SóProvas


ID
3104113
Banca
FCC
Órgão
SANASA Campinas
Ano
2019
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

      De cedo, aprendi a subir ladeira e a pegar bonde andando. Posso dizer, com humildade orgulhosa, que tive morros e bondes no meu tempo de menino.

      Nossa pobreza não era envergonhada. Ainda não fora substituída pela miséria nos morros pobres, como o da Geada. Que tinha esse nome a propósito: lá pelos altos do Jaguaré, quando fazia muito frio, no morro costumava gear. Tínhamos um par de sapatos para o domingo. Só. A semana tocada de tamancos ou de pés no chão.

      Não há lembrança que me chegue sem os gostos. Será difícil esquecer, lá no morro, o gosto de fel de chá para os rins, chá de carqueja empurrado goela abaixo pelas mãos de minha bisavó Júlia. Havia pobreza, marcada. Mas se o chá de carqueja me descia brabo pela goela, como me é difícil esquecer o gosto bom do leite quente na caneca esmaltada estirada, amorosamente, também no morro da Geada, pelas mãos de minha avó Nair.

      A miséria não substituíra a pobreza. E lá no morro da Geada, além do futebol e do jogo de malha, a gente criava de um tudo. Havia galinha, cabrito, porco, marreco, passarinho, e a natureza criava rolinha, corruíra, papa-capim, andorinha, quanto. Tudo ali nos Jaguarés, no morro da Geada, sem água encanada, com luz só recente, sem televisão, sem aparelho de som e sem inflação.

      Nenhum de nós sabia dizer a palavra solidariedade. Mas, na casa do tio Otacílio, criavam-se até filhos dos outros, e estou certo que o nosso coração era simples, espichado e melhor. Não desandávamos a reclamar da vida, não nos hostilizávamos feito possessos, tocávamos a pé pra baixo e pra cima e, quando um se encontrava com o outro, a gente não dizia: “Oi!”. A gente se saudava, largo e profundo: − Ô, batuta*!

*batuta: amigo, camarada.

(Texto adaptado. João Antônio. Meus tempos de menino. In: WERNEK, Humberto (org.). Boa companhia: crônicas. São Paulo, Companhia das Letras, 2005, p. 141-143) 

Tínhamos um par de sapatos para o domingo. Só. A semana tocada de tamancos ou de pés no chão. (2° parágrafo)


Está condizente com o que se lê no trecho acima, com a vírgula empregada corretamente, o que se encontra em:

Alternativas
Comentários
  • GABARITO: LETRA A

    ? Tínhamos um par de sapatos para o domingo. . A semana tocada de tamancos ou de pés no chão. (2° parágrafo) ? o termo em destaque é um advérbio e equivale a "somente", queremos uma frase correta e com o termo com o mesmo valor.

    A) Tínhamos um par de sapatos para o domingo, só. A semana tocada de tamancos ou de pés no chão. ? correto, o sentido permaneceu o mesmo e a vírgula foi substituída pelo ponto final sem qualquer prejuízo gramatical.

    B) Tínhamos um par, de sapatos, só para o domingo. A semana tocada de tamancos ou de pés no chão. ? incorreto, visto que o adjunto adnominal está separado pelas vírgulas, logo é uma incorreção.

    C) Só, tínhamos um par de sapatos para o domingo. A semana tocada de tamancos ou de pés no chão. ? a forma como o termo está deslocado está equivalendo a um adjetivo "sozinho", não é o que queremos.

    D) Tínhamos um par de sapatos para o domingo. A semana só, tocada de tamancos ou de pés no chão. ? termo "só" deslocado prejudicando o sentido e além disso temos a vírgula separando o sujeito de seu verbo.

    E) Tínhamos um par de sapatos para o domingo. A semana tocada de tamancos ou de pés, só no chão. ? novamente a deslocação do termo "só" passou a modificar outro termo (advérbio de lugar ? somente no chão), não é esse o sentido original.

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  • Valeu Arthur!

    A

  • A questão aborda proposta de reescrita com vírgula, tendo como elemento chave para a nova redação o advérbio SÓ. Para resolver o que se propõe, vale lembrar que, em relação aos advérbios, usamos a vírgula para marcar o deslocamento desse termo, ou seja, a posição que ele pode ocupar fora da ordem direta. Assim em uma oração, vale lembrar que existem três princípios fundamentais do uso da vírgula:
    (1)   Não se separa sujeito de verbo, nem verbo de complementos pela vírgula.

    (2)   Marca-se a mudança de posição dos adjuntos adverbiais, do final da oração (ordem direta) para o seu interior ou início.

    (3)   Não se separa, por vírgulas, o núcleo de seu adjunto adnominal.

    (4)   Marca-se a inclusão de palavras ou expressões por vírgulas.

    Sabendo desses quatro princípios do emprego da vírgula e de sua especificidade em relação à pontuação dos adjuntos adverbiais, vejamos o seguinte fragmento de origem:

    Fragmento:

     “ Tínhamos um par de sapatos para o domingo. Só. A semana tocada de tamancos ou de pés no chão".

    Notemos que o adjunto adverbial “só" está isolado por dois pontos finais. Essa escrita apresenta um efeito expressivo, isto é, que expressa visões que estão além das regras gramaticais, ligadas às intenções do autor e ao contexto afetivo em que se encontram os personagens. Nesse caso, não fica difícil perceber que os pontos destacam o advérbio de maneira a enfatizar a exclusividade do domingo, como único dia da semana em que se podia usar os sapatos. Naturalmente, enfatizando esse tom exclusivo, realça-se, também, o cenário de pobreza em que vivia o personagem.

    Para marcarmos a reescrita correta, devemos assinalar aquela em que não se infringem as regras gramaticais e que, ao mesmo tempo, preservem os sentidos expressivos do texto de origem.

    Examinemos, agora, cada uma das propostas de reescrita.


    A)   Tínhamos um par de sapatos para o domingo, só. A semana tocada de tamancos ou de pés no chão. 

    CORRETA.

    Notemos que, se há que se manter o efeito expressivo de isolar o adjunto adverbial SÓ, isso pode ser feito com dois pontos finais, como ocorre no texto de origem, e com uma vírgula e um ponto, tal como se apresenta na letra A. Esses dois elementos de pontuação continuam sendo usados de maneira a sinalizar a exclusividade do domingo em relação ao uso dos sapatos. Gramaticalmente, note que SÓ, no texto original, é um adjunto adverbial cuja circunstância recai sobre toda a oração “tínhamos um par de sapatos para o domingo", sem fazer parte dela. Ele não é membro da oração, apenas se conecta a ela emprestando-lhe sentido de exclusividade. Assim, na reescrita, não há transgressão à gramática, pois estamos incluindo, na referida oração, um termo que não fazia parte dela antes. Portanto, a vírgula sinaliza a inclusão da palavra SÓ e o ponto final, a informação de que a oração reescrita termina, nessa versão, justamente com essa palavra. Ao mesmo tempo, a combinação da vírgula com o ponto final continua provocando efeito de exclusividade ao advérbio, mesmo estando ele, agora, no interior da oração “tínhamos um par de sapatos para o domingo, só". A reescrita atende tanto aos princípios gramaticais quanto aos efeitos expressivos já presentes no texto original. A letra A, portanto, é a resposta da questão .


    B) Tínhamos um par, de sapatos, só para o domingo. A semana tocada de tamancos ou de pés no chão. 

    ERRADA.

    Note que as vírgulas separam a palavra “par" do termo “de sapatos", o que transgride um dos princípios gramaticais, o de não separação entre núcleos e adjuntos adnominais. A expressão “um par de sapatos" é um objeto direto de “tínhamos", cujo substantivo “par" é o núcleo e a locução “de sapatos" é o seu determinante, ou adjunto adnominal. Por essa razão, a letra B não caberia como resposta.


    C) Só, tínhamos um par de sapatos para o domingo. A semana tocada de tamancos ou de pés no chão. 

    ERRADA.

    Nesta reescrita, no início do período, marcada por vírgula, a palavra “só" tem o seu sentido e, consequentemente, a sua classe gramatical alterados. Trata-se de um adjetivo, que significa “sozinho". Esse registro, além de mudar aspectos semânticos e gramaticais da palavra, provoca incorreção no que diz respeito à concordância, pois se “só" passa a significar “sozinho", esse adjetivo, na oração em análise, passa a ser um predicativo referente ao sujeito desinencial “nós" (“[nós] tínhamos"). Notemos que o predicativo do sujeito será sempre um termo oracional que reconhecemos por se separar do sujeito (seja por meio do verbo de ligação, seja pelas vírgulas), mesmo a ele se referindo. Então, a vírgula marca “só" como predicativo, e não como adjunto adverbial. Nessa reescrita, até mesmo se a intenção fosse transformar o adjunto adverbial em predicativo do sujeito, a opção estaria errada, pois, estando o sujeito no plural, o seu predicativo também deveria estar (“sós").


    D) Tínhamos um par de sapatos para o domingo. A semana só, tocada de tamancos ou de pés no chão. 

    ERRADA.

    Quando a palavra “só" passa a ser deslocada para depois de “semana", ele passa a ser um adjetivo novamente, com mudança também de sentido. Nessa reescrita, “a semana sozinha" era tocada de tamancos ou de pés no chão. Ou seja, trata-se de um adjetivo que não se separa do seu núcleo (“semana") por vírgula, sendo, por essa razão, classificado na oração reescrita, como adjunto adnominal. A vírgula aparece não mais para pontuar “só" (nesse contexto significando “sozinha"), mas sim para sinalizar um termo explicativo posterior a essa palavra.


    E) Tínhamos um par de sapatos para o domingo. A semana tocada de tamancos ou de pés, só no chão.

    ERRADA.

    Mais uma vez, o deslocamento de “só" altera radicalmente o sentido do fragmento. Observe que o que se pontua não é “só", e sim a expressão “só no chão" que, nesse caso, constitui uma explicação sobre “a semana tocada de tamancos ou de pé", e não uma exclusividade sobre o domingo. Por essa razão, a letra E não poderia ser considerada resposta da questão.


    Gabarito da professora: A.