Por volta de 1968, impressionado com a quantidade de
bois que Guimarães Rosa conduzia do pasto ao sonho, julguei
que o bom mineiro não ficaria chateado comigo se usasse um
deles num poema cabuloso que estava precisando de um boi,
só um boi.
Mas por que diabos um poema panfletário de um cara de
vinte anos de idade, que morava num bairro inteiramente urbanizado,
iria precisar de um boi? Não podia então ter pensado
naqueles bois que puxavam as grandes carroças de lixo que
chegara a ver em sua infância? O fato é que na época eu
estava lendo toda a obra publicada de Guimarães Rosa, e isso
influiu direto na minha escolha. Tudo bem, mas onde o boi ia
entrar no poema? Digo mal; um bom poeta é de fato capaz de
colocar o que bem entenda dentro dos seus versos. Mas você
disse que era um poema panfletário; o que é que um boi pode
fazer num poema panfletário?
Vamos, confesse. Confesso. Eu queria um boi perdido
no asfalto; sei que era exatamente isso o que eu queria; queria
que a minha namorada visse que eu seria capaz de pegar um
boi de Guimarães Rosa e desfilar sua solidão bovina num
mundo completamente estranho para ele, sangrando a língua
sem encontrar senão o chão duro e escaldante, perplexo diante
dos homens de cabeça baixa, desviando-se dos bêbados e dos
carros, sem saber muito bem onde ele entrava nessa história
toda de opressores e oprimidos; no fundo, dentro do meu egoísmo
libertador, eu queria um boi poema concreto no asfalto, para
que minha impotência diante dos donos do poder se configurasse
no berro imenso desse boi de literatura, e o meu coração,
ou minha índole, ficasse para sempre marcado por esse poderoso
símbolo de resistência.
Fez muito sucesso, entre os colegas, o meu boi no asfalto;
sei até onde está o velho caderno com o velho poema.
Mas não vou pegá-lo − o poema já foi reescrito várias vezes em
outros poemas; e o meu boi no asfalto ainda me enche de luz,
transformado em minha própria estrela.
(Adaptado de: GUERRA, Luiz, "Boi no Asfalto", Disponível em:
www.recantodasletras.com.br. Acessado em: 29/10/2015)
... sei até onde está o velho caderno com o velho poema.
(último parágrafo)
Quanto ao termo sublinhado no segmento acima, é correto
afirmar que se trata de