- ID
- 1447816
- Banca
- INAZ do Pará
- Órgão
- BANPARÁ
- Ano
- 2014
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
                                                  Vocações
                                                                                                          Luís Fernando Veríssimo
Todos diziam que a Leninha, quando crescesse, ia ser médica. Passava horas brincando de médico  com as bonecas. Só que, ao contrário de outras crianças, quando largou as bonecas não perdeu a  mania. A primeira vez que tocou no rosto do namorado foi para ver se estava com febre. Só na  segunda é que foi com carinho. Ia porque ia ser médica. Só tinha uma coisa. Não podia ver sangue.  
“Mas, Leninha, como é que..."
 “Deixa que eu me arranjo."  
Não é que ela tivesse nojo de sangue. Desmaiava. Não podia ver carne malpassada. Ou ketchup. 
Um  arranhãozinho era o bastante para derrubá-la. Se o arranhão fosse em outra pessoa ela corria para  
socorrê-la - era o instinto médico - , mas botava o curativo com o rosto virado. 
 “Acertei? Acertei?" 
“Acertou o joelho. Só que é na outra perna!"  Mas fez o vestibular para medicina, passou e preparou-se para começar o curso.  
“E as aulas de Anatomia, Leninha? Os cadáveres?"  
“Deixa que eu me arranjo."
  Fez um trato com a Olga, colega desde o secundário. Quando abrissem um cadáver, fecharia os olhos.  
A Olga descreveria tudo para ela. 
“Agora estão no fígado. Tem uma cor meio..." 
 “Por favor. Sem detalhes." 
 Conseguiu fazer todo o curso de medicina sem ver uma gota de sangue. Houve momentos em que 
 precisou explicar os olhos fechados.  
“É concentração, professor." 
Mas se formou. Hoje é médica, de sucesso. Não na cirurgia, claro. Se bem que chegou a pensar em  convidar a Olga para fazerem uma dupla cirúrgica, ela operando com o rosto virado e a Olga dando as  coordenadas.
“Mais para a esquerda... Aí. Agora corta!" 
 Está feliz. Inclusive se casou, pois encontrou uma alma gêmea. Foi num aeroporto. No bar onde foi 
 tomar um cafezinho enquanto esperava a chamada para o embarque puxou conversa com um homem  que parecia muito nervoso. 
“Algum problema?" - perguntou, pronta para medicá-lo. 
“Você tem medo de voar?" 
“Pavor. Sempre tive."  
“Então por que voa?" 
 “Na minha profissão é preciso."  “Qual é a sua profissão?" 
 “Piloto."  
Casaram-se uma semana depois. 
Sobre o primeiro período do texto, é incorreto afirmar: