SóProvas


ID
1157599
Banca
FGV
Órgão
FUNARTE
Ano
2014
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                    Brasileiro, Homem do Amanhã

(Paulo Mendes Campos)


          Há em nosso povo duas constantes que nos induzem a sustentar que o Brasil é o único país brasileiro de todo o mundo. Brasileiro até demais. Colunas da brasilidade, as duas colunas são: a capacidade de dar um jeito; a capacidade de adiar.
          A primeira é ainda escassamente conhecida, e nada compreendida, no Exterior; a segunda, no entanto, já anda bastante divulgada lá fora, sem que, direta ou sistematicamente, o corpo diplomático contribua para isso.
          Aquilo que Oscar Wilde e Mark Twain diziam apenas por humorismo (nunca se fazer amanhã aquilo que se pode fazer depois de amanhã), não é no Brasil uma deliberada norma de conduta, uma diretriz fundamental. Não, é mais, é bem mais forte do que qualquer princípio da vontade: é um instinto inelutável, uma força espontânea da estranha e surpreendente raça brasileira.
          Para o brasileiro, os atos fundamentais da existência são: nascimento, reprodução, procrastinação e morte (esta última, se possível, também adiada).
          Adiamos em virtude dum verdadeiro e inevitável estímulo inibitório, do mesmo modo que protegemos os olhos com a mão ao surgir na nossa frente um foco luminoso intenso. A coisa deu em reflexo condicionado: proposto qualquer problema a um brasileiro, ele reage de pronto com as palavras: logo à tarde, só à noite; amanhã; segunda-feira; depois do Carnaval; no ano que vem.
          Adiamos tudo: o bem e o mal, o bom e o mau, que não se confundem, mas tantas vezes se desemparelham. Adiamos o trabalho, o encontro, o almoço, o telefonema, o dentista, o dentista nos adia, a conversa séria, o pagamento do imposto de renda, as férias, a reforma agrária, o seguro de vida, o exame médico, a visita de pêsames, o conserto do automóvel, o concerto de Beethoven, o túnel para Niterói, a festa de aniversário da criança, as relações com a China, tudo. Até o amor. Só a morte e a promissória são mais ou menos pontuais entre nós. Mesmo assim, há remédio para a promissória: o adiamento bi ou trimestral da reforma, uma instituição sacrossanta no Brasil.
          Quanto à morte não devem ser esquecidos dois poemas típicos do Romantismo: na Canção do Exílio, Gonçalves Dias roga a Deus não permitir que morra sem que volte para lá, isto é, para cá. Já Álvares de Azevedo tem aquele famoso poema cujo refrão é sintomaticamente brasileiro: “Se eu morresse amanhã!”. Como se vê, nem os românticos aceitavam morrer hoje, postulando a Deus prazos mais confortáveis.
          Sim, adiamos por força dum incoercível destino nacional, do mesmo modo que, por obra do fado, o francês poupa dinheiro, o inglês confia no Times, o português adora bacalhau, o alemão trabalha com um furor disciplinado, o espanhol se excita com a morte, o japonês esconde o pensamento, o americano escolhe sempre a gravata mais colorida.
          O brasileiro adia, logo existe.
          A divulgação dessa nossa capacidade autóctone para a incessante delonga transpõe as fronteiras e o Atlântico. A verdade é que já está nos manuais. Ainda há pouco, lendo um livro francês sobre o Brasil, incluído numa coleção quase didática de viagens, encontrei no fim do volume algumas informações essenciais sobre nós e sobre a nossa terra. Entre poucos endereços de embaixadas e consulados, estatísticas, indicações culinárias, o autor intercalou o seguinte tópico:

                    Palavras

          Hier: ontem
          Aujourd’hui: hoje
          Demain: amanhã
          A única palavra importante é “amanhã”.
          Ora, este francês astuto agarrou-nos pela perna. O resto eu adio para a semana que vem.


“A coisa deu em reflexo condicionado: proposto qualquer problema a um brasileiro, ele reage de pronto com as palavras: logo à tarde, só à noite; amanhã; segunda-feira; depois do Carnaval; no ano que vem”.

O comentário correto sobre os componentes desse segmento do texto é:

Alternativas
Comentários
  • Alguém poderia explicar? Grato!

  • Bem não tenho "apreciado" as questões de português da FGV, mas a nós candidatos/concurseiros não nos cabe gostar ou não e sim acertar. Logo, fiz esta questão por exclusão, senão vejamos:

     b) “de pronto” indica o modo como são ditas as palavras (errada), pois o comando diz:  "ele reage de pronto", ou seja, o modo como ele reagiu foi de pronto e não o modo como são ditas as palavras."

    d) os elementos da enumeração são citados aleatoriamente (errada), pois no comando vem citados enumeradamente/progressivamente, vejamos: "à tarde, à noite; amanhã; segunda-feira; depois do Carnaval; no ano que vem”. 

     e) “reflexo condicionado” indica algo feito intencionalmente(errado),  reflexo NÃO indica algo intencional

    c) “qualquer problema” é o mesmo que “problema qualquer”; FIZ PELA LÓGICA, NÃO TENHO EXPLICAÇÃO P ESTA.


  • Questão C Errada pois "qualquer problema" o qualquer tem função de pronome e " problema qualquer" o qualquer tem função de adjetivo.

  • Entendo que o erro da letra C está no significado das expressões. Em "qualquer problema", temos a ideia de que não importa qual seja o problema, dentre todos, qualquer um. Já na expressão "problema qualquer", nos leva a crer que um determinado problema é banal. Acredito que esse seja o caminho. 

  • Questão desesperadora!

  • Olá, pessoal!


    Essa questão não foi alterada pela Banca. Alternativa correta Letra A, conforme publicado no edital de Gabaritos no site da banca.


    Bons estudos!
    Equipe Qconcursos.com

  • Ao meu ver, "A coisa deu em reflexo condicionado" significa o mesmo que: a reação ocorreu por um reflexo premeditado.

    É possível existir um reflexo condicionado? Acredito que não. Acho que o autor foi irônico nessa afirmativa, querendo dizer que certas reações ocorrem espontaneamente para situações específicas, situações já estabelecidas, premeditadas.