Os meios de comunicação como exercício de
poder
Por Marilena Chauí - Palestra proferida no
lançamento da campanha “Para Expressar a
Liberdade – Uma nova lei para um novo
tempo”, em 27/08/2012, no Sindicato dos
Jornalistas de São Paulo.
Podemos focalizar o exercício do poder pelos
meios de comunicação de massa sob dois
aspectos principais: o econômico e o
ideológico.
Do ponto de vista econômico, os meios de
comunicação fazem parte da indústria
cultural. Indústria porque são empresas
privadas operando no mercado e que, hoje,
sob a ação da chamada globalização, passa por
profundas mudanças estruturais, “num
processo nunca visto de fusões e aquisições,
companhias globais ganharam posições de
domínio na mídia.”, como diz o jornalista Caio
Túlio Costa. Além da forte concentração (os
oligopólios beiram o monopólio), também é
significativa a presença, no setor das
comunicações, de empresas que não tinham
vínculos com ele nem tradição nessa área. O
porte dos investimentos e a perspectiva de
lucros jamais vistos levaram grupos
proprietários de bancos, indústria
metalúrgica, indústria elétrica e eletrônica,
fabricantes de armamentos e aviões de
combate, indústria de telecomunicações a
adquirir, mundo afora, jornais, revistas,
serviços de telefonia, rádios e televisões,
portais de internet, satélites, etc.
No caso do Brasil, o poderio econômico dos
meios é inseparável da forma oligárquica do
poder do Estado, produzindo um dos
fenômenos mais contrários à democracia, qual
seja, o que Alberto Dines chamou de
“coronelismo eletrônico”, isto é, a forma
privatizada das concessões públicas de canais
de rádio e televisão, concedidos a
parlamentares e lobbies privados, de tal
maneira que aqueles que deveriam fiscalizar
as concessões públicas se tornam
concessionários privados, apropriando-se de
um bem público para manter privilégios,
monopolizando a comunicação e a informação.
Esse privilégio é um poder político que se ergue contra dois direitos democráticos
essenciais: a isonomia (a igualdade perante a
lei) e a isegoria (o direito à palavra ou o igual
direito de todos de expressar-se em público e
ter suas opiniões publicamente discutidas e
avaliadas). Numa palavra, a cidadania
democrática exige que os cidadãos estejam
informados para que possam opinar e intervir
politicamente e isso lhes é roubado pelo poder
econômico dos meios de comunicação.
A isonomia e a isegoria são também
ameaçadas e destruídas pelo poder ideológico
dos meios de comunicação. De fato, do ponto
de vista ideológico, a mídia exerce o poder sob
a forma do que denominamos a ideologia da
competência, cuja peculiaridade está em seu
modo de aparecer sob a forma anônima e
impessoal do discurso do conhecimento, e cuja
eficácia social, política e cultural está fundada
na crença na racionalidade técnico-científica.
A ideologia da competência pode ser resumida
da seguinte maneira: não é qualquer um que
pode em qualquer lugar e em qualquer ocasião
dizer qualquer coisa a qualquer outro. O
discurso competente determina de antemão
quem tem o direito de falar e quem deve ouvir,
assim como pré-determina os lugares e as
circunstâncias em que é permitido falar e
ouvir, e define previamente a forma e o
conteúdo do que deve ser dito e precisa ser
ouvido. Essas distinções têm como
fundamento uma distinção principal, aquela
que divide socialmente os detentores de um
saber ou de um conhecimento (científico,
técnico, religioso, político, artístico), que
podem falar e têm o direito de mandar e
comandar, e os desprovidos de saber, que
devem ouvir e obedecer. Numa palavra, a
ideologia da competência institui a divisão
social entre os competentes, que sabem e por
isso mandam, e os incompetentes, que não
sabem e por isso obedecem.
Enquanto discurso do conhecimento, essa
ideologia opera com a figura do especialista.
Os meios de comunicação não só se alimentam
dessa figura, mas não cessam de instituí-la
como sujeito da comunicação. O especialista
competente é aquele que, no rádio, na TV, na
revista, no jornal ou no multimídia, divulga
saberes, falando das últimas descobertas da
ciência ou nos ensinando a agir, pensar, sentir
e viver. O especialista competente nos ensina a bem fazer sexo, jardinagem, culinária,
educação das crianças, decoração da casa,
boas maneiras, uso de roupas apropriadas em
horas e locais apropriados, como amar Jesus e
ganhar o céu, meditação espiritual, como ter
um corpo juvenil e saudável, como ganhar
dinheiro e subir na vida. O principal
especialista, porém, não se confunde com
nenhum dos anteriores, mas é uma espécie de
síntese, construída a partir das figuras
precedentes: é aquele que explica e interpreta
as notícias e os acontecimentos econômicos,
sociais, políticos, culturais, religiosos e
esportivos, aquele que devassa, eleva e rebaixa
entrevistados, zomba, premia e pune calouros
– em suma, o chamado “formador de opinião”
e o “comunicador”.
Ideologicamente, o poder da comunicação de
massa não é uma simples inculcação de
valores e ideias, pois, dizendo-nos o que
devemos pensar, sentir, falar e fazer, o
especialista, o formador de opinião e o
comunicador nos dizem que nada sabemos e
por isso seu poder se realiza como
manipulação e intimidação social e cultural.
Um dos aspectos mais terríveis desse duplo
poder dos meios de comunicação se manifesta
nos procedimentos midiáticos de produção da
culpa e condenação sumária dos indivíduos,
por meio de um instrumento psicológico
profundo: a suspeição, que pressupõe a
presunção de culpa. [...]
Em de tal maneira que e para são operadores
argumentativos que introduzem,
respectivamente, uma: