SóProvas


ID
1157536
Banca
FGV
Órgão
FUNARTE
Ano
2014
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                    Brasileiro, Homem do Amanhã

(Paulo Mendes Campos)


          Há em nosso povo duas constantes que nos induzem a sustentar que o Brasil é o único país brasileiro de todo o mundo. Brasileiro até demais. Colunas da brasilidade, as duas colunas são: a capacidade de dar um jeito; a capacidade de adiar.
          A primeira é ainda escassamente conhecida, e nada compreendida, no Exterior; a segunda, no entanto, já anda bastante divulgada lá fora, sem que, direta ou sistematicamente, o corpo diplomático contribua para isso.
          Aquilo que Oscar Wilde e Mark Twain diziam apenas por humorismo (nunca se fazer amanhã aquilo que se pode fazer depois de amanhã), não é no Brasil uma deliberada norma de conduta, uma diretriz fundamental. Não, é mais, é bem mais forte do que qualquer princípio da vontade: é um instinto inelutável, uma força espontânea da estranha e surpreendente raça brasileira.
          Para o brasileiro, os atos fundamentais da existência são: nascimento, reprodução, procrastinação e morte (esta última, se possível, também adiada).
          Adiamos em virtude dum verdadeiro e inevitável estímulo inibitório, do mesmo modo que protegemos os olhos com a mão ao surgir na nossa frente um foco luminoso intenso. A coisa deu em reflexo condicionado: proposto qualquer problema a um brasileiro, ele reage de pronto com as palavras: logo à tarde, só à noite; amanhã; segunda-feira; depois do Carnaval; no ano que vem.
          Adiamos tudo: o bem e o mal, o bom e o mau, que não se confundem, mas tantas vezes se desemparelham. Adiamos o trabalho, o encontro, o almoço, o telefonema, o dentista, o dentista nos adia, a conversa séria, o pagamento do imposto de renda, as férias, a reforma agrária, o seguro de vida, o exame médico, a visita de pêsames, o conserto do automóvel, o concerto de Beethoven, o túnel para Niterói, a festa de aniversário da criança, as relações com a China, tudo. Até o amor. Só a morte e a promissória são mais ou menos pontuais entre nós. Mesmo assim, há remédio para a promissória: o adiamento bi ou trimestral da reforma, uma instituição sacrossanta no Brasil.
          Quanto à morte não devem ser esquecidos dois poemas típicos do Romantismo: na Canção do Exílio, Gonçalves Dias roga a Deus não permitir que morra sem que volte para lá, isto é, para cá. Já Álvares de Azevedo tem aquele famoso poema cujo refrão é sintomaticamente brasileiro: “Se eu morresse amanhã!”. Como se vê, nem os românticos aceitavam morrer hoje, postulando a Deus prazos mais confortáveis.
          Sim, adiamos por força dum incoercível destino nacional, do mesmo modo que, por obra do fado, o francês poupa dinheiro, o inglês confia no Times, o português adora bacalhau, o alemão trabalha com um furor disciplinado, o espanhol se excita com a morte, o japonês esconde o pensamento, o americano escolhe sempre a gravata mais colorida.
          O brasileiro adia, logo existe.
          A divulgação dessa nossa capacidade autóctone para a incessante delonga transpõe as fronteiras e o Atlântico. A verdade é que já está nos manuais. Ainda há pouco, lendo um livro francês sobre o Brasil, incluído numa coleção quase didática de viagens, encontrei no fim do volume algumas informações essenciais sobre nós e sobre a nossa terra. Entre poucos endereços de embaixadas e consulados, estatísticas, indicações culinárias, o autor intercalou o seguinte tópico:

                    Palavras

          Hier: ontem
          Aujourd’hui: hoje
          Demain: amanhã
          A única palavra importante é “amanhã”.
          Ora, este francês astuto agarrou-nos pela perna. O resto eu adio para a semana que vem.


Sobre a organização desse texto, pode-se afirmar que sua estrutura:

Alternativas
Comentários
  • "...atribuindo à outra extensão textual e importância reduzida(S)." Esse plural que não foi aplicado torna a questão confusa, pois, parece uma enorme casca de banana indicando que uma das marcas recebe um texto extenso mas sem importância, o que sabenos ser incorreto.

  • Qual o erro na letra D?

  • Acho que a D tá errada porque ela afirma "por ser aquela (marca) que faz parte de nossos movimentos literários;"

    Acho que esse não é o motivo. O autor cita a literatura como exemplo, apenas.


  • Não entendi quanto a "atribuindo à outra extensão textual e importância reduzida." Ao ler o texto entendi que o autor dá importância reduzida à primeira marca, a capacidade de dar um jeito, e não "à outra" que seria a capacidade de adiar.  

  • Não concordo com o gabarito.

    Quando a questão afirma:

    . concentra atenção numa das duas marcas apontadas inicialmente. (Até aqui correto, na capacidade de adiar).

    . atribuindo à outra extensão textual e importância reduzida. (Quando ele fala "atribuindo à outra", interpreta-se a outra marca de brasilidade que ele não deu atenção, e a essa marca ele não deu extensão textual, mas deu pouca importância). 


  • Gabarito E

    - concentra atenção numa (capacidade de adiar) das duas marcas apontadas inicialmente, (capacidade de dar um jeito e capacidade de adiar) 

    - atribuindo à outra (capacidade de adiar) extensão textual e importância reduzida (o fato do brasileiro adiar as coisas é como se fosse de menor importância).


    Foi assim que entendi. Mais alguém comenta???

  • a) se organiza a partir das duas marcas de brasilidade apontadas, embora somente uma delas seja explorada de forma sociologicamente séria; Nada no texto é levado muito à serio. Os exemplos citados pelo autor são irônicos praticamente todo o tempo.
    b) destaca, entre outras, duas marcas (OK) do brasileiro moderno (NÃO), valorizando mesmo os aspectos negativos nelas contidos (OK, apesar que quando se fala em "adiar" ou de dar "um jeito", ja sabemos que isso é negativo "por si só"); Em nenhum momento o texto cita de tratar-se do "brasileiro moderno".
    c) cita, no título da crônica, uma marca de nossa brasilidade, que é indicada como a marca exclusiva (NÃO) de nosso modo de ver a vida; Como é colocado no texto, podemos ver que não trata-se de uma "marca exclusiva", já que o autor cita as "duas colunas da brasilidade..." Não é um modo de "ver a vida", tal vez de "viver a vida".

    d) alude a duas marcas de brasilidade (OK), mas destaca apenas uma delas (OK), por ser aquela que faz parte de nossos movimentos literários (NÃO); O autor cita alguns movimentos literários apenas como exemplo, mas estes não aludem as marcas apontadas pelo autor, no texto.
    e) concentra atenção numa das duas marcas apontadas inicialmente, atribuindo à outra extensão textual e importância reduzida. Gabarito!

  • Bem pensado, Luana. A parte do "importância reduzida" só faria sentido assim..

  • Alguém sabe se o gabarito foi mantido ou se foi alterado? Questão estranha. Arrisco dizer mal formulada.

  • gabarito E.

    fui indo por eliminação

    A primeira é ainda escassamente conhecida, e nada compreendida, no Exterior; a segunda, no entanto, já anda bastante divulgada lá fora, sem que, direta ou sistematicamente, o corpo diplomático contribua para isso

    (A) se organiza a partir das duas marcas de brasilidade apontadas, embora somente uma delas seja explorada de forma sociologicamente séria;

    Há em nosso povo duas constantes que nos induzem a sustentar que o Brasil é o único país brasileiro de todo o mundo. Brasileiro até demais.

    B) destaca, entre outras, duas marcas do brasileiro moderno, valorizando mesmo os aspectos negativos nelas contidos;

    Brasileiro, Homem do Amanhã

    (C) cita, no título da crônica, uma marca de nossa brasilidade, que é indicada como a marca exclusiva de nosso modo de ver a vida;

    (D) alude a duas marcas de brasilidade, mas destaca apenas uma delas, por ser aquela que faz parte de nossos movimentos literários;

    (E) concentra atenção numa das duas marcas apontadas inicialmente, atribuindo à outra extensão textual e importância reduzida.

    A primeira é ainda escassamente conhecida, e nada compreendida (é tudo que se fala sobre a primeira no texto), no Exterior; a segunda, no entanto, já anda bastante divulgada lá fora, sem que, direta ou sistematicamente, o corpo diplomático contribua para isso.