SóProvas


ID
1903495
Banca
FUNCAB
Órgão
SEGEP-MA
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                 A Repartição dos Pães

      Era sábado e estávamos convidados para o almoço de obrigação. Mas cada um de nós gostava demais de sábado para gastá-lo com quem não queríamos. Cada um fora alguma vez feliz e ficara com a marca do desejo. Eu, eu queria tudo. E nós ali presos, como se nosso trem tivesse descarrilado e fôssemos obrigados a pousar entre estranhos. Ninguém ali me queria, eu não queria a ninguém. Quanto a meu sábado - que fora da janela se balançava em acácias e sombras - eu preferia, a gastá-lo mal, fechá-la na mão dura, onde eu o amarfanhava como a um lenço. À espera do almoço, bebíamos sem prazer, à saúde do ressentimento: amanhã já seria domingo. Não é com você que eu quero, dizia nosso olhar sem umidade, e soprávamos devagar a fumaça do cigarro seco. A avareza de não repartir o sábado, ia pouco a pouco roendo e avançando como ferrugem, até que qualquer alegria seria um insulto à alegria maior.

      Só a dona da casa não parecia economizar o sábado para usá-lo numa quinta de noite. Ela, no entanto, cujo coração já conhecera outros sábados. Como pudera esquecer que se quer mais e mais? Não se impacientava sequer com o grupo heterogêneo, sonhador e resignado que na sua casa só esperava como pela hora do primeiro trem partir, qualquer trem - menos ficar naquela estação vazia, menos ter que refrear o cavalo que correria de coração batendo para outros, outros cavalos.

      Passamos afinal à sala para um almoço que não tinha a bênção da fome. E foi quando surpreendidos deparamos com a mesa. Não podia ser para nós...

      Era uma mesa para homens de boa-vontade. Quem seria o conviva realmente esperado e que não viera? Mas éramos nós mesmos. Então aquela mulher dava o melhor não importava a quem? E lavava contente os pés do primeiro estrangeiro. Constrangidos, olhávamos.

      A mesa fora coberta por uma solene abundância. Sobre a toalha branca amontoavam-se espigas de trigo. E maçãs vermelhas, enormes cenouras amarelas [...]. Os tomates eram redondos para ninguém: para o ar, para o redondo ar. Sábado era de quem viesse. E a laranja adoçaria a língua de quem primeiro chegasse.

      Junto do prato de cada mal-convidado, a mulher que lavava pés de estranhos pusera - mesmo sem nos eleger, mesmo sem nos amar - um ramo de trigo ou um cacho de rabanetes ardentes ou uma talhada vermelha de melancia com seus alegres caroços. Tudo cortado pela acidez espanhola que se adivinhava nos limões verdes. Nas bilhas estava o leite, como se tivesse atravessado com as cabras o deserto dos penhascos. Vinho, quase negro de tão pisado, estremecia em vasilhas de barro. Tudo diante de nós. Tudo limpo do retorcido desejo humano. Tudo como é, não como quiséramos. Só existindo, e todo. Assim como existe um campo. Assim como as montanhas. Assim como homens e mulheres, e não nós, os ávidos. Assim como um sábado. Assim como apenas existe. Existe.

      Em nome de nada, era hora de comer. Em nome de ninguém, era bom. Sem nenhum sonho. E nós pouco a pouco a par do dia, pouco a pouco anonimizados, crescendo, maiores, à altura da vida possível. Então, como fidalgos camponeses, aceitamos a mesa.

      Não havia holocausto: aquilo tudo queria tanto ser comido quanto nós queríamos comê-lo. Nada guardando para o dia seguinte, ali mesmo ofereci o que eu sentia àquilo que me fazia sentir. Era um viver que eu não pagara de antemão com o sofrimento da espera, fome que nasce quando a boca já está perto da comida. Porque agora estávamos com fome, fome inteira que abrigava o todo e as migalhas. [...]

      E não quero formar a vida porque a existência já existe. Existe como um chão onde nós todos avançamos. Sem uma palavra de amor. Sem uma palavra. Mas teu prazer entende o meu. Nós somos fortes e nós comemos.

      Pão é amor entre estranhos.

         LISPECTOR, Clarice. A legião estrangeira. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

“Então aquela mulher dava o melhor não importava a quem? E lavava contente os pés do primeiro estrangeiro.”

A respeito do trecho acima, quanto aos aspectos gramatical, sintático e semântico, analise as afirmativas a seguir.

I. CONTENTE é, dentro do contexto, um predicativo.

II. É um período composto por coordenação.

III. ENTÃO é uma palavra com valor conclusivo.

Está(ão) correta(s) apenas a(s) afirmativa(s):

Alternativas
Comentários
  • Contente se refere ao sujeito mas se encontra no predicado.

  • Também errei a II...

  • "E lavava contente" seria um predicado verbo-nominal?

  • Cristiano... contente refere-se ao estado do sujeito (aquela mulher)..por isso é um predicativo do sujeito...Entende-se que ela está (verbo de ligação) contente.

     

  • eu errei o item 3 rs

  • Não entendi o item 2 ...

    “Então aquela mulher dava o melhor não importava a quem? E lavava contente os pés do primeiro estrangeiro.”

    em negrito estão dos verbos... a nao ser que a questão tenha considerado a primeira separadamente a 1ª frase como periodo composto e a 2ª como periodo simples

  • Indiquem para comentário..... Fazia tempo que não via uma questão comtantos erros e de forma tão disolvida entre todos os itens.

    kkkkkkkkkkkk ta osso!

  • Galera, o Vitor Abreu tem razão. Reparem que no trecho há DOIS PERÍODOS, basta lembrar que um período sempre termina em um ponto final, em um ponto de exclamação, EM UM PONTO DE INTERROGAÇÃO ou em reticências, caso após esta venha letra maiúscula.

    Abraços!

  • Então devido ao ponto de interrogação são dois períodos simples ?

  • Letra C.

     

    I. CONTENTE é, dentro do contexto, um predicativo. - Correto.

    Não é o modo como a mulher lavava que era contente, mas sim a forma como ela estava quando lavava, é uma característica (adjetivo) inerente ao sujeito (predicativo do sujeito).

    II. É um período composto por coordenação. - Errado.

    São dois períodos simples. Se fossem períodos compostos por coordenação ficaria assim: “Então aquela mulher dava o melhor não importava a quem e lavava contente os pés do primeiro estrangeiro.” Seria uma continuação e não terminaria em ponto final, ponto de exclamação, ponto de interrogação ou reticências (caso após esta venha letra maiúscula).

    III. ENTÃO é uma palavra com valor conclusivo. - Errado.

    Na frase "Então aquela mulher dava o melhor não importava a quem?" o termo tem sentindo de questionamento, dúvida. É só trocar por "por que".

  • ficaria contraditório se ENTAO fosse conclusivo e logo em seguida aparece uma pergunta.

  • Essa banca é desgraçada, e ponto final.

  • Adjetivo: é uma palavra que se refere ao substantivo indicando-lhe qualidade, estado, modo de ser.

    O adjetivo depende do substantivo, logo sua função sintática será adjunto adnominal e predicativo do sujeito. 

    Será adjunto adnominal o adjetivo que estiver ligado diretamente ao substantivo.

    Será predicativo do sujeito quando o adjetivo estiver distante do nome. 

    “Então aquela mulher dava o melhor não importava a quem? E lavava contente os pés do primeiro estrangeiro.”

    Contente é uma qualidade daquela mulher, é um adjetivo que está distante do nome, logo predicativo do sujeto. 

  • “Então aquela mulher dava o melhor não importava a quem? E lavava contente os pés do primeiro estrangeiro.”

     

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    O predicativo do sujeito indica característica, qualidade ou estado de sujeito de uma oração.

     

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    Período composto por coordenação: as orações apresentam independência sintática entre si e são denominadas coordenadas.

    Período composto por subordinação: uma oração funciona como termo de outra e as orações denominam-se subordinadas.

     

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    FONTE: William Roberto e Thereza Cochar

  • Dentro do contexto eu poderia jurar que então, era substituível por portanto, uma vez que o texto pergunta quer era o conviva importante que não veio e seguia dizendo que só tinha eles mesmos e entra o termo "então", que substituiria perfeitamente por portanto (na minha cabeça, pelo menos rs).

    Como fazemos para ter o comentário do professor??????????

  • IMPRESSÃO MINHA OU A FUNCAB ESTÁ GRADATIVAMENTE AUMENTANDO A DIFICULDADE DE SUAS PROVAS?!

  • E lavava contente os pés do primeiro estrangeiro.” (Predicado Verbo-Nominal)

    Lavava - VTD

    Contente - Predicativo do sujeito (característica transitória de "aquela mulher".

    os pés -  OD

    do primeiro estrangeiro - Complemento Nominal (agente passivo).

     

    Força e Foco!

  • WILLIAAN OLIVEIRA DIXA DE SER FRESCO

  • MELHOR COMENTÁRIO: Mariana Vieira

  • “Então aquela mulher dava o melhor não importava a quem? E lavava contente os pés do primeiro estrangeiro.”

    A respeito do trecho acima, quanto aos aspectos gramatical, sintático e semântico, analise as afirmativas a seguir.

    I. CONTENTE é, dentro do contexto, um predicativo.

    II. É um período composto por coordenação.

    III. ENTÃO é uma palavra com valor conclusivo.

    Aquela mulher lavava contente os pés do primeiro passageiro. Contente, é um adjetivo que está qualificando a forma que a mulher lavava os pés do "viajante", de forma feliz. Logo, podemos dizer que é um predicativo verbo-nominal.

    Observe-se que existe dois períodos simples e não compostos. É fácil notar, se fosse período compostos, estariam ligados por conjunção e não encerrariam com sinais de pontuação, que é o caso da interrogação.

    Então é uma palavra classificada na gramática como conjunção conclusiva,indica algo concluído. Todavia, no caso acima, não podemos dizer que trata-se de uma conjunção conclusiva, pois, o sinal de interrogação nos mostra uma pergunta direta.

  • VEM PMSC!

  • Questões totalmente fora da casinha.

  • Dizer que contente é um predicativo é muita sacanagem !!!!!! Kkkkķkk

  • O nivel dessa questão foi bem alto.

    I. CONTENTE é, dentro do contexto, um predicativo. SIM.

    O SUJEITO DESSA QUESTÃO ESTÁ OCULTO E O VERBO DE LIGAÇÃO TAMBÉM ESTÁ OCULTO.

    SUJEITO: AQUELA MULHER

    VERBO DE LIGAÇÃO: ESTAVA

    REESCRITA DA FRASE: AQUELA MULHER lavava os pés do primeiro estrangeiro E ESTAVA contente. ( ORAÇÃO NA ORDEM DIRETA).

    É um período composto por coordenação. NÃO

     ENTÃO é uma palavra com valor conclusivo. NÃO, NESSE CONTEXTO O ENTÃO NÃO EXERCE VALOR CONCLUSIVO.