- ID
- 3353179
- Banca
- VUNESP
- Órgão
- Prefeitura de São Roque - SP
- Ano
- 2020
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
Leia o texto, para responder às questões de números 11 a 17.
Subi ao avião com indiferença, e como o dia não estava
bonito, lancei apenas um olhar distraído a essa cidade do Rio
de Janeiro e mergulhei na leitura de um jornal. Depois fiquei
a olhar pela janela e não via mais que nuvens, e feias. Na
verdade, não estava no céu; pensava coisas da terra, minhas
pobres, pequenas coisas, uma aborrecida sonolência foi me
dominando, até que uma senhora nervosa ao meu lado disse
que “nós não podemos descer!” O avião já havia chegado
a São Paulo, mas estava fazendo sua ronda dentro de um
nevoeiro fechado, à espera de ordem para pousar. Procurei
acalmar a senhora.
Ela estava tão aflita que embora fizesse frio se abanava
com uma revista. Tentei convencê-la de que não devia se abanar, mas acabei achando que era melhor que o fizesse. Ela
precisava fazer alguma coisa, e a única providência que aparentemente poderia tomar naquele momento de medo era se
abanar. Ofereci-lhe meu jornal dobrado, no lugar da revista, e
ficou muito grata, como se acreditasse que, produzindo mais
vento, adquirisse maior eficiência na sua luta contra a morte.
Gastei cerca de meia hora com a aflição daquela senhora.
Notando que uma sua amiga estava em outra poltrona, ofereci-
-me para trocar de lugar, e ela aceitou. Mas esperei inutilmente
que recolhesse as pernas para que eu pudesse sair de meu
lugar junto à janela; acabou confessando que assim mesmo
estava bem, e preferia ter um homem – “o senhor” – ao lado.
Isto lisonjeou meu orgulho de cavalheiro: senti-me útil e responsável. Era por estar ali eu, um homem, que aquele avião
não ousava cair.
(Rubem Braga, Um braço de mulher. Os cem melhores contos
brasileiros do século.)
Empregando aspas na passagem “nós não podemos descer”, o narrador sinaliza ao leitor que se trata