TEXTO - NAUFRÁGIO IMINENTE
Luís Garcia, O Globo, 20/03/2012
É da natureza dos partidos políticos divergirem uns dos outros. O que não indica má índole ou alguma espécie de incompatibilidade congênita, simplesmente, isso acontece porque todos eles buscam o poder - e também acontece que o poder não dá para todos.
Nada é mais natural e até saudável, portanto, que cada um defenda seus interesses e suas ambições baixando o porrete, verbalmente, é claro, nas costas dos demais.
Às vezes, no entanto, eles se juntam na busca de algum objetivo comum. É o que está acontecendo agora. Todas as legendas que compõem o cenário político estão unidas na perseguição de um objetivo comum: derrubar uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral.
O TSE decidiu, por quatro votos contra três, que, nas eleições deste ano, o registro das candidaturas dependerá da aprovação das contas da campanha de 2010. Não parece ser exigência descabida. Contas não aprovadas são prova óbvia de malandragem ou incompetência - com óbvia tendência, dirão cidadãos mais espertos ou de melhor memória, de mais casos da primeira hipótese.
É preciso registrar que a exigência de ficha limpa está limitada às eleições de dois anos atrás. Provavelmente, os ministros, por bondade de seus corações ou simplesmente por bom-senso, consideraram que poucas legendas - ou, quem sabe, nenhuma delas - sobreviveria a uma inquirição mais ampla.
Note-se, com alguma tristeza - mas talvez sem surpresa -, que estamos diante de uma atitude rara, se não for absolutamente inédita: qual foi mesmo a última vez que todos os partidos políticos brasileiros uniram-se na defesa de uma causa?
É também curioso e lamentável que a iniciativa dos partidos entre em choque com uma exigência que nasceu de um raríssimo - se não tiver sido inédito - movimento de origem popular (ou seja, sem qualquer ligação com políticos e seus partidos), a campanha da Ficha Limpa. E também não há demérito para o TSE numa associação de sua exigência de contas limpas com aquela recente, mas já histórica, campanha popular.
No fim das contas, os partidos, unidos como talvez jamais tenha acontecido antes - pelo menos na discussão de questão intrinsecamente política -, estão remando contra a correnteza duplamente: enfrentam tanto a vontade expressa da opinião pública como uma decisão explícita da Justiça Eleitoral. Um naufrágio parece tão iminente quanto indispensável.
“Contas não aprovadas são prova óbvia de malandragem ou incompetência – com óbvia tendência, dirão cidadãos mais espertos ou de melhor memória, de mais casos da primeira hipótese”. Se fosse empregado um pronome demonstrativo em lugar do termo sublinhado, sua forma adequada seria: