SóProvas


ID
2359732
Banca
IBADE
Órgão
SEJUDH - MT
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                                      TE

    De todas as coisas pequenas, estava ali a menor de todas que eu já tinha visto. Não porque ela sofresse dessas severas desnutrições africanas - embora passasse fome mas pelo que eu saberia dela depois.

    Teria uns 4 anos de idade, estava inteiramente nua e suja, o nariz catarrento, o cabelo desgrenhado numa massa disforme, liso e sujo. Chorava alto, sentada no chão da sala escura. A casa de taipa tinha três cômodos pequenos. Isso que chamei de sala não passava de um espaço de 2 m por 2 m, sem janelas. Apenas a porta, aberta na parte de cima, jogava alguma luz no ambiente de teto baixo e chão batido.

      Isso aconteceu na semana passada, num distrito de Sertânia, cidade a 350 km de Recife, no sertão de Pernambuco. A mãe e os outros seis filhos ficaram na porta a nos espreitar, os visitantes estranhos. O marido, carregador de estrume, ganhava R$ 20 por semana, o que somava R$ 80 por mês. Essa a renda do casal analfabeto. Nenhum dos sete filhos frequentava a escola. Não havia água encanada. Compravam a R$ 4 o tambor de 24 litros. O choro da menina seguia atrapalhando a conversa.

      - Ei, por que você está chorando? perguntei, enfiando a cabeça no vão da porta. A menina não ouviu, largada no chão.

     - Ei! Vem cá, eu vou te dar um presente - repeti. Ela olhou para mim pela primeira vez. Mas não se mexeu, ainda chorando.

      - Como é o nome dela? - perguntei à mulher.

      - Agente chama ela de Te -disse, banguela.

      -Te? Mas qual o nome dela?-insisti.

      - Agente chama ela de Te, que ela ainda não foi batizada não.

      - Como assim? Ela não tem nome? Não foi registrada no cartório?

      - Não, porque eu ainda não fui atrás de fazer.

     Te. Olhei de novo para a menina. Era a menor coisa do mundo, uma pessoa sem nome. Um nada. “Te” era antes da sílaba - era apenas um fonema, um murmúrio, um gemido. Entendi o choro, o soluço, o grito ininterrupto no meio da sala. A falta de nome impressionava mais do que a falta de todo o resto.

    Te chorava de uma dor, de uma falta avassaladora. Só podia ser. Chorava de solidão, dessa solidão dos abandonados, dos que não contam para nada, dos que mal existem. Ela era o resultado concreto das políticas civilizadas (as econômicas, as sociais) e de todo o nosso comportamento animal: o de ir fazendo sexo e filhos como os bichos egoístas que somos, enfim. 

    Era como se aquele agrupamento humano (uma família?) vivesse num estágio qualquer pré- linguagem, em que nomear as coisas e as pessoas pouco importava. Rousseau diz que o homem pré-histórico não precisava falar para se alimentar. Não foi por causa da comida que surgiu a linguagem. "O fruto não desaparece de nossas mãos”, explica. Por isso não era necessário denominá-lo.

      As primeiras palavras foram pronunciadas para exprimir o que não vemos, os sentimentos, as paixões, o amor, o ódio, a raiva, a comiseração. “Só chamamos as coisas por seus verdadeiros nomes quando as vemos em suas formas verdadeiras.” Só quando Te viu a coisa na minha mão se calou.

      - Ei, Te, olha o que eu tenho para te dar!

    Ela virou-se na minha direção. Fez-se um silêncio na sala. Era uma bala enrolada num papel verde, com letras vermelhas. Então ela se levantou, veio até a porta e pegou o doce, voltou para o mesmo lugar e recomeçou seu lamento.

    Nem a bala serviu de consolo. Era tudo amargura. Só restava chorar, chorar e chorar por essa morte em vida, por essa falta de nome, essa desolação.

FELINTO, Marilene. Te. Folha de S. Paulo, São Paulo, 30 jan. 2001. Brasil, Cotidiano, p. C2. 

Sobre os elementos destacados do fragmento “Não porque ela sofresse dessas severas desnutrições africanas - embora passasse fome -, mas pelo que eu saberia dela depois.", leia as afirmativas.

I. A oração entre travessões - EMBORA PASSASSE FOME - possui valor concessivo.

II. O modo das formas verbais SOFRESSE e PASSASSE é determinado sobretudo pelas relações que se verificam entre o conteúdo das orações.

III. A palavra QUE é uma conjunção integrante.

Está correto apenas o que se afirma em:

Alternativas
Comentários
  • Em relação à afirmativa III, eu entendi o seguinte:

    "... mas pelo que eu saberia dela depois."

     “pelo” é a contração da preposição “por” com o artigo “o

    assim, "por o que = por aquilo que"

    O "que" é pronome relativo porque retoma o termo antecedente, e exerce uma função sintática dentro da oração subordinada Adjetiva,

    empregando o raciocínio acima: "mas por aquilo que eu saberia dela depois."  

    (eu saberia o que? = aquilo), assim o "que" exerce a função sintática de Objeto direto dentro da oração.

     

  • A palavra QUE é pronome relativo.

  • William ponte...muitas pessoas apenas comentam o gabarito correto para ajudar quem não é assinante.

    Existem muitos comentários doentios...inclusive o seu..porém quem comenta o gabarito para ajudar outras pessoas não é doente, te garanto.

  • William, você já parou para pensar que às vezes a pessoa que posta apenas o gabarito não explicar as alternativas, mas que quer ajudar de alguma forma as pessoas que não são assinantes? Reflita, cada um ajuda como pode. 

  • Corretas, I e II. 

    O item III não pode ser conjunção integrante, pois não pode ser substituído por "isso"

  • Dá pra postar o gabarito com explicação.
  • Na conjunção integrante sempre antes do QUE  tem um verbo, na adjetiva um nome antes do QUE.

  • Alguém sabe explicar a afirmação II?

  • GABARITO:    C

     

    I. A oração entre travessões - EMBORA PASSASSE FOME - possui valor concessivo. ( CERTO ) ''Conjunção subordinada concessiva''

    II. O modo das formas verbais SOFRESSE e PASSASSE é determinado sobretudo pelas relações que se verificam entre o conteúdo das orações. ( CERTO ) ''Quando se coloca as  conjunções ''CONCESSIVA, FINAL E CONDICIONAL'' o verbo vai automaticamente para o subjuntivo''   Não porque ela sofresse dessas severas desnutrições africanas - embora passasse fome -, mas pelo que eu saberia dela depois''

    III. A palavra QUE é uma conjunção integrante. ( ERRADO ) ''PRONOME RELATIVO''

     

    ESPERO TER AJUDADO.

     

    Nunca desista de seus sonhos, lute sempre por eles!! VOCÊ IRÁ CONSEGUIR CAMPEÃ(O)

     

  • CONJUNÇÕES CONCESSIVAS: EMBORA, AINDA QUE, MESMO QUE, POSTO QUE, PIOR QUE, POR MAIS QUE, APESAR DE QUE, SE BEM QUE, CONQUANTO, DADO QUE, NÃO OBSTANTE, MALGRADO, NEM QUE

  • Não entendi a II, alguém saberia responder...

  • quanto à afirmativa III:

     

    trata-se de um pronome relativo, que introduz uma oração substantiva subordinada adjetiva restritiva.

     

    é o caso D.R.

    o pronome demostrativo está contraído: pelo = por + o (demonstrativo) = por aquilo.  

     

     

    #pas

     

  • quanto à afirmativa II: paralelismo sintático.

     

     

    #pas

     

  • QUE é um pronome relativo pois para ser Conjunção Integrante teria que seguir uma Oração Subordinada Substantiva.

  • "[...] pelo que eu saberia dela depois."

    pelo = preposição per + pronome desmonstrativo o  (pronomes desmonstrativos; aquele(s), aquela(s), o(s), a(s), aquilo)

    pelo que = por aquilo o qual

    Logo, "que" é pronome relativo e não conjunção integrante.

    Pra identificar se o "que" é um pronome relativo, aí vai a receita; substituir o que por o qual, a qual, os quais, as quais (pronomes relativos puros) se for possível, é pronome relativo. 

  • I. CORRETO, tem-se aí uma concessão, marcada pela conjunção EMBORA.
    II. CORRETO, o contexto exige o uso do imperfeito do subjuntivo. 
    III. A palavra QUE é uma conjunção integrante. INCORRETO, no contexto o QUE é um pronome relativo. “ Por aquilo QUE (o qual) eu saberia dela depois.”

  • II. O modo das formas verbais SOFRESSE e PASSASSE é determinado sobretudo pelas relações que se verificam entre o conteúdo das orações. (correta)

    As formas verbais SOFRESSE e PASSASSE estão no modo subjuntivo,  em orações subordinadas que trazem relações de concessão, condição e finalidade entre as orações é usual o emprego do modo subjuntivo na oração subordinada, a qual é claramente identificada pela presença da conjunção.

     

  • Há a conjunção embora, que expressa dúvida, hipótese, possibilidade. Logo, as alternativas 1 e 2 estão corretas. "Que" retoma algo dito anteriormente. Logo é pronome relativo.

  • quando se tem uma oração concessiva, final ou condicional, o verbo vai para o subjuntivo!!!