SóProvas


ID
1157545
Banca
FGV
Órgão
FUNARTE
Ano
2014
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                    Brasileiro, Homem do Amanhã

(Paulo Mendes Campos)


          Há em nosso povo duas constantes que nos induzem a sustentar que o Brasil é o único país brasileiro de todo o mundo. Brasileiro até demais. Colunas da brasilidade, as duas colunas são: a capacidade de dar um jeito; a capacidade de adiar.
          A primeira é ainda escassamente conhecida, e nada compreendida, no Exterior; a segunda, no entanto, já anda bastante divulgada lá fora, sem que, direta ou sistematicamente, o corpo diplomático contribua para isso.
          Aquilo que Oscar Wilde e Mark Twain diziam apenas por humorismo (nunca se fazer amanhã aquilo que se pode fazer depois de amanhã), não é no Brasil uma deliberada norma de conduta, uma diretriz fundamental. Não, é mais, é bem mais forte do que qualquer princípio da vontade: é um instinto inelutável, uma força espontânea da estranha e surpreendente raça brasileira.
          Para o brasileiro, os atos fundamentais da existência são: nascimento, reprodução, procrastinação e morte (esta última, se possível, também adiada).
          Adiamos em virtude dum verdadeiro e inevitável estímulo inibitório, do mesmo modo que protegemos os olhos com a mão ao surgir na nossa frente um foco luminoso intenso. A coisa deu em reflexo condicionado: proposto qualquer problema a um brasileiro, ele reage de pronto com as palavras: logo à tarde, só à noite; amanhã; segunda-feira; depois do Carnaval; no ano que vem.
          Adiamos tudo: o bem e o mal, o bom e o mau, que não se confundem, mas tantas vezes se desemparelham. Adiamos o trabalho, o encontro, o almoço, o telefonema, o dentista, o dentista nos adia, a conversa séria, o pagamento do imposto de renda, as férias, a reforma agrária, o seguro de vida, o exame médico, a visita de pêsames, o conserto do automóvel, o concerto de Beethoven, o túnel para Niterói, a festa de aniversário da criança, as relações com a China, tudo. Até o amor. Só a morte e a promissória são mais ou menos pontuais entre nós. Mesmo assim, há remédio para a promissória: o adiamento bi ou trimestral da reforma, uma instituição sacrossanta no Brasil.
          Quanto à morte não devem ser esquecidos dois poemas típicos do Romantismo: na Canção do Exílio, Gonçalves Dias roga a Deus não permitir que morra sem que volte para lá, isto é, para cá. Já Álvares de Azevedo tem aquele famoso poema cujo refrão é sintomaticamente brasileiro: “Se eu morresse amanhã!”. Como se vê, nem os românticos aceitavam morrer hoje, postulando a Deus prazos mais confortáveis.
          Sim, adiamos por força dum incoercível destino nacional, do mesmo modo que, por obra do fado, o francês poupa dinheiro, o inglês confia no Times, o português adora bacalhau, o alemão trabalha com um furor disciplinado, o espanhol se excita com a morte, o japonês esconde o pensamento, o americano escolhe sempre a gravata mais colorida.
          O brasileiro adia, logo existe.
          A divulgação dessa nossa capacidade autóctone para a incessante delonga transpõe as fronteiras e o Atlântico. A verdade é que já está nos manuais. Ainda há pouco, lendo um livro francês sobre o Brasil, incluído numa coleção quase didática de viagens, encontrei no fim do volume algumas informações essenciais sobre nós e sobre a nossa terra. Entre poucos endereços de embaixadas e consulados, estatísticas, indicações culinárias, o autor intercalou o seguinte tópico:

                    Palavras

          Hier: ontem
          Aujourd’hui: hoje
          Demain: amanhã
          A única palavra importante é “amanhã”.
          Ora, este francês astuto agarrou-nos pela perna. O resto eu adio para a semana que vem.


O texto da crônica mostra, em sua estruturação, um contínuo tom irônico. O segmento abaixo que foge a essa regra é:

Alternativas
Comentários
  • Alternativa correta, E.

    Não entendi o erro da C, pois entendi que se trata de uma constatação.

  • Qual a ironia da B???? Obg!

  • Entendo que a alternativa "E" usa de ironia quando diz " Adiamos em virtude dum verdadeiro e inevitável estímulo inibitório". Sinceramente não consegui compreender.

  • Mais uma questão bizarra. Até quem fez Letras tem dificuldade pra fazer FGV.

    Comentário solicitado.


  • Algum professor do QC pode nos ajudar? Onde está a ironia da B? E por que a E está correta, me parece irônica. Obrigada!

  • Significado de Ironia s.f. Retórica. Figura de linguagem através da qual se expressa exatamente o oposto daquilo que se diz; utilização de uma expressão, vocábulo ou frase de significação contrário ao que supostamente deveria ser expresso, usado para caracterizar ou nomear alguma coisa: a ironia valoriza certos discursos. Literatura. A utilização dessa figura com o objetivo de produzir ou salientar alguns aspectos de caráter humorístico.
    Emprego ou utilização de palavras que denotam sarcasmo; todo comentário de teor sarcástico. Figurado. Discrepância ou contradição caracterizada pelo sarcasmo ou zombaria; circunstância ou evento em que há zombaria: a ironia desta situação. (Etm. do grego: eironeia.as, pelo latim: ironia.ae).

    Significado de sarcasmo s.m. Ironia insultuosa; zombaria penosa, mordaz ou cáustica: o sarcasmo estava presente em toda a sua obra literária.
    (Etm. do grego: sarkasmós).

    Na letra “b” o autor está afirmado duas características da brasilidade (dando certeza sobre tais características), e ao afirmar isso ele mostra aspectos claros de ironia. Sabemos que os brasileiros não podem ser generalizados dessa forma.

    Na letra “c” a ironia está justamente quando ele aponta sobre a divulgação e menciona o corpo diplomático.

    Restando apenas a letra “E” que mostra claramente uma opinião do autor apenas, mas não com tom irônico.

  • Acredito que na B, "colunas da brasilidade" deveriam se referir a culturas, costumes do Brasil.
    Porém, como é utilizado para expressar ações que denigrem a imagem do Brasil, acredito que essa seja a ironia.

  • A FGV deveria ser proibida de fazer provas! Essa prova de português INTEIRA é o maior lixo dos lixos! Típico da FGV...

  • O engraçado é que o professor no vídeo explica a questão como se fosse óbvio, claro como água. Será que ele encontra fácil assim sem o gabarito prévio? Tenho minhas dúvidas. Uma interpretação absurdamente subjetiva e arbitrária.

  • A analogia que ele faz na letra E não deixa a frase com um tom obviamente irônico? - Fala sério!

    Agora, na letra B, ele somente cita quais as duas características mais fortes do brasileiro, das quais uma ele explicará melhor. Não vejo ironia alguma aí.

  • Concordo, Raoni. Quero ver a explicação antes do gabarito. Pior do que fazer esse tipo de questão é ver um professor explicar esse tipo de questão. A ironia da letra E é óbvia, digam o que disserem.

  • A única coisa que justifica o gabarito é dizer que o trecho da letra E indica metáfora, e não ironia.

  • “Adiamos em virtude dum verdadeiro e inevitável estímulo inibitório, do mesmo modo que protegemos os olhos com a mão ao surgir na nossa frente um foco luminoso intenso”

    Basicamente o autor diz que é inerente ao brasileiro a ação de adiar as coisas, que é impossível inibir esse estímulo de querer adiar as coisas. Como se os brasileiros fossem programados biologicamente para adiar seus compromissos. O ato de levar as mãos aos olhos diante de um foco luminoso é para protegê-los de algo nocivo. Nesse raciocínio, o compromisso se não for adiado torna-se prejudicial ao homem.

    Não existe ironia nesse trecho ?

  • GABARITO: LETRA E - QUESTAO MALDOSA

    Também marquei a letra "B" inicilmente e achei muito maldosa a questao.

    Mas FGV faz isso de propósito.

    Tem que pegar o jeito e aprendera "forma de pensar" da banca.

    A ironia da letra B está no termo "colunas", que normalmente é usado para expor elementos positivos.

    Não concordei completamente com a letra "E", mas ela seria a "mais correta" ou "menos errada".]

     

     

  • É óbvio que há ironia na letra E, o professor Alexandre Soares é muito bom, mas dessa vez forçou a barra pra justficar o gabarito.

    FGV é insuportável!

    Bons estudos!

  • Para mim, todas as questões possuem ironia. Odeio essas questões subjetivas, para mim o fato do autor comparar um costume brasileiro mal visto na sociedade como um instinto natural já é em si uma ironia. Mas...cada um com sua tarja preta né!!! hehe...

  • Forçou a barra...Nessa questão, somente quem formulou pode TENTAR explicar...Por isso que nos gabaritos extraoficiais os professores ficam com aquela cara de velório. Lá tem que colocar a cara a tapa sob pressão..,