu, ele fechou-a.

– E agora? – disse para o peixe. – Quê que eu faço com você?...

Enfiou o dedo na água: a traíra deu uma corrida, assustada, e ele tirou o dedo depressa.

        – Você tá com fome?... E as minhocas que você me roubou no rio? Eu sei que era você; devagarzinho, sem a gente sentir... Agora está aí, né?... Tá vendo o resultado?...

    O peixe, quieto num canto, parecia escutar.

    Podia dar alguma coisa para ele comer. Talvez pão. Foi olhar na lata: havia acabado. Que mais? Se a mãe estivesse em casa, ela teria dado uma ideia – a mãe era boa para dar ideias. Mas ele estava sozinho. Não conseguia lembrar de outra coisa. O jeito era ir comprar um pão na padaria. Mas sujo assim de barro, a roupa molhada, imunda? – Dane-se – disse, e foi.

        Era domingo à noite, o quarteirão movimentado, rapazes no footing , bares cheios. Enquanto ele andava, foi pensando no que acontecera. No começo fora só curiosidade; mas depois foi bacana, ficou alegre quando viu a traíra bem viva de novo, correndo pela água, esperta. Mas o que faria com ela agora? Matá-la, não ia; não, não faria isso. Se ela já estivesse morta, seria diferente; mas ela estava viva, e ele não queria matá-la. Mas o que faria com ela? Poderia criá-la; por que não? Havia o tanquinho do quintal, tanquinho que a mãe uma vez mandara fazer para criar patos. Estava entupido de terra, mas ele poderia desentupi-lo, arranjar tudo; ficaria cem por cento. É, é isso o que faria. Deixaria a traíra numa lata d'água até o dia seguinte e, de manhã, logo que se levantasse, iria mexer com isso. 

        Enquanto era atendido na padaria, ficou olhando para o movimento, os ruídos, o vozerio do bar em frente. E então pensou na traíra, sua trairinha, deslizando silenciosamente no tanque da pia, na casa escura. Era até meio besta como ele estava alegre com aquilo. E logo um peixe feio como traíra, isso é que era o mais engraçado.

        Toda manhã – ia pensando, de volta para casa – ele desceria ao quintal, levando pedacinhos de pão para ela. Além disso, arrancaria minhocas, e de vez em quando pegaria alguns insetos. Uma coisa que podia fazer também era pescar depois outra traíra e trazer para fazer companhia a ela; um peixe sozinho num tanque era algo muito solitário. 

A empregada já havia chegado e estava no portão, olhando o movimento. – Que peixada bonita você pegou...

– Você viu?

– Uma beleza... Tem até uma trairinha.

– Ela foi difícil de pegar, quase que ela escapole; ela não estava bem fisgada.

– Traíra é duro de morrer, hem?

– Duro de morrer?... Ele parou.

        – Uai, essa que você pegou estava vivinha na hora que eu cheguei, e você ainda esqueceu o tanque cheio d'água... Quando eu cheguei, ela estava toda folgada, nadando. Você não está acreditando? Juro. Ela estava toda folgada, nadando. 

    – E aí?

    –Aí? Uai, aí eu escorri a água para ela morrer; mas você pensa que ela morreu? Morreu nada! Traíra é duro de morrer, nunca vi um peixe assim. Eu soquei a ponta da faca naquelas coisas que faz o peixe nadar, sabe? Pois acredita que ela ainda ficou mexendo? Aí eu peguei o cabo da faca e esmaguei a cabeça dele, e foi aí que ele morreu. Mas custou, ô peixinho duro de morrer! Quê que você está me olhando? 

– Por nada.

– Você não está acreditando? Juro; pode ir lá na cozinha ver: ela está lá do jeitinho que eu deixei. Ele foi caminhando para dentro.

– Vou ficar aqui mais um pouco

– disse a empregada.

– depois vou arrumar os peixes, viu?

– Sei.

    Acendeu a luz da sala. Deixou o pão em cima da mesa e sentou-se. Só então notou como estava cansado.

 

(VILELA, Luiz. . O violino e outros contos 7ª ed. São Paulo: Ática, 2007. p. 36-38.) 

VOCABULÁRIO:

Capanga: bolsa pequena, de tecido, couro ou plástico, usada a tiracolo. 

Footing :passeio a pé, com o objetivo de arrumar namorado(a).

Guelra: estrutura do órgão respiratório da maioria dos animais aquáticos.

Vozerio: som de muitas vozes juntas. 

Assinale a alternativa em que a preposição em destaque estabelece uma relação de sentido de modo dentro da frase.

Alternativas
Comentários
  • Gabarito - E

    ..."de leve", (...), ou seja, de maneira, de modo leve.
  • troque por um adverbio de modo. no caso em questao: o rabo oscilando levemente/suavemente.
  • relação de sentido de modo dentro da frase. Advérbio de modo.Para tanto, a preposição deve fazer parte de uma locução adverbial. oscilando DE leve
  • Preposição  é a palavra que liga palavras ( ou orações – com conjunção implícita), subordinando-as.
    Observe os exemplos de ligação:
    Subordinando palavras
    - Voou até o sol com a notícia.
    - Nós víamos folhas de papel prontas para nossas canetas.
    Subordinando orações: apenas as subordinadas reduzidas de infinitivo são ligadas à oração principal por meio de preposição. Nesse caso a conjunção fica implícita.
                   César gostaria de fechar os olhos.
                   (Observe a conjunção implícita “ César gostaria apenas de que fechasse os olhos”
    MORFOSSINTAXE
                   A preposição NÃO TEM FUNÇÃO SINTÁTICA. Funciona apenas como CONECTIVO.
      Locução prepositiva.
                   Expressão com valor de preposição, normalmente as locuções prepositivas terminam em preposição: para com, por sobre, exceto em, acima de, abaixo de, junto a, quanto a, à procura de, à moda de, à disposição de, não obstante, apesar de, graças a etc...
      OBSERVAÇÕES IMPORTANTES.
    Em português, as preposições introduzem os objetos indiretos (dar um livro a alguém), excepcionalmente também os objetosdiretos (amar a Deus), os complementos nominais (medo de chuva), os adjuntos adnominais (mesa de vidro), os adjuntos adverbiais ( fugir com pressa) e, às vezes – o que constitui uma anomalia sintática -, os predicativos (tachou-os de ignorante).Um traço característico das preposições em língua portuguesa é que somente elas têm o privilégio de introduzir as formas pronominais mim, ti e si, como nos exemplos: Veio a mim; Entre mim e ti não pode haver nada; E ela fala pos si.
    As preposições portuguesas classificam-se em:
    1. Essenciais, herdadas diretamente do latim (a, ante, com, contra, de, em, entre, por, per, sem, sob, sobre, trás), ou diretamente como resultado da aglutinação de duas ou mais preposições latinas ( após, até, desde, para, perante);
    2. Acidentais,  provenientes de palavras que, providas de significação (nomes, verbos), transformaram-se em vocábulos gramaticais: afora, conforme, consoante, durante, exceto, fora, mais, mediante, menos, não obstante, salvo, segundo, senão, tirante, visto e etc.
     Embora as preposições apresentem ampla variedade de usos diferentes no discurso, pode-se estabelecer para cada uma significação fundamental, aplicável aos campos espacial, temporal e nocional.  Assim, a preposição com, por exemplo, exprime a ideia de uma situação de associação (mora com a mãe), enquanto ante, perante, após denotam uma situação em relação a um limite.Fonte: Novíssimo Curso de Língua Portuguesa. Livro 1. Fernando Moura.
    Bons estudos!





     
  • Resposta: Letra E

    e) “(...) que agora tinha parado num canto, o rabo oscilando DE leve,(...)”

    Nesse caso, a preposição DE estabelece uma relação de sentido de modo.

    Para descobrir, basta fazer a pergunta: 

    se o "Como?" aparecer --> indica MODO.
     
    se o "Quando?" aparecer --> indica  tempo 
     
    se o "Onde" aparecer --> indica lugar
    entre outros.
     
     Então fica: COMO ele estava oscilando?
  • oscilando de leve, é o sentido, o modo como oscilada. (de leve).