SóProvas


ID
1157566
Banca
FGV
Órgão
FUNARTE
Ano
2014
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                    Brasileiro, Homem do Amanhã

(Paulo Mendes Campos)


          Há em nosso povo duas constantes que nos induzem a sustentar que o Brasil é o único país brasileiro de todo o mundo. Brasileiro até demais. Colunas da brasilidade, as duas colunas são: a capacidade de dar um jeito; a capacidade de adiar.
          A primeira é ainda escassamente conhecida, e nada compreendida, no Exterior; a segunda, no entanto, já anda bastante divulgada lá fora, sem que, direta ou sistematicamente, o corpo diplomático contribua para isso.
          Aquilo que Oscar Wilde e Mark Twain diziam apenas por humorismo (nunca se fazer amanhã aquilo que se pode fazer depois de amanhã), não é no Brasil uma deliberada norma de conduta, uma diretriz fundamental. Não, é mais, é bem mais forte do que qualquer princípio da vontade: é um instinto inelutável, uma força espontânea da estranha e surpreendente raça brasileira.
          Para o brasileiro, os atos fundamentais da existência são: nascimento, reprodução, procrastinação e morte (esta última, se possível, também adiada).
          Adiamos em virtude dum verdadeiro e inevitável estímulo inibitório, do mesmo modo que protegemos os olhos com a mão ao surgir na nossa frente um foco luminoso intenso. A coisa deu em reflexo condicionado: proposto qualquer problema a um brasileiro, ele reage de pronto com as palavras: logo à tarde, só à noite; amanhã; segunda-feira; depois do Carnaval; no ano que vem.
          Adiamos tudo: o bem e o mal, o bom e o mau, que não se confundem, mas tantas vezes se desemparelham. Adiamos o trabalho, o encontro, o almoço, o telefonema, o dentista, o dentista nos adia, a conversa séria, o pagamento do imposto de renda, as férias, a reforma agrária, o seguro de vida, o exame médico, a visita de pêsames, o conserto do automóvel, o concerto de Beethoven, o túnel para Niterói, a festa de aniversário da criança, as relações com a China, tudo. Até o amor. Só a morte e a promissória são mais ou menos pontuais entre nós. Mesmo assim, há remédio para a promissória: o adiamento bi ou trimestral da reforma, uma instituição sacrossanta no Brasil.
          Quanto à morte não devem ser esquecidos dois poemas típicos do Romantismo: na Canção do Exílio, Gonçalves Dias roga a Deus não permitir que morra sem que volte para lá, isto é, para cá. Já Álvares de Azevedo tem aquele famoso poema cujo refrão é sintomaticamente brasileiro: “Se eu morresse amanhã!”. Como se vê, nem os românticos aceitavam morrer hoje, postulando a Deus prazos mais confortáveis.
          Sim, adiamos por força dum incoercível destino nacional, do mesmo modo que, por obra do fado, o francês poupa dinheiro, o inglês confia no Times, o português adora bacalhau, o alemão trabalha com um furor disciplinado, o espanhol se excita com a morte, o japonês esconde o pensamento, o americano escolhe sempre a gravata mais colorida.
          O brasileiro adia, logo existe.
          A divulgação dessa nossa capacidade autóctone para a incessante delonga transpõe as fronteiras e o Atlântico. A verdade é que já está nos manuais. Ainda há pouco, lendo um livro francês sobre o Brasil, incluído numa coleção quase didática de viagens, encontrei no fim do volume algumas informações essenciais sobre nós e sobre a nossa terra. Entre poucos endereços de embaixadas e consulados, estatísticas, indicações culinárias, o autor intercalou o seguinte tópico:

                    Palavras

          Hier: ontem
          Aujourd’hui: hoje
          Demain: amanhã
          A única palavra importante é “amanhã”.
          Ora, este francês astuto agarrou-nos pela perna. O resto eu adio para a semana que vem.


Entre as definições do gênero crônica abaixo transcritas, aquela que se refere mais adequadamente ao texto desta prova é:

Alternativas
Comentários
  • Alternativa D.

    Dou a deixa para quem souber explicar melhor: O texto é ricamente opinativo, ofício de CRONISTA.

    Periódico é sinônimo de jornal, acho que não é errado achar que é uma forma abrasileirada da Espanha, já que é assim que se chama o jornal de lá. Consulte o seu dicionário!

    Sendo de cronista, correto dizer que é coluna de jornal e correlatos (blog e afins).

  • Ora, este francês astuto agarrou-nos pela perna. O resto eu adio para a semana que vem. 

  • Para ajudar no entendimento desta questão, vejam o que é crônica:


    "A crônica é uma forma textual no estilo de narração que tem por base fatos que acontecem em nosso cotidiano. Por este motivo, é uma leitura agradável, pois o leitor interage com os acontecimentos e por muitas vezes se identifica com as ações tomadas pelas personagens.
    Você já deve ter lido algumas crônicas, pois estão presentes em jornais, revistas e livros. Além do mais, é uma leitura que nos envolve, uma vez que utiliza a primeira pessoa e aproxima o autor de quem lê. Como se estivessem em uma conversa informal, o cronista tende a dialogar sobre fatos até mesmo íntimos com o leitor.

    O texto é curto e de linguagem simples, o que o torna ainda mais próximo de todo tipo de leitor e de praticamente todas as faixas etárias. A sátira, a ironia, o uso da linguagem coloquial demonstrada na fala das personagens, a exposição dos sentimentos e a reflexão sobre o que se passa estão presentes nas crônicas.
    Como exposto acima, há vários motivos que levam os leitores a gostar das crônicas, mas e se você fosse escrever uma, o que seria necessário? Vejamos de forma esquematizada as características da crônica:

    • Narração curta;
    • Descreve fatos da vida cotidiana;
    • Pode ter caráter humorístico, crítico, satírico e/ou irônico;
    • Possui personagens comuns;
    • Segue um tempo cronológico determinado;
    • Uso da oralidade na escrita e do coloquialismo na fala das personagens;
    • Linguagem simples.


    Alguns cronistas (veteranos e mais recentes) são: Fernando Sabino, Rubem Braga, Luis Fernando Veríssimo, Carlos Heitor Cony, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Ernesto Baggio, Lygia Fagundes Telles, Machado de Assis, Max Gehringer, Moacyr Scliar, Pedro Bial, Arnaldo Jabor, dentre outros." (VILARINHO, 2015, grifo meu).

    Fonte:

    VILARINHO, Sabrina. "Crônica "; Brasil Escola. Disponível em . Acesso em 10 de dezembro de 2015


    Bons Estudos.