SóProvas


ID
2814037
Banca
Colégio Pedro II
Órgão
Colégio Pedro II
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

TEXTO I


Mapa dos sonhos


    A guerra devastou nosso país. Os prédios ruíram, viraram pó. Perdemos tudo o que tínhamos e fugimos de mãos vazias.

    Percorremos um longo caminho, rumo ao leste, e chegamos a um país de verões quentes e invernos gelados, a uma cidade cujas casas eram de barro, palha e estrume de camelo, rodeada por estepes poeirentas, abrasadas pelo sol.

    Fomos morar num quartinho, com um casal que não conhecíamos. Dormíamos no chão de terra batida. Eu não tinha brinquedos nem livros. E o pior: a comida era pouca.

    Um dia, meu pai foi ao mercado comprar pão. A tarde foi caindo, e ele não voltava. Minha mãe e eu o esperávamos, preocupados e famintos. Já estava escurecendo quando ele chegou, trazendo um rolo de papel embaixo do braço.

    – Comprei um mapa – anunciou, triunfante.

    – Onde está o pão? – minha mãe perguntou.

    – Comprei um mapa – ele repetiu.

    Mamãe e eu não dissemos nada.

    – Meu dinheiro só dava para comprar um pedaço minúsculo de pão, que não mataria nossa fome – ele explicou, se desculpando.

    – Não temos nada para comer – minha mãe disse, amargurada.

    – Em compensação, temos um mapa.

    Fiquei furioso. Achei que não ia conseguir perdoá-lo, e fui para a cama com fome, enquanto o casal que morava conosco comia seu jantar minguado.

    O marido era escritor. Ele escrevia em silêncio, mas fazia um barulhão danado quando mastigava. Mastigava uma casquinha de pão com o maior entusiasmo, como se fosse a guloseima mais deliciosa do mundo. Senti inveja do pão dele. Quem dera eu pudesse mastigá-lo! Cobri a cabeça com o cobertor para não ouvi-lo estalar os lábios com aquela satisfação tão barulhenta.

    No dia seguinte, meu pai pendurou o mapa. Ele ocupou a parede inteira! Nosso quartinho sem graça inundou-se de cores.

    Fiquei fascinado pelo mapa e passei horas olhando para ele, examinando cada detalhe. E durante muitos dias eu o desenhei em cada pedacinho de papel que me aparecia pela frente.

    Eu encontrava nomes desconhecidos naquele mapa. Lia-os em voz alta, me deliciando com seu som estranho e usando-os para compor quadrinhas rimadas:

        Fukuoka Takaoka Omsk,

        Fukuyama Nagayama Tomsk,

        Okasaki Miyasaki Pinsk,

        Pensilvânia Transilvânia Minsk!

    Eu repetia esses versos como uma fórmula mágica, e, sem nunca sair do quarto, me transportava para longe.

    Aterrissei em desertos abrasadores.

    Percorri praias, sentindo a areia entre os dedos dos pés.

    Escalei montanhas nevadas onde o vento gelado me lambia o rosto.

    Vi templos maravilhosos com esculturas de pedra dançando nas paredes e pássaros de todas as cores cantando nos telhados.

    Atravessei pomares cheios de frutas, comi mamões e mangas até me fartar.

    Bebi água fresquinha e descansei à sombra de palmeiras.

    Cheguei a uma cidade de arranha-céus e tentei contar suas janelas. Eram tantas que caí no sono antes de acabar.

    E assim passei horas de encantamento longe da fome e da miséria.

    E perdoei meu pai. Afinal, ele fez a coisa certa.

Nota do autor: Nasci em Varsóvia, na Polônia. O bombardeio de Varsóvia aconteceu em 1939, quando eu tinha 4 anos. Lembro-me das ruas afundando, dos edifícios queimados ou desmoronando, virando pó, e de uma bomba que caiu no vão da escada do nosso prédio. Pouco depois, fugi da Polônia com minha família. Durante seis anos moramos na União Soviética, a maior parte do tempo na Ásia Central, na cidade de Turquestão, onde hoje é o Casaquistão. Por fim chegamos a Paris, em 1947, e nos mudamos para Israel em 1949. Vim para os Estados Unidos em 1959. A história desse livro é de quando eu tinha quatro ou cinco anos, nos primeiros tempos de nossa permanência no Turquestão. O mapa original se perdeu há muito tempo.


SHULEVITZ, Uri. Mapa dos sonhos. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

Releia a frase do Texto I:

“Minha mãe e eu o esperávamos, preocupados e famintos.”

Assinale a alternativa em que o pronome obliquo se refere ao mesmo termo que na frase destacada acima.

Alternativas
Comentários
  • Minha mãe e eu o esperávamos - Minha mãe e eu esperávamos meu pai ( o pronome se refere ao pai do garoto )

     

    CORRETA a)“Achei que não ia conseguir perdoá-lo ( perdoar meu pai ), e fui para a cama com fome, enquanto o casal que morava conosco comia seu jantar minguado.” 

     

     

  • Gabarito A.

     

    Um dia, meu pai foi ao mercado comprar pão. A tarde foi caindo, e ele não voltava. Minha mãe e eu o (meu pai) esperávamos

    a) Achei que não ia conseguir perdoá-lo (meu pai), e fui para a cama com fome.

     

    d) Fiquei fascinado pelo mapa e passei horas olhando para ele, examinando cada detalhe. E durante muitos dias eu o (mapa) desenhei em cada pedacinho de papel que me aparecia pela frente.

  • “Cobri a cabeça com o cobertor para não ouvi-lo estalar os lábios com aquela satisfação tão barulhenta.”  - também faz referência ao "pai", pois é o pai que estala os lábios (faz barulho ao comer).

  • Everton Rosa,faz referência ao marido, ou seja, àquele casal (marido e mulher) que estava junto no quartinho e que não conheciam.

  • porq não poderia ser a D ????

  • Na alternativa "B" o cara que estalava os lábios era o escritor cara que hospedava eles na casa, ele tinha um pão para comer...


    Na alternativa "D" ele fala que desenhava o mapa que tinha no quarto em cada papel disponível.


    Na alternativa "A" ele diz que achava que não ia conseguir perdoar o pai por ter comprado um mapa ao invés de um pão.... e no enunciado diz que a criança e a mãe estavam aguardando o pai chegar com o pão. Então essa é a resposta

  • Nossa, pelo menos poderia ter colocado a linha do texto.
  • Mas esta questão está com um problema de formulação, ela quer a alternativa em que o pronome oblíquo se refere não ao mesmo TERMO que na frase anterior, mas sim à mesma PESSOA. A palavra "termo" está relacionada à função na oração, de forma que seu uso equivocado gera obscuridade e imprecisão no enunciado.

  • Não entendi porque não é a D, alguém consegue explicar?

  • O enunciado pede o mesmo sujeito da frase nas alternativas a seguir, que no caso é o pai da criança.

    A unica alternativa que o pronome oblíquo átono fala do pai é a alternativa "a".