SóProvas


ID
784843
Banca
FCC
Órgão
BACEN
Ano
2006
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                   O segredo da acumulação primitiva neoliberal  

          Numa coluna publicada na Folha de São Paulo, o jornalista Elio Gaspari evocava o drama recente de um navio de crianças escravas errando ao largo da costa do Benin. Ao ler o texto – que era inspirado , o navio tornava-se uma metáfora de toda a África subsaariana: ilha à deriva, mistura de leprosário com campo de extermínio e reserva de mão-de-obra para migrações desesperadas.

          Elio Gaspari propunha um termo para designar esse povo móvel e desesperado: “os cidadãos descartáveis”. “Massas de homens e mulheres são arrancados de seus meios de subsistência e jogados no mercado de trabalho como proletários livres, desprotegidos e sem direitos.” São palavras de Marx, quando ele descreve a “acumulação primitiva”, ou seja, o processo que, no século XVI, criou as condições necessárias ao surgimento do capitalismo.

          Para que ganhássemos nosso mundo moderno, foi necessário, por exemplo, que os servos feudais fossem, à força, expropriados do pedacinho de terra que podiam cultivar para sustentar-se. Massas inteiras se encontraram, assim, paradoxalmente livres da servidão, mas obrigadas a vender seu trabalho para sobreviver

          Quatro ou cinco séculos mais tarde, essa violência não deveria ter acabado? Ao que parece, o século XX pediu uma espécie de segunda rodada, um ajuste: a criação de sujeitos descartáveis globais para um capitalismo enfim global.

          Simples continuação ou repetição? Talvez haja uma diferença – pequena, mas substancial – entre as massas do século XVI e os migrantes da globalização: as primeiras foram arrancadas de seus meios de subsistência, os segundos são expropriados de seu lugar pela violência da fome, por exemplo, mas quase sempre eles recebem em troca um devaneio. O protótipo poderia ser o prospecto que, um século atrás, seduzia os emigrantes europeus: sonhos de posse, de bem-estar e de ascensão social.

          As condições para que o capitalismo invente sua versão neoliberal são subjetivas. A expropriação que torna essa passagem possível é psicológica: necessita que sejamos arrancados nem tanto de nossos meios de subsistência, mas de nossa comunidade restrita, familiar e social, para sermos lançados numa procura infinita de status (e, hipoteticamente, de bem-estar) definido pelo acesso a bens e serviços. Arrancados de nós mesmos, deveremos querer ardentemente ser algo além do que somos.

          Depois da liberdade de vender nossa força de trabalho, a “acumulação primitiva” do  neoliberalismo nos oferece a liberdade de mudar e subir na vida, ou seja, de cultivar visões, sonhos e devaneios de aventura e sucesso. E, desde o prospecto do emigrante, a oferta vem se aprimorando. A partir dos anos 60, a televisão forneceu os sonhos para que o campo não só
devesse, mas quisesse, ir para a cidade.

          O requisito para que a máquina neoliberal funcione é mais refinado do que a venda dos mesmos sabonetes ou filmes para todos. Trata-se de alimentar um sonho infinito de perfectibilidade
e, portanto, uma insatisfação radical. Não é pouca coisa: é necessário promover e vender objetos e serviços por eles serem indispensáveis para alcançarmos nossos ideais de status, de bem-estar e de felicidade, mas, ao mesmo tempo, é preciso que toda satisfação conclusiva permaneça impossível.

          Para fomentar o sujeito neoliberal, o que importa não é lhe vender mais uma roupa, uma cortina ou uma lipoaspiração; é alimentar nele sonhos de elegância perfeita, casa perfeita e corpo perfeito. Pois esses sonhos perpetuam o sentimento de nossa inadequação e garantem, assim, que ele seja parte inalterável, definidora, da personalidade contemporânea.

          Melhor deixar como está. No entanto, a coisa não fica bem. Do meu pequeno observatório psicanalítico, parece que o permanente sentimento de inadequação faz do sujeito neoliberal
uma espécie de sonhador descartável, que corre atrás da miragem de sua felicidade como um trem descontrolado, sem condutor, acelerando progressivamente por inércia – até que os
trilhos não agüentem mais.

(Contardo Calligaris, Terra de ninguém. São Paulo: Publifolha, 2002)


O verbo indicado entre parênteses deverá ser obrigatoriamente flexionado numa forma do plural para preencher de modo correto a frase:

Alternativas
Comentários
  • Brilhante comentário o da Natália. Palmas para ela. Klap Klap Klap Klap

    Eu nem votei e seria bom ninguém atribuir estrela nenhuma porque mesmo atribuindo umazinha que seja, estará dando 1 ponto a ela, cujo comentário nada acrescenta. O meu também não? Olha, é porque não aguentei ficar calado.


  • A alternativa D é a resposta pois sobrevir concorda com o núcleo do subjeito "sobressaltos". A FCC costuma muito deslocar o sujeito pra longe do verbo para confundir a concordância. Basta verificar que a ordem correta da frase seria: Os sobressaltos que cada sonho traz consigo nunca me sobrevieram, como agora.
    Como dica basta transpor toda frase para a ordem correta e verificar a concordância do verbo com o sujeito.

  • O Marcos está certo sim..se não é colaborador então que seja...tão barato!! é o que acontece com o site EVP um site tão bom,como esse aqui..muito bom !! e muito barato !! e as pessoas ainda  querem passar o material pras outras..dividir senha...já pensou se todo mundo colocar o gabarito no comentário??? ninguém colabora mais com o site....por favor!! não fale isso...não concorde com esse tipo de coisa... Acho que o QC deveria só deixar abrir o comentário pessoas que sejam colaboradoras...
  • Pois é Silvana, a merda do Brasil é construída por pessoas de pensamento egoísta como o seu.
    Não são todos que podem pagar, mesmo sendo um valor irrisório!
    A educação, e todos os meios de acesso a ela, deveria ser gratuita. 
  • Perfeito Silvana, quem tem que dar educação gratuíta é o governo e não sites particulares que sofrem custos de manutenção para se manter. concordo tbm que os comentários deveriam ser bloqueados para quem não é colaborador.
  • Pensamento de m....heim !!!!
    Não sou colaborador, e msm assim utilizo e faço comentários, como também troco materiais e ideias com todos aqui, sempre com intuito de ajudar, até pq nessa vida não conquistamos nada sozinho !
    Agora se o valor é irrisório (como o feliz comentário da colega mencionou), isso será problema para o bolso de cada um, e não cabe ninguém questionar.
    Pessoas com esse tipo de pensamento dentro do serviço público, put..que pari.... !!!!

    OBS: Vale mencionar, que os colegas (que reclamaram) enriquecem mto com o site, tamanha o número de comentários !!!
  • Parem com isso! Temos o dever moral de ajudar a quem precisa. Por isso, que  nosso país está atolado numa podridão tão grande de corrupção, de desigualdade e pobreza. Os nossos semelhantes só conseguem pensar no seu próprio umbigo: quer um bom emprego, um bom carro, uma boa educação para os filhos. Mas não pensam nos filhos dos outros e nas outras pessoas, que também merecem sonhar, igualzinho quem tem mais possibilidades. Afinal, de que valeria ter conhecimento se não pudéssemos passar para frente? Independente de quem pode ou não pagar.
  • A) Quanto mais interesses (Haver no sentido de Existir ou Ocorrer SEMPRE ficará no singular)em jogo, mais contundentes serão as iniciativas da máquina neoliberal.


    B)Muitas pessoas não conseguiriam sustentar o ânimo de viver a não ser pelas miragens que alimenta. (Não sei a explicação rsrs, só sei que não é a resposta, soaria mal no plural.)



    C)O que não lhes  deve convir é abandonar todos esses sonhos que ajudam a viver. (Sujeito Oracional, o verbo deve ficar na 3ª pessoa do singular)



    D)GABARITO  -  (O que) Nunca me sobrevieram, como agora ?  R: os sobressaltos que cada sonho traz consigo. (Concorda com o núcleo do sujeito no plural)



    E) (O que) Deve-se a essas miragens ?   R: o esforço com que muitos conduzem seu trabalho. (Concorda com o núcleo do sujeito no singular)

  • GABARITO: D



    Na alternativa a) – verbo haver (impessoal) – singular. Resposta: houver




    Na alternativa b) – verbo ser (emprego do infinitivo – não há sujeito evidente) concord. Singular. Resposta: ser . Segundo a gramática normativa, não há sujeito preposicionado (pelas miragens – não é sujeito).



    Na alternativa c) – o verbo convir tem como sujeito QUE (pron. Relativo) que se refere a O (pron. demonstrativo). Resposta: deve



    Na alternativa d) –  Nunca me sobrevieram ...os sobressaltos sujeito



    Na alternativa e) – o verbo dever tem como sujeito passivo :o esforço .  Resposta: Deve-se




    Profª Noely Landarin