A questão aborda proposta de reescrita
com vírgula, tendo como elemento chave para a nova redação o advérbio SÓ. Para
resolver o que se propõe, vale lembrar que, em relação aos advérbios, usamos a
vírgula para marcar o deslocamento desse termo, ou seja, a posição que ele pode
ocupar fora da ordem direta. Assim em uma oração, vale lembrar que existem três
princípios fundamentais do uso da vírgula:
(1)
Não se separa sujeito de verbo, nem
verbo de complementos pela vírgula.
(2)
Marca-se a mudança de posição dos
adjuntos adverbiais, do final da oração (ordem direta) para o seu interior ou
início.
(3)
Não se separa, por vírgulas, o núcleo
de seu adjunto adnominal.
(4)
Marca-se a inclusão de palavras ou
expressões por vírgulas.
Sabendo
desses quatro princípios do emprego da vírgula e de sua especificidade em
relação à pontuação dos adjuntos adverbiais, vejamos o seguinte fragmento de
origem:
Fragmento:
“
Tínhamos um
par de sapatos para o domingo. Só. A semana tocada de tamancos ou de pés no
chão".
Notemos que o adjunto adverbial “só" está isolado
por dois pontos finais. Essa escrita apresenta um efeito expressivo, isto é,
que expressa visões que estão além das regras gramaticais, ligadas às intenções
do autor e ao contexto afetivo em que se encontram os personagens. Nesse caso, não
fica difícil perceber que os pontos destacam o advérbio de maneira a enfatizar
a exclusividade do domingo, como único dia da semana em que se podia usar os
sapatos. Naturalmente, enfatizando esse tom exclusivo, realça-se, também, o cenário
de pobreza em que vivia o personagem.
Para marcarmos a reescrita correta, devemos
assinalar aquela em que não se infringem as regras gramaticais e que, ao mesmo
tempo, preservem os sentidos expressivos do texto de origem.
Examinemos, agora, cada uma das propostas de
reescrita.
A) Tínhamos
um par de sapatos para o domingo, só. A semana tocada de tamancos ou de pés no
chão.
CORRETA.
Notemos que, se há que se manter o
efeito expressivo de isolar o adjunto adverbial SÓ, isso pode ser feito com dois
pontos finais, como ocorre no texto de origem, e com uma vírgula e um ponto,
tal como se apresenta na letra A. Esses dois elementos de pontuação continuam sendo
usados de maneira a sinalizar a exclusividade do domingo em relação ao uso dos
sapatos. Gramaticalmente, note que SÓ, no texto original, é um adjunto adverbial
cuja circunstância recai sobre toda a oração “tínhamos um par de sapatos para o
domingo", sem fazer parte dela. Ele não é membro da oração, apenas se conecta a
ela emprestando-lhe sentido de exclusividade. Assim, na reescrita, não há
transgressão à gramática, pois estamos incluindo, na referida oração, um termo
que não fazia parte dela antes. Portanto, a vírgula sinaliza a inclusão da
palavra SÓ e o ponto final, a informação de que a oração reescrita termina,
nessa versão, justamente com essa palavra. Ao mesmo tempo, a combinação da
vírgula com o ponto final continua provocando efeito de exclusividade ao
advérbio, mesmo estando ele, agora, no interior da oração “tínhamos um par de
sapatos para o domingo, só". A reescrita atende tanto aos princípios gramaticais
quanto aos efeitos expressivos já presentes no texto original. A letra A,
portanto, é a resposta da questão
.
B) Tínhamos um par, de sapatos, só para o domingo. A semana
tocada de tamancos ou de pés no chão.
ERRADA.
Note que as vírgulas separam a palavra “par"
do termo “de sapatos", o que transgride um dos princípios gramaticais, o de não
separação entre núcleos e adjuntos adnominais. A expressão “um par de sapatos"
é um objeto direto de “tínhamos", cujo substantivo “par" é o núcleo e a locução
“de sapatos" é o seu determinante, ou adjunto adnominal. Por essa razão, a
letra B não caberia como resposta.
C) Só, tínhamos um par de sapatos para o domingo. A semana
tocada de tamancos ou de pés no chão.
ERRADA.
Nesta reescrita, no início do período,
marcada por vírgula, a palavra “só" tem o seu sentido e, consequentemente, a
sua classe gramatical alterados. Trata-se de um adjetivo, que significa “sozinho".
Esse registro, além de mudar aspectos semânticos e gramaticais da palavra,
provoca incorreção no que diz respeito à concordância, pois se “só" passa a
significar “sozinho", esse adjetivo, na oração em análise, passa a ser um
predicativo referente ao sujeito desinencial “nós" (“[nós] tínhamos"). Notemos
que o predicativo do sujeito será sempre um termo oracional que reconhecemos
por se separar do sujeito (seja por meio do verbo de ligação, seja pelas vírgulas),
mesmo a ele se referindo. Então, a vírgula marca “só" como predicativo, e não
como adjunto adverbial. Nessa reescrita, até mesmo se a intenção fosse
transformar o adjunto adverbial em predicativo do sujeito, a opção estaria
errada, pois, estando o sujeito no plural, o seu predicativo também deveria
estar (“sós").
D) Tínhamos um par de sapatos para o domingo. A semana só,
tocada de tamancos ou de pés no chão.
ERRADA.
Quando a palavra “só" passa a ser
deslocada para depois de “semana", ele passa a ser um adjetivo novamente, com mudança
também de sentido. Nessa reescrita, “a semana sozinha" era tocada de tamancos
ou de pés no chão. Ou seja, trata-se de um adjetivo que não se separa do seu
núcleo (“semana") por vírgula, sendo, por essa razão, classificado na oração
reescrita, como adjunto adnominal. A vírgula aparece não mais para pontuar “só"
(nesse contexto significando “sozinha"), mas sim para sinalizar um termo
explicativo posterior a essa palavra.
E) Tínhamos um par de sapatos para o domingo. A semana tocada
de tamancos ou de pés, só no chão.
ERRADA.
Mais
uma vez, o deslocamento de “só" altera radicalmente o sentido do fragmento.
Observe que o que se pontua não é “só", e sim a expressão “só no chão" que,
nesse caso, constitui uma explicação sobre “a semana tocada de tamancos ou de
pé", e não uma exclusividade sobre o domingo. Por essa razão, a letra E não
poderia ser considerada resposta da questão.
Gabarito da professora: A.