SóProvas


ID
1290823
Banca
FEPESE
Órgão
MPE-SC
Ano
2014
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto 2

Estamos todos surdos

Nós, brasileiros, temos uma enorme relutância em conviver com opiniões contrárias das nossas

Meu tio Élvio falava tão rápido e com um sotaque tão forte - mineirês da roça misturado a alguma coisa parecida com dialeto italiano da roça - que quase ninguém o entendia. Honesto, trabalhador, devotava-se por inteiro à família. Pouco porém participava da vida em comunidade, porque as sentenças que pronunciava, ininteligíveis, muitas vezes o colocavam em situações bastante complicadas, já que o interlocutor, não atinando com suas declarações, buscava adivinhá-las e depreendia o que melhor lhe aprouvesse. Só para se ter uma ideia do tamanho do problema, somente ao morrer descobrimos que seu nome não era Élvio, e sim Elmo. Mas, então, tarde demais. Se algum dia for a Rodeiro, verá inscrito em seu túmulo Élvio Gardone e entre parênteses Elmo Cardon.

Lembrei-me  de meu tio porque cada vez mais me assusta  a dificuldade que encontramos no dia a dia de manter diálogos, devido à perigosa incapacidade que estamos desenvolvendo de ouvir o outro. Não sei qual a explicação, mas tenho percebido que as pessoas apenas querem falar, falar, falar, e não lhes interessa saber o que outro pensa a respeito do assunto em pauta. Em geral, são como fontes, que no breu da noite continuam a verter água, impossibilitadas de refletir a paisagem em torno, encantadas unicamente pelo barulho que fazem e que a escuridão amplifica.

Mais estranho ainda é que, em tempos de redes sociais, essa dificuldade de compreensão se estende até mesmo aos textos escritos. Ou seja, as pessoas tomam um trecho e, ou por o  lerem de maneira desatenta ou por simplesmente não saberem interpretá-lo, rechaçam-no  de maneira peremptória, encontrando nele coisas que não estão ali consignadas. E assim se destroem amizades, erguem-se desavenças, mancham-se reputações. Aliás, nós, brasileiros, temos uma enorme relutância em conviver com opiniões contrárias ou divergentes das nossas. Somos cordiais com todos aqueles que, de alguma maneira, comungam conosco pontos de vista similares, mas basta o menor sinal de contrariedade para demonstrarmos toda a nossa intolerância. Como não estamos acostumados ao exercício do diálogo, ao invés de buscar convencer o outro com argumentos, partimos imediatamente para a tentativa de aniquilá-lo, utilizando subterfúgios como a chacota, o sarcasmo, a desinformação e até mesmo a canalhice  pura e simples.

RUFATTO, Luiz. Disponível em http://brasil.elpais.com/brasil/ 2014/08/12/opinion/1407871072_537360.html. Acessado em 18 de agosto de 2014.

Considere os excertos abaixo e analise as afirmativas a seguir, com base no texto 2.

I. “Meu tio Élvio falava tão rápido e com um sotaque tão forte– mineirês da roça misturado a alguma coisa parecida com dialeto italiano da roça – que quase ninguém o entendia.” (primeiro parágrafo)

II. “Só para se ter uma ideia do tamanho do problema, somente ao morrer descobrimos que seu nome não era Élvio, e sim Elmo.” (primeiro parágrafo)

III. “Lembrei-me de meu tio porque cada vez mais me assusta a dificuldade que encontramos no dia a dia de manter diálogos, devido à perigosa incapacidade que estamos desenvolvendo de ouvir o outro.” (segundo parágrafo)

Analise as afirmativas:

1. Em I, os termos sublinhados são adjetivos que qualificam os substantivos que os antecedem.

2. Em I, os travessões são usados para intercalar uma explicação valorativa do autor, podendo ser corretamente substituídos, sem prejuízo de sentido, por vírgulas.

3. Em II, construção “e sim” envolve dois deslizes gramaticais: além de estar indevidamente antecedida por vírgula, é uma expressão coloquial que quebra o tom formal do texto, devendo ser substituída por “mas”.

4. Em III, o uso do sinal indicativo de crase é opcional, pois a locução prepositiva “devido a” não exige o emprego obrigatório de crase.

5. Em III, o autor, com fins argumentativos, evoca uma experiência pessoal para ilustrar uma situação de caráter geral.

Assinale a alternativa que indica todas as afirmativas corretas.

Alternativas
Comentários
  • As afirmativas 2 e 5 estão corretas, sendo as outras erradas.

  • Comentando as incorretas:


    Erro da Afirmativa 1 - O primeiro termo sublinhado não se refere ao substantivo antecedente ("Élvio"), mas se trata de predicativo do sujeito. Liga-se a "falava".

    Erro da Afirmativa 3 - Não há coloquialidade na utilização da conjunção "e" com sentido adversativo (diferentemente de "só que"). Ainda, quando nesse sentido, é necessária a vírgula antecendo a palavra.

    Erro da Afirmativa 4 - A crase é obrigatória, haja vista "devido a" terminar com a preposição "a" e o termo subsequente ser palavra feminina (regra geral).

  • Galera, entendo que o termo "rápido" da primeira oração não funciona como predicativo do sujeito porque o verbo falar não é verbo de ligação, portanto "tão rápido" não qualifica o sujeito mas adjetiva o verbo. Ou seja, trata-se de adjunto adverbial (de modo).

  • Na verdade todo mundo tem um jeito pessoal de resolver questões. Eu acertei esta, muito mais por eliminação do que por certeza. A 3 eu pulei por acreditar que o termo correto era "mas sim ..." e não "e sim..."... concursos...concursos... sempre leio os comentários. É uma aula!! Abraços!!

  • DUVIDA: NA AFIRMATIVA 1 A PALAVRA "RÁPIDO" É UM ADVERBIO DE MODO OU DE INTENSIDADE?
    QUEM RESPONDER FAVOR EXPLICAR O PORQUÊ.

    OBRIGADO!!

  • Meu tio Élvio falava tão rápido

    Rápido - consiste num advérbio de modo. Podendo haver a troca por rapidamente.

    Tão - consiste num advérbio de intensidade, intensificando outro advérbio. (rápido)

  • Quanto ao item I, a professora Flávia Rita afirma que a classe gramatical do termo define o seu aspecto semântico. Logo, "rápido" é adverbio, pois está modificando o verbo e "forte" é advérbio porque modifica um outro adverbio.

  • Gabarito B - 2 e 5 estão corretas.


    1. Em I, os termos sublinhados são adjetivos que qualificam os substantivos que os antecedem. ERRADO.

    RÁPIDO - advérbio de modo. É uma qualidade que modifica e refere-se a um verbo (FALAVA). Poderia ser confundido com um adjetivo, porém, observe: quando se tratar de um determinante do VERBO, não será um adjetivo, mas sim um advérbio! Caso fosse um determinante de um substantivo, como ocorre nos demais casos, seria um adjetivo.

    FORTE - adjetivo. É um determinante do substantivo SOTAQUE.

    ITALIANO - adjetivo. Determinante do substantivo DIALETO.


    2. Em I, os travessões são usados para intercalar uma explicação valorativa do autor, podendo ser corretamente substituídos, sem prejuízo de sentido, por vírgulas. CORRETO.


    3. Em II, construção “e sim” envolve dois deslizes gramaticais: além de estar indevidamente antecedida por vírgula, é uma expressão coloquial que quebra o tom formal do texto, devendo ser substituída por “mas”. ERRADO.

    Não há qualquer deslize. O "e" tem valor adversativo. Além disso, o texto não tem tom formal.

    "A conjunção aditiva e pode ter um sentido adversativo suplementar (cf. Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, pág. 320)."



    4. Em III, o uso do sinal indicativo de crase é opcional, pois a locução prepositiva “devido a” não exige o emprego obrigatório de crase. ERRADO.

    A preposição é obrigatória na locução prepositiva "devido a" e, considerando haver o artigo feminino "a" antes de "perigosa incapacidade", a crase se torna obrigatória!



    5. Em III, o autor, com fins argumentativos, evoca uma experiência pessoal para ilustrar uma situação de caráter geral. CORRETO.

    Na expressão ... “Lembrei-me de meu tio..." o autor demonstra uma lembrança pessoal.



  • Colega André Braga, o termo "forte" que encontramos no item I não é advérbio, mas sim adjetivo. Senão, vejamos:

    O termo em comento qualifica "um sotaque" cujo núcleo é substantivo (e isso podemos afirmar pela constatação do artigo que o precede). Assim, "forte", por se vincular a um substantivo (caracterizando-o, qualificando-o), só pode ser adjetivo.
    Lembrando que a função de um advérbio é modificar um verbo, um adjetivo ou outro advérbio, temos no período, para exemplificar, o advérbio "tão", o qual modifica o sentido do termo "rápido" (também advérbio, pois modificador de sentido do verbo "falava") e do termo "forte" (adjetivo, conforme dito), intensificando-os.
    No mais, ratifico as explicações abaixo ofertadas pela colega Sirla Mosken, as quais são de uma elogiável clareza.
    Espero ter contribuído para a movimentação das ideias.
  • Para ter certeza de que uma palavra é advérbio, basta ter em mente que ela não se flexiona. Vejamos:

    Ele falava rápido.

    Eles falavam rápido. 

    Nas duas orações, uma no singular e a outra no plural, percebe-se que o advérbio não se flexionou.

    Eles eram rápidos.

    Aqui, temos a certeza de que não é advérbio porque houve flexão, uma vez que se liga ao sujeito. 

  • Na I, rápido- advérbio/ forte -adjetivo. É só saber se vai para o plural ou não.