SóProvas


ID
1864147
Banca
IDECAN
Órgão
Prefeitura de Natal - RN
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Quem sabe Deus está ouvindo 

    Outro dia eu estava distraído, chupando um caju na varanda, e fiquei com a castanha na mão, sem saber onde botar. Perto de mim havia um vaso de antúrio; pus a castanha ali, calcando-a um pouco para entrar na terra, sem sequer me dar conta do que fazia. 
   Na semana seguinte a empregada me chamou a atenção: a castanha estava brotando. Alguma coisa verde saía da terra, em forma de concha. Dois ou três dias depois acordei cedo, e vi que durante a noite aquela coisa verde lançara para o ar um caule com pequenas folhas. É impressionante a rapidez com que essa plantinha cresce e vai abrindo folhas novas. Notei que a empregada regava com especial carinho a planta, e caçoei dela:
– Você vai criar um cajueiro aí? 
Embaraçada, ela confessou: tinha de arrancar a mudinha, naturalmente; mas estava com pena.
– Mas é melhor arrancar logo, não é? 
    Fiquei em silêncio. Seria exagero dizer: silêncio criminoso – mas confesso que havia nele um certo remorso. Um silêncio covarde. Não tenho terra onde plantar um cajueiro, e seria uma tolice permitir que ele crescesse ali mais alguns centímetros, sem nenhum futuro. Eu fora o culpado, com meu gesto leviano de enterrar a castanha, mas isso a empregada não sabe; ela pensa que tudo foi obra do acaso. Arrancar a plantinha com a minha mão – disso eu não seria capaz; nem mesmo dar ordem para que ela o fizesse. Se ela o fizer darei de ombros e não pensarei mais no caso; mas que o faça com sua mão, por sua iniciativa. Para a castanha e sua linda plantinha seremos dois deuses contrários, mas igualmente ignaros: eu, o deus da Vida; ela, o da Morte.
    Hoje pela manhã ela começou a me dizer qualquer coisa – “seu Rubem, o cajueirinho...”– mas o telefone tocou, fui atender, e a frase não se completou. Agora mesmo ela voltou da feira; trouxe um pequeno vaso com terra e transplantou para ele a mudinha. Veio me mostrar:
– Eu comprei um vaso...
– Ahn...
Depois de um silêncio, eu disse:
– Cajueiro sente muito a mudança, morre à toa...
Ela olhou a plantinha e disse com convicção:
– Esse aqui não vai morrer, não senhor.
   Eu devia lhe perguntar o que ela vai fazer com aquilo, daqui a uma, duas semanas. Ela espera, talvez, que eu o leve para o quintal de algum amigo; ela mesma não tem onde plantá-lo. Senti que ela tivera medo de que eu a censurasse pela compra do vaso, e ficara aliviada com a minha indiferença. Antes de me sentar para escrever, eu disse, sorrindo, uma frase profética, dita apenas por dizer: 
– Ainda vou chupar muito caju desse cajueiro.
Ela riu muito, depois ficou séria, levou o vaso para a varanda, e, ao passar por mim na sala, disse baixo com certa gravidade: 
– É capaz mesmo, seu Rubem; quem sabe Deus está ouvindo o que o senhor está dizendo...
Mas eu acho, sem falsa modéstia, que Deus deve andar muito ocupado com as bombas de hidrogênio e outros assuntos maiores. 

(BRAGA, Rubem, 1993-1990. 200 crônicas escolhidas – 31ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2010.) 

Em “... mas o telefone tocou, fui atender, e a frase não se completou.” (7º§) A partícula “e”, sublinhada nessa estrutura, estabelece entre as orações uma ideia de 

Alternativas
Comentários
  • Gabarito D: PESTANA (2012): Orações Coordenadas Sindéticas Aditivas
    Exprimindo ideia de soma, adição, sempre são iniciadas pelas conjunções coordenativas aditivas. Dê uma olhada no capítulo de conjunções coordenativas.
    – Dezenove sem-terra morreram no local, e dois, a caminho do hospital.
    – Eu não tinha estes olhos sem brilho nem tinha pensamentos amargos.
    – Tanto leciona quanto advoga.
    – Não só os parentes das vítimas ficaram chocados com o massacre, como o povo externou sua fúria contra os culpados pela chacina.

  • “... mas o telefone tocou, fui atender, MAS a frase não se completou.” 

    Para mim é oposição, pois da ideia de quebra na linha de raciocinio, esperava-se que a frase fosse completada. 

  • Quando tiver essas questões polêmicas, indiquem pra comentário.

  • Em  “... mas o telefone tocou, fui atender, e a frase não se completou.” (7º§) A partícula “e, sublinhada nessa estrutura, estabelece entre as orações uma ideia de:  

    D) acrescimo 

    adiciona uma informação a mais.

    mas o telefone tocou, fui atender,  a frase não se completou . . . 

  • Complemento interdisciplinar, "e" em raciocínio lógico indica soma.
  • Perceba que o personagem estava enumerando comentários por isso acréscimo.

  • Trata-se de uma conjunão aditiva, mas ao meu ver o sentido é de oposição/contraste...

  • Aditivas: ligam orações ou palavras, expressando ideia de acrescentamento ou adição. São elas: e, nem (= e não), não só... mas também, não só... como também, bem como, não só... mas ainda.

  • Ao meu ver, a partícula "e", se refere à frase “seu Rubem, o cajueirinho...”, que não faz nenhum um sentido de oposição com o fato de ter atendido o telefone. Reparem nas reticencias e nessa parte: "ela começou a me dizer qualquer coisa". portanto, e faz parte de uma sequência de ações, uma enumeração, um acréscimo. 

    Acredito que alguns estão confundindo (e é essa a intenção do examinador) a frase com alguma que seria dita por alguém que estaria do outro lado da linha do telefone, e que, neste caso, daria uma ideia de oposição ao fato de ele ter atendido o telefone.

  • Daria para substituir esse 'e' por 'mas' tranquilamente... Complicada a questão

  • É aditiva, pois ele enumera as ações que ocorrem. Não há oposição.

  • Aprendi pelas aulas do Estratégia que o "e" depois de vírgula por ocorrer pelos seguintes casos:

     

    - Determinando sujeitos diferentes. Ex: os ricos estão cada vez mais ricos, e os pobres, cada vez mais pobres.

     

    - Ter função diferente de adição. Ex: Estudou muito, e ainda assim não passou no concurso.

     

    - Usar para dar ênfase na repetição. Ex: e chora, e ri, e grita.

     

     

    Assim, acredito que a alternativa correta seria A.

  • estranho não ser oposição visto que o MAS cabe perfetamente na frase. ¬¬

  • Se for adição, então porque usar a virgula? respondi A

  • OI ?!?! fui sedento na A = MAS

  • GABARITO LETRA C PARA A BANCA

    DEVERIA SER A LETRA B

    Em “... mas o telefone tocou, fui atender, PORTANTO a frase não se completou.”

    A FRASE NÃO SE COMPLETOU, PORQUE ELE ESTAVA FALANDO COM A EMPREGA, SE ELE NÃO ESTIVESSE FALANDO COM A EMPREGADA, A FRASE SE COMPLETARIA. ENTÃO, POR ISSO QUE A FRASE NÃO SE COMPLETOU.

    ENFIM.....