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ID
3281371
Banca
Instituto Consulplan
Órgão
CODESG - SP
Ano
2019
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Mudança

    Na planície avermelhada, os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala.
    Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás.
    Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.
    – Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai. Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo.
    A catinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas. O voo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos.
    – Anda, excomungado.
    O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário – e a obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.
    Tinham deixado os caminhos, cheios de espinho e seixos, fazia horas que pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés.
  Pelo espírito atribulado do sertanejo passou a ideia de abandonar o filho naquele descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, coçou a barba ruiva e suja, irresoluto, examinou os arredores. Sinhá Vitória estirou o beiço indicando vagamente uma direção e afirmou com alguns sons guturais que estavam perto. Fabiano meteu a faca na bainha, guardou-a no cinturão, acocorou-se, pegou no pulso do menino, que se encolhia, os joelhos encostados ao estômago, frio como um defunto. Aí a cólera desapareceu e Fabiano teve pena. Impossível abandonar o anjinho aos bichos do mato. Entregou a espingarda a Sinhá Vitória, pôs o filho no cangote, levantou-se, agarrou os bracinhos que lhe caíam sobre o peito, moles, finos como cambitos. Sinhá Vitória aprovou esse arranjo, lançou de novo a interjeição gutural, designou os juazeiros invisíveis.
    E a viagem prosseguiu, mais lenta, mais arrastada, num silêncio grande. (...)
    As manchas dos juazeiros tornaram a aparecer, Fabiano aligeirou o passo, esqueceu a fome, a canseira e os ferimentos. As alpercatas dele estavam gastas nos saltos, e a embira tinha-lhe aberto entre os dedos rachaduras muito dolorosas. Os calcanhares, duros como cascos, gretavam-se e sangravam.
    Num cotovelo do caminho avistou um canto de cerca, encheu-o a esperança de achar comida, sentiu desejo de cantar. A voz saiu-lhe rouca, medonha. Calou-se para não estragar força.
    Deixaram a margem do rio, acompanharam a cerca, subiram uma ladeira, chegaram aos juazeiros. Fazia tempo que não viam sombra.
  Sinhá Vitória acomodou os filhos, que arriaram como trouxas, cobriu-os com molambos. O menino mais velho, passada a vertigem que o derrubara, encolhido sobre folhas secas, a cabeça encostada a uma raiz, adormecia, acordava. E quando abria os olhos, distinguia vagamente um monte próximo, algumas pedras, um carro de bois. A cachorra Baleia foi enroscar-se junto dele.
    Estavam no pátio de uma fazenda sem vida. O curral deserto, o chiqueiro das cabras arruinado e também deserto, a casa do vaqueiro fechada, tudo anunciava abandono. Certamente o gado se finara e os moradores tinham fugido. (...)
    Entrava dia e saía dia. As noites cobriam a terra de chofre. A tampa anilada baixava, escurecia, quebrada apenas pelas vermelhidões do poente. Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores. O coração de Fabiano bateu junto do coração de Sinhá Vitória, um abraço cansado aproximou os farrapos que os cobriam. Resistiram à fraqueza, afastaram-se envergonhados, sem ânimo de afrontar de novo a luz dura, receosos de perder a esperança que os alentava.
                                (RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. Rio de Janeiro & São Paulo:
Editora Record, 1996.)

Considerando o trecho sublinhado da frase “Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca...” (4º§), reescrita de forma a substituir essa oração reduzida por desenvolvida, assume, por correção, a seguinte forma:

Alternativas
Comentários
  • GABARITO: LETRA C

    ? ?Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca...? (4º§)

    ? Temos uma oração subordinada adverbial causal reduzida do gerúndio -ndo (obtendo); desenvolvendo (=já que/visto que/como/dado que/sendo que/ uma vez que não obtivera resultado); O FATO DE (CAUSA) não ter obtido resultado FEZ COM QUE (CONSEQUÊNCIA) fustigasse-o com a bainha da faca.

    A) Se não obtivesse ? conjunção subordinativa condicional, não queremos valor condicional.

    B) Caso não obtenha ? conjunção subordinativa condicional, não queremos valor condicional.

    C) Como não obtivera.

    D) Embora não obtivesse ? conjunção subordinativa concessiva, não queremos valor de concessão.

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    FORÇA, GUERREIROS(AS)!! 

  • Complementando o comentário dos colegas:

    As orações podem ser reduzidas de gerúndio, particípio ou infinitivo.

    Infinitivo - assumem características de substantivo

    Gerúndio - assumem características de advérbios

    Particípio - assumem características de adjetivo

    Após esse entendimento, lembremo-nos que para desenvolver uma oração, inserimos um conectivo e conjugamos o verbo.

    Na questão, observem: Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca...

    Temos duas orações: A acessória - reduzida de gerúndio - e a principal com um verbo no pretérito perfeito do indicativo.

    Se temos gerúndio, logo temos uma oração subordinada adverbial. Frise-se, novamente, que o sentido da oração acessória é uma causa para a oração principal, ou seja, necessitamos de uma conjunção causal. O como, em regra, no início das frases, situa-se como conjunção causal.

    Por sua vez, o VERBO da oração principal está no passado. Assim, ao correlacionarmos o verbo da oração acessória, esse deve estar em um tempo e modo compatíveis com o pretérito perfeito do verbo fustigar (no caso, fustigou).

    Ante o exposto, temos a letra C como gabarito (Conjunção causal e verbo conjugado no pretérito mais-que-perfeito do indicativo(terminação -RA), compatibilizando-o com o tempo pretérito perfeito do indicativo do verbo fustigar na oração principal.

    Gabarito: C.

    Espero ter contribuído. Força e sigamos!