SóProvas


ID
664963
Banca
FUNCAB
Órgão
MPE-RO
Ano
2012
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Um peixe 

            Virou a capanga de cabeça para baixo, e os peixes espalharam-se pela pia. Ele ficou olhando, e foi então que notou que a traíra ainda estava viva. Era o maior peixe de todos ali, mas não chegava a ser grande: pouco mais de um palmo. Ela estava mexendo, suas guelras mexiam-se devagar, quando todos os outros peixes já estavam mortos. Como que ela podia durar tanto tempo assim fora d'água?...

        Teve então uma ideia: abrir a torneira, para ver o que acontecia. Tirou para fora os outros peixes: lambaris, chorões, piaus; dentro do tanque deixou só a traíra. E então abriu a torneira: a água espalhou-se e, quando cobriu a traíra, ela deu uma rabanada e disparou, ele levou um susto – ela estava muito mais viva do que ele pensara, muito mais viva. Ele riu, ficou alegre e divertido, olhando a traíra, que agora tinha parado num canto, o rabo oscilando de leve, a água continuando a jorrar da torneira. Quando o tanque se encheu, ele fechou-a.

– E agora? – disse para o peixe. – Quê que eu faço com você?...

Enfiou o dedo na água: a traíra deu uma corrida, assustada, e ele tirou o dedo depressa.

        – Você tá com fome?... E as minhocas que você me roubou no rio? Eu sei que era você; devagarzinho, sem a gente sentir... Agora está aí, né?... Tá vendo o resultado?...

    O peixe, quieto num canto, parecia escutar.

    Podia dar alguma coisa para ele comer. Talvez pão. Foi olhar na lata: havia acabado. Que mais? Se a mãe estivesse em casa, ela teria dado uma ideia – a mãe era boa para dar ideias. Mas ele estava sozinho. Não conseguia lembrar de outra coisa. O jeito era ir comprar um pão na padaria. Mas sujo assim de barro, a roupa molhada, imunda? – Dane-se – disse, e foi.

        Era domingo à noite, o quarteirão movimentado, rapazes no footing , bares cheios. Enquanto ele andava, foi pensando no que acontecera. No começo fora só curiosidade; mas depois foi bacana, ficou alegre quando viu a traíra bem viva de novo, correndo pela água, esperta. Mas o que faria com ela agora? Matá-la, não ia; não, não faria isso. Se ela já estivesse morta, seria diferente; mas ela estava viva, e ele não queria matá-la. Mas o que faria com ela? Poderia criá-la; por que não? Havia o tanquinho do quintal, tanquinho que a mãe uma vez mandara fazer para criar patos. Estava entupido de terra, mas ele poderia desentupi-lo, arranjar tudo; ficaria cem por cento. É, é isso o que faria. Deixaria a traíra numa lata d'água até o dia seguinte e, de manhã, logo que se levantasse, iria mexer com isso. 

        Enquanto era atendido na padaria, ficou olhando para o movimento, os ruídos, o vozerio do bar em frente. E então pensou na traíra, sua trairinha, deslizando silenciosamente no tanque da pia, na casa escura. Era até meio besta como ele estava alegre com aquilo. E logo um peixe feio como traíra, isso é que era o mais engraçado.

        Toda manhã – ia pensando, de volta para casa – ele desceria ao quintal, levando pedacinhos de pão para ela. Além disso, arrancaria minhocas, e de vez em quando pegaria alguns insetos. Uma coisa que podia fazer também era pescar depois outra traíra e trazer para fazer companhia a ela; um peixe sozinho num tanque era algo muito solitário. 

A empregada já havia chegado e estava no portão, olhando o movimento. – Que peixada bonita você pegou...

– Você viu?

– Uma beleza... Tem até uma trairinha.

– Ela foi difícil de pegar, quase que ela escapole; ela não estava bem fisgada.

– Traíra é duro de morrer, hem?

– Duro de morrer?... Ele parou.

        – Uai, essa que você pegou estava vivinha na hora que eu cheguei, e você ainda esqueceu o tanque cheio d'água... Quando eu cheguei, ela estava toda folgada, nadando. Você não está acreditando? Juro. Ela estava toda folgada, nadando. 

    – E aí?

    –Aí? Uai, aí eu escorri a água para ela morrer; mas você pensa que ela morreu? Morreu nada! Traíra é duro de morrer, nunca vi um peixe assim. Eu soquei a ponta da faca naquelas coisas que faz o peixe nadar, sabe? Pois acredita que ela ainda ficou mexendo? Aí eu peguei o cabo da faca e esmaguei a cabeça dele, e foi aí que ele morreu. Mas custou, ô peixinho duro de morrer! Quê que você está me olhando? 

– Por nada.

– Você não está acreditando? Juro; pode ir lá na cozinha ver: ela está lá do jeitinho que eu deixei. Ele foi caminhando para dentro.

– Vou ficar aqui mais um pouco

– disse a empregada.

– depois vou arrumar os peixes, viu?

– Sei.

    Acendeu a luz da sala. Deixou o pão em cima da mesa e sentou-se. Só então notou como estava cansado.

 

(VILELA, Luiz. . O violino e outros contos 7ª ed. São Paulo: Ática, 2007. p. 36-38.) 

VOCABULÁRIO:

Capanga: bolsa pequena, de tecido, couro ou plástico, usada a tiracolo. 

Footing :passeio a pé, com o objetivo de arrumar namorado(a).

Guelra: estrutura do órgão respiratório da maioria dos animais aquáticos.

Vozerio: som de muitas vozes juntas. 

Todas as frases das alternativas abaixo admitem voz passiva, EXCETO:

Alternativas
Comentários
  • Para existir voz passiva, há de ser necessário um OBJETO DIRETO. Não importa se a transitividade do verbo na frase é Direto e Indireto, se existe OD, então existe essa possibilidade.
    Como na única alternativa em que não existe OD é a letra "D" , essa é a nossa opção
    as vezes, vc ate consegue transpor a frase com um verbo transitivo indireto p a voz passiva, mas cuidado, isso esta ERRADO GRAMATICALMENTE.
    ex:
     "O comando policial não foi obedecido pela suposta vítima" (voz passiva). obedecer é VTI.
     Nesse exemplo, foi possivel (corriqueiramente/popularmente) a transposição para a voz passiva de um Verbo transitivo INDIRETO, porém ela está ERRADA.

  • Na voz passiva fica assim:
    A) A CAPANGA FOI VIRADA DE CABEÇA PARA BAIXO
    B) A TORNEIRA ENTÃO FOI ABERTA
    C) O DEDO ENTÃO FOI ENFIADO NA ÁGUA
    D) ... não tem como alterar... pelo menos eu não consegúi, fui por eliminação.
    E) A CABEÇA DELE FOI ESMAGADA
  • Felipe Nobre Bueno Brandao. Voz ativa
  • “Traíra é duro de morrer, hem?(...)”

    Não existe voz passiva porque a oração tem verbo de ligação.
  • VOZ PASSIVA



    É QDO O SUJEITO SOFRE A AÇÃO VERBAL



    PODE SER:



    1. ANALÍTICA OU VERBAL: COM O PARTICÍPIO E UM VERBO AUXILIAR



    TRANSFORMANDO OS ITENS DA QUESTÃO TEMOS:



    A. A CAPANGA FOI VIRADA DE CABEÇA PRA BAIXO

    C. O DEDO FOI ENFIADO NA ÁGUA

    E. A CABEÇA DELE FOI ESMAGADA



    2. SINTÉTICA OU PRONOMINAL: COM O PRONOME APASSIVADOR SE



    TRANSFORMANDO O ITEM DA QUESTÃO TEMOS:



    C. ABRIU-SE A TORNEIRA



    E NA D NÃO TEM COMO FAZER COM QUE O SUJEITO TRAÍRA  SOFRA A AÇÃO VERBAL .


  • Prezados, acredito que mais um agravante para não admitir Voz Passive, é  a existencia do VERBO DE LIGAÇÃO, não alternativa D

    Bons estudos
  • Felipe Nobre Bueno Brandao
    Entendi sua preocupação, mas você acabou dificultando uma explicação simples que você mesmo deu no seu primeiro comentário.
    Como você mesmo disse:
    "Para existir voz passiva, há de ser necessário um OBJETO DIRETO. Não importa se a transitividade do verbo na frase é Direto e Indireto, se existe OD, então existe essa possibilidade".
    Logo:
    "O advogado assiste ao espetáculo" (no sentido de ver, presenciar, é transitivo indireto).
    Pois temos um Objeto Indireto, não Direto... Independente da diferença de significados que o verbo assistir apresenta!
    a) "A suposta vítima não obedeceu ao comando policial" (voz ativa);
    b) "O comando policial não foi obedecido pela suposta vítima" (voz passiva).
    Igualmente, estes dois exemplos também estão incorrentos, porque estamos diante de verbos transitivos indiretos!
    :)
    Bons estudos!

  • BIZU: Se o verbo for INTRANSITIVO ou de  LIGAÇÃO, não admitem voz passiva, somente voz passiva.
    Espero ter ajudado a alguns parceiro concurseiros a tirarem suas dúvidas.

    Um babraço a todos e bons estudos.

  • Acho que a esta correta porque "é" é verbo de ligação e os demais verbos são Diretos..certo?
    Bons estudos
  • SEBASTIAO, REVEJA SEU BIZU. PENSO QUE TEM EST'A REPETIDO, OU SEJA , ERRADO.
  • Segundo Diogo Arrais, "tanto em voz ativa quanto em voz passiva, trabalharemos com verbos transitivos diretos. Não existe transposição de ativa para passiva com verbos transitivos indiretos." Logo, alternativa D incorreta, pois "duro de morrer" é predicativo.

    Conhecimento+dedicação+equilíbrio = sucesso.
  • Dr. Edson, gostei da mensagem que deixastes no final de seu texto.
    Sucesso a todos!
  • O ERRO DA ALTERNATIVA "D" É O VERBODE LIGAÇÃO "É" SÓ USAREMOS A VOZ PAASSIVA EM VERBOS TRANSITOS DIRETOS
  • o erro na alternativa "d" trata-se de um verbo de ligação, uma vez que liga o sujeito a sua caracteristica, duro de morrer é uma caracteristica do sujeito no caso é uma caracteristica da traíra, e quando se tem um verbo de ligação, não temos um od e sim um predicativo do sujeito. Para existir a possibilidade de transformar a frase para a agente da passiva, deve-se ter um VTD OU VTDI.
    Macete para saber quando se trata de um verbo de ligação  é só ver se o verbo liga o sujeito a sua caracteristica, se este exprimir ação logicamente ele não sera de ligação, atento tambem para o caso de haver verbo de ligação este não tera OD OU ODI e sim predicativo do sujeito.

    OBSERVE O EX:

    CLAÚDIA ANDA FELIZ   -   ANDA É UM VERBO DE LIGAÇÃO, PORQUE ESTA LIGANDO O SUJEITO A UMA CARACTERISTICA DELE, OU SEJA, FELIZ.

    AGORA OBSERVE ESTE OUTRO EX.

    CLAÚDIA ANDA RÁPIDO    - ANDA NESTE CASO NÃO É UM VERBO DE LIGAÇÃO, PORQUE O VERBO ANDAR INDICA UMA AÇÃO, NESTE CASO ELE VAI SER UM VERBO INTRANSITIVO
  • a) VTD

    b)VTD

    c) VTDI

    d)VL

    e)VTD

    Transposição somente verbos VTD ou VTDI

  • Show!

    Por que esse "uma" não é numeral?